Com esta ingénua PROCISSÃO, imortalizada por João Villaret, fica o meu abraço e os votos de uma Páscoa Feliz, a todos os meus Amigos.
MC
Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.
Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o solidó.
Quando o regente lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.
Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes machados,
E os capacetes rebrilham ao sol.
Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.
Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!
Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos.
E o mais pequeno perdeu uma asa!
Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.
Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu!
Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!
Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.
António Lopes Ribeiro
quarta-feira, 20 de abril de 2011
terça-feira, 19 de abril de 2011
Cântico negro
"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!
José Régio
Mas, se hoje, as nossas vidas são vendavais de aflições, se ondas alterosas se levantaram, num espanto, se nos empurraram, irresponsávelmente, rumo ao abismo, se agora nos apontam, autoriários e sem assumir erros, um só caminho, duro e tortuoso, que podemos nós fazer, senão ir por aí?
Não, eu não quero ir por aí! Não, tu não queres ir por aí! Mas teremos outra saída...?
MC
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!
José Régio
Mas, se hoje, as nossas vidas são vendavais de aflições, se ondas alterosas se levantaram, num espanto, se nos empurraram, irresponsávelmente, rumo ao abismo, se agora nos apontam, autoriários e sem assumir erros, um só caminho, duro e tortuoso, que podemos nós fazer, senão ir por aí?
Não, eu não quero ir por aí! Não, tu não queres ir por aí! Mas teremos outra saída...?
MC
sábado, 16 de abril de 2011
O dia da criação
Macho e fêmea os criou.
Gênese, 1, 27
I
Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar.
Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.
Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.
Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.
II
Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado
Hoje há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado
Há um rico que se mata
Porque hoje é sábado
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado
Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado
Há um grande espírito-de-porco
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado
Há criançinhas que não comem
Porque hoje é sábado
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado
Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado
Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado
Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado
Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado
Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado
Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado
Há uma comemoração fantástica
Porque hoje é sábado
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado
Vinicius de Moraes
MC
quinta-feira, 14 de abril de 2011
Confissões de uma Nini preguiçosa, a espreguiçar-se ao sol...
O sofá de veludo azul, onde preguiçosamente dormito, está inundado de sol.
Estico os meus braços esguios e as minhas unhas pintadas brilham, suavemente, como pedacinhos de nácar.
Estendo as pernas compridas e rebolo, na maciez azul do veludo, o meu corpo voluptuoso, que se expande, num suspiro de intenso e preguiçoso prazer!
O sol acaricia o meu corpo e arranca mil reflexos de oiro,da minha pele, sedosa e delicada. Dizem que sou bela! Sei que sou bela e tenho a sensualidade vivaz que perpassa no quadro “ Olympia”, de Manet!
A luz é intensa e semi-cerro os meus olhos claros, de um verde tenro e líquido, pontilhados de oiro!
...
Uma noite, ao serão, ouvi alguém falar de um livro "Oblomov, o magnífico preguiçoso"
de um escritor russo, Ivan Goncharov!
Simpatizei logo com esse Oblomov! Eu sou como ele, uma magnífica e adorável preguiçosa, a espreguiçar-se ao sol!
...
Hoje tenho um laço de seda verde, ao pescoço! Adoro a cor verde! Fica-me bem e condiz com os meus olhos!
Daqui a pouco, ele chega. É baixo, careca, e desinteressante. Dizem que é irascível, agressivo e detestável!
Comigo, não! Comigo é terno, sereno e paciente!
Às vezes aborrece-me de morte! Outras vezes, enfurece-me! Normalmente, é-me indiferente! Mas ele adora-me!
...
Quando abrir a porta, vai começar a gritar: Nini, Nini! Que nome ridículo! Chamar-me Nini, a mim, descendente de reis! Eu deveria ter um nome nobre, talvez, Sofia, Catarina, Constança, sei lá...!
Detesto que me chame Nini! Detesto que me chame bichaninha! Detesto! Detesto!
...
Como é delicioso espreguiçar-me, neste sofá de veludo azul, onde posso espetar e polir as minhas unhas cor-de rosa!
...
Chegou! Já o ouço aos gritos: Nini! Nini!
Se ele pensa que vou levantar, para ir, a correr ter com ele e interromper, assim de repente, este doce enlevo de sossego e de paz, está muito enganado!
Ele é que tem de vir ter comigo e acariciar-me a barriga! Por acaso, hoje, apetece-me imenso que me acaricie a barriga! Que é cor-de-rosa e macia!
...
Já sei, vai abraçar-me! Mas, se amarrota ou, tira do lugar, o meu laço de seda verde, dou-lhe uma arranhadela, na careca! Não, dou-lhe duas arranhadelas, na careca!
Preciso de ir ao instituto de beleza e, se o magoar muito, ele leva-me lá mais depressa!
...
Lá fora, dizem, ele é agressivo e intratável. Até me contaram que, um dia, confessou, aos gritos, na Assembleia da República, uma casa que não conheço, mas onde se reúne gente muito importante, que gosta de malhar à direita e à esquerda, mas especialmente, à direita!
Cá em casa, sou eu que malho nele, quer dizer, sou eu que lhe dou unhadas e o esgatanho! Quando me aborrece...
...
Mas, não posso exagerar!
É que eu sou esquisita! Como membro da mais depurada realeza, sou alérgica a sardinhas, a carapau e a enlatados do supermercado! Só como carne, se for fillet mignon, e o peixe tem de ser fresco, carnudo e macio.
