Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Nota: Porque eu nem sabia que tinha tantos seguidores e a vossa "presença" e o vosso interesse me deu uma grande, grande alegria, aqui fica, para vós, Amigos queridos, este poema, com um imenso e grato abraço!
E, já agora, porque também respeito a vossa opinião, espero os vossos comentários!!
MC
segunda-feira, 19 de julho de 2010
Mãe
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?
Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.
Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.
Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!
Miguel Torga, in 'Diário IV'
Neste poema, transborda, estarrecida, a dor da perda, a angústia da presença muda, cinzelada, fria e indiferente e escorre, viscoso, o espanto, o infinito espanto perante a pesada ausência, perante o inquietante silêncio, perante o assustador desconhecido!
Dedico, talvez inusitadamente, este poema a mim, à menina de três anos que fui e a todas as meninas e a todos os meninos que, como eu, um dia, se encontraram, indefesos, perante a “desgraça”, sem remédio, da mais terrível das perdas, mergulhados no vazio mais profundo, na mais dolorosa solidão, a tremer de medo e de frio!
Mas, essa estátua, cujo “perfil endureceu numa linha severa e desenhada”, é “a mulher eterna entre as mulheres que nem a morte afastou de mim" ou deles!!
Mãe!
MC
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?
Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.
Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.
Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!
Miguel Torga, in 'Diário IV'
Neste poema, transborda, estarrecida, a dor da perda, a angústia da presença muda, cinzelada, fria e indiferente e escorre, viscoso, o espanto, o infinito espanto perante a pesada ausência, perante o inquietante silêncio, perante o assustador desconhecido!
Dedico, talvez inusitadamente, este poema a mim, à menina de três anos que fui e a todas as meninas e a todos os meninos que, como eu, um dia, se encontraram, indefesos, perante a “desgraça”, sem remédio, da mais terrível das perdas, mergulhados no vazio mais profundo, na mais dolorosa solidão, a tremer de medo e de frio!
Mas, essa estátua, cujo “perfil endureceu numa linha severa e desenhada”, é “a mulher eterna entre as mulheres que nem a morte afastou de mim" ou deles!!
Mãe!
MC
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