CARTA ABERTA

Morreu um de nós: um daqueles que zelava pela segurança de todos (alunos, funcionários e professores); O nosso elo mais forte, em pleno exercício das suas funções.
Para evitar que um aluno maltratasse um colega fazendo perigar a sua vida, durante a aula, mesmo perante a pronta ação do professor e de um funcionário, foi pedida a intervenção dos vigilantes da escola, para que fosse conduzido à Direção Executiva para que esta acionasse os técnicos da Escola Segura.
Desde o início do comportamento, de extrema violência, materiais foram destruídos, funcionários e docentes ameaçados de morte verbalmente e agredidos fisicamente.
O esforço dos vigilantes em controlar tais atitudes foi imenso mas não conseguiram evitar a destruição descontrolada de mesas, quadros, armários, cadeiras e os atos de ataque físico.
Já na Direção Executiva, e perante o continuado comportamento violento, o vigilante Correia manietando o aluno, manteve-se como pilar determinante na segurança física de outros elementos da comunidade educativa, que tentavam também intervir. Mais de dez pessoas tentaram, sem sucesso, conter o aluno!
Assim, perante uma violência física e emocional tão demorada e brutal o vigilante Correia colapsou.
De imediato foi assistido por professores e funcionários que lhe fizeram as manobras de reanimação (respiração boca a boca e massagem cardíaca) até à chegada do INEM, que prestou toda a assistência possível que, no entanto, se mostrou ineficaz para salvar o Sr. Correia.
Estamos profundamente abalados e consternados com o falecimento do colega em pleno exercício das suas funções, num local, por excelência, educativo, onde uma morte nesta situação é inaceitável.
Estamos de luto, estamos perante algo que não conseguimos aceitar e, por isso, não sentimos capacidade de gerir emocionalmente uma situação tão dramática; estamos na escola sem darmos aulas, incapazes de pedagogicamente abordar o assunto junto dos restantes alunos.
Todos os que se encontravam na escola ficaram em choque. Como pode isto ter acontecido numa escola? Que ambiente se vive? Que aprendizagens se fazem quando há quem possa frequentá-la enchendo-a de ameaças e de violência?
O contexto escolar do Agrupamento está pormenorizadamente descrito no Projeto Educativo. Todos os profissionais que nele trabalham estão conscientes do universo em que se movem e procuram por todos os meios ajudar a orientar crianças e jovens de um meio problemático, com fragilidades várias, com comportamentos difíceis de gerir. Temos uma equipa técnica preparada e muito ativa, no âmbito dos recursos TEIP. Lidamos com os problemas que vão surgindo e conseguimos muitos resultados positivos.
No entanto, há sempre um pequeno número de alunos, bem identificados na escola, que ultrapassam todos os limites do aceitável numa comunidade escolar, pois põem em risco os seus membros, a nível físico e psicológico, de forma sistemática: não aceitam a autoridade de ninguém, pelo que não cumprem as regras da escola, nem as mais básicas de convivência; ameaçam; aterrorizam; agridem.
Em relação a estes alunos já tudo foi feito, desde as estratégias aplicadas pelos professores e pelos diretores de turma para motivar o aluno para a aprendizagem e para a socialização, passando pelas medidas previstas no Estatuto do Aluno, completamente ineficazes para estes casos. Tiveram a intervenção do SPO, GAAF, ADEIMA, CPCJ, Tribunal de Menores. Aos diretores de turma são pedidos relatórios, pareceres, esclarecimentos de todos estes organismos. Enquanto isto acontece e durante anos, a situação destes alunos na escola mantém-se inalterada, até os jovens saírem da escolaridade obrigatória ou terminarem o ciclo de estudos. Isto é, embora várias instituições estejam envolvidas, a escola tem de manter os alunos ou transferi-los para outras escolas, deslocando o problema, não resolvido, para os outros. Estes continuam assim a ameaçar e a agredir colegas, funcionários e professores, continuam a impedir os colegas das turmas em que estão inseridos de poder ter um ensino de qualidade, minando as aulas. Têm e criam um sentimento de poder ter impunidade e de ausência de limites, que é o oposto do que lhes deveria ser ensinado.
A escola regular não pode dar a estes alunos a resposta de que eles precisam. A tutela não está a cumprir o seu papel, que inclui o de resolver a situação destes alunos e o de proteger o direito à educação e à integridade física e psicológica de todos os outros e de quem trabalha nas escolas.
Por estes motivos, dirigimo-nos à Tutela, exigindo que, com a maior urgência, se debruce sobre este problema e o resolva eficazmente, criando acompanhamento adequado às crianças e jovens com comportamentos disruptivos, que põem em riscos elementos da comunidade escolar em que se inserem. Este acompanhamento terá de implicar o afastamento destes jovens das escolas regulares e a sua integração em ambientes controlados, específicos e preparados para este tipo de perfil psicológico.
Morreu o Sr. Correia, dizemos. Já tinha problemas de saúde, dirão. Nos olhos uns dos outros lemos «Mataram o Sr. Correia».
Matosinhos e EB 2, 3 Professor Óscar Lopes, 31 de janeiro de 2013
Assinatura de docentes e não docentes