terça-feira, 13 de setembro de 2016

O primeiro passeio

Todos temos a nossa história.
Começou, há três meses, a história do João, o meu neto. Uma história bonita, escrita por sua Mãe e que ele um dia, entre emocionado e divertido, irá ler.


O Bebé vai passear

No carrinho deitado
Muito repimpado
Vai a passear
Um Bebé de sonho,
Menino risonho
Que há-de enfeitiçar
A flor mais vaidosa.

Ao vê-lo uma rosa
Com medo pensou:
“Mas foi um botão
Que ao meu coração
Alguém arrancou.”

E um rouxinol
Que brincava ao sol
Em alta ramada;
Ao vê-lo passar
Foi logo chamar
Toda a passarada.

O jardim entoa
Na ave que voa,
Na água corrente,
Um hino de graça
À Vida que passa
Risonha e contente

Alice Ogando

Este singelo, quase pueril poema, integra o livro velhinho, “Uma História Pequenina”.
O meu livro. A minha história. Desde que nasci. Uma história que a minha Mãe foi escrevendo, enquanto foi possível, isto é, enquanto a doença não interrompeu, impiedosa, uma outra história: a sua.

A meu lado, ficou alguém que não apontou pormenores, não escreveu, mas ensinou-me a construir a minha história. A mais maravilhosa das histórias. Feita de luz e também de sombra, de riso e de Esperança, como as histórias devem ser.

Durante trinta e dois anos, comigo, ficou alguém que me amou, protegeu, ensinou e orientou.

Alguém, com um coração do tamanho do mundo, que não foi um filósofo, não foi um poeta, não foi um santo, ou que talvez tenha sido tudo isso, sem ninguém saber. Nem mesmo eu.

Alguém que, em cada um dos meus dias, enquanto o Tempo lhe deu Tempo, foi a minha âncora, o meu porto de abrigo, a luz-guia dos meus passos: o meu PAI!
Depois de tantos anos, ainda é o rasto claro, límpido, brilhante dessa luz, o caminho que percorro. Que sempre quis percorrer.

Com as palavras, deliciosamente simples, de Alice Ogando, entrelacei o primeiro passeio do meu neto, João, no dia trinta de Junho, ao colo de sua Mãe, no seu aconchegado "marsúpio", na marginal da Foz, com a minha primeira saída à rua, com a minha Mãe a empurrar o meu carrinho, no dia cinco de Outubro de 1945, no passeio de uma rua bordada de palmeiras, com o mar azul, salpicado de luz, ali mesmo ao lado, no palpitante poente africano.

E, a poderosa magia do momento repetiu-se, como já se tinha repetido, quando era eu, a Mãe.

MC

A Avó


 Se “o primeiro filho dá à luz a Mãe”, no dia 11 de Junho, o João fez nascer a avó que hoje sou.

Foi um nascimento emocionante, profundamente feliz, mas não surpreendente. Afinal, ser avó, é uma extensão de ser mãe, no encantamento, na alegria, mas sem a ansiedade “da primeira viagem”, sem o deslumbrante espanto da descoberta do sentimento intenso, sublime da Maternidade.

Como a Mãe, a Avó sabe que prende nos braços o Mistério, a Poesia, o Infinito. A Vida!
E embala sonhos, tantos sonhos, que costura, num bordado intrincado, com fios de horizonte, de luz e de ternura.

Como a Mãe, também a Avó é redonda e lisa, sem ângulos agudos, sem bicos inesperados, sem asperezas.

No dia 11 de Junho, nasci Avó.

Apenas uma nuvem ligeira, mas teimosa, atravessa os dias bonitos que correm lá fora: a noção sinuosa da escassez de tempo, do meu tempo. Esse delgado, infatigável fio de areia a cair, a cair, na ampulheta da vida, que arrasta consigo esse abismo insondável de solidão e de silêncio.

O tempo não me irá, talvez, dar tempo de ver terminado o bordado, tecido de luz e de sonhos, já tornados realidade, mas fica-me a certeza que o João terá sempre alguém, a seu lado, para o amar, proteger e ensinar.

Alguém que descerá à nascente mais funda e será Rio, onde ele possa refrescar a alma das atribulações da vida; alguém que descerá ao centro do fogo e será Tocha ardente, para lhe iluminar os dias; alguém que descerá ao mais gélido Inverno e será Lava incandescente, para derreter a neve e lhe alisar o caminho: a MÃE.

MC