...
Pegou-me ao colo! Adoro ser preguiçosa e odeio que me incomodem, quando descanso! Tirou-me do sol e eu dou-lhe uma unhada! Não, dou-lhe duas unhadas!
Então, todo babado, gostava que o vissem, diz-me que me trouxe o meu perfume e um patê francês.
Fico à espera de o ouvir dizer que me vai levar ao Ronron`s Spa, para um tratamento de beleza completo.
Em vez disso, diz-me todo melado:
“Então, Nini, nem sequer te ouço um Miau de agradecimento?”
Ele ensandeceu! Tanto malhou à direita, tanto malhou à esquerda, especialmente, à direita, que enlouqueceu! Eu, uma gata de raça nobre, eu, uma felina da mais pura linhagem, eu, uma tigreza elegante, requintada, fina, com sangue real persa a correr-me nas veias, soltar um suburbano, um mísero Miau?
....
Mas, não posso exagerar!
Por isso e para lhe agradar, sussuro-lhe, mesmo junto da possidónia orelhinha, um chic, doce e encantador Miôôôô...
MC
Estico os meus braços esguios e as minhas unhas pintadas brilham, suavemente, como pedacinhos de nácar.
Estendo as pernas compridas e rebolo, na maciez azul do veludo, o meu corpo voluptuoso, que se expande, num suspiro de intenso e preguiçoso prazer!
O sol acaricia o meu corpo e arranca mil reflexos de oiro,da minha pele, sedosa e delicada. Dizem que sou bela! Sei que sou bela e tenho a sensualidade vivaz que perpassa no quadro “ Olympia”, de Manet!
A luz é intensa e semi-cerro os meus olhos claros, de um verde tenro e líquido, pontilhados de oiro!
...
Uma noite, ao serão, ouvi alguém falar de um livro "Oblomov, o magnífico preguiçoso"
de um escritor russo, Ivan Goncharov!
Simpatizei logo com esse Oblomov! Eu sou como ele, uma magnífica e adorável preguiçosa, a espreguiçar-se ao sol!
...
Hoje tenho um laço de seda verde, ao pescoço! Adoro a cor verde! Fica-me bem e condiz com os meus olhos!
Daqui a pouco, ele chega. É baixo, careca, e desinteressante. Dizem que é irascível, agressivo e detestável!
Comigo, não! Comigo é terno, sereno e paciente!
Às vezes aborrece-me de morte! Outras vezes, enfurece-me! Normalmente, é-me indiferente! Mas ele adora-me!
...
Quando abrir a porta, vai começar a gritar: Nini, Nini! Que nome ridículo! Chamar-me Nini, a mim, descendente de reis! Eu deveria ter um nome nobre, talvez, Sofia, Catarina, Constança, sei lá...!
Detesto que me chame Nini! Detesto que me chame bichaninha! Detesto! Detesto!
...
Como é delicioso espreguiçar-me, neste sofá de veludo azul, onde posso espetar e polir as minhas unhas cor-de rosa!
...
Chegou! Já o ouço aos gritos: Nini! Nini!
Se ele pensa que vou levantar, para ir, a correr ter com ele e interromper, assim de repente, este doce enlevo de sossego e de paz, está muito enganado!
Ele é que tem de vir ter comigo e acariciar-me a barriga! Por acaso, hoje, apetece-me imenso que me acaricie a barriga! Que é cor-de-rosa e macia!
...
Já sei, vai abraçar-me! Mas, se amarrota ou, tira do lugar, o meu laço de seda verde, dou-lhe uma arranhadela, na careca! Não, dou-lhe duas arranhadelas, na careca!
Preciso de ir ao instituto de beleza e, se o magoar muito, ele leva-me lá mais depressa!
...
Lá fora, dizem, ele é agressivo e intratável. Até me contaram que, um dia, confessou, aos gritos, na Assembleia da República, uma casa que não conheço, mas onde se reúne gente muito importante, que gosta de malhar à direita e à esquerda, mas especialmente, à direita!
Cá em casa, sou eu que malho nele, quer dizer, sou eu que lhe dou unhadas e o esgatanho! Quando me aborrece...
...
Mas, não posso exagerar!
É que eu sou esquisita! Como membro da mais depurada realeza, sou alérgica a sardinhas, a carapau e a enlatados do supermercado! Só como carne, se for fillet mignon, e o peixe tem de ser fresco, carnudo e macio.
...
Pegou-me ao colo! Adoro ser preguiçosa e odeio que me incomodem, quando descanso! Tirou-me do sol e eu dou-lhe uma unhada! Não, dou-lhe duas unhadas!
Então, todo babado, gostava que o vissem, diz-me que me trouxe o meu perfume e um patê francês.
Fico à espera de o ouvir dizer que me vai levar ao Ronron`s Spa, para um tratamento de beleza completo.
Em vez disso, diz-me todo melado:
“Então, Nini, nem sequer te ouço um Miau de agradecimento?”
Ele ensandeceu! Tanto malhou à direita, tanto malhou à esquerda, especialmente, à direita, que enlouqueceu! Eu, uma gata de raça nobre, eu, uma felina da mais pura linhagem, eu, uma tigreza elegante, requintada, fina, com sangue real persa a correr-me nas veias, soltar um suburbano, um mísero Miau?
....
Mas, não posso exagerar!
Por isso e para lhe agradar, sussuro-lhe, mesmo junto da possidónia orelhinha, um chic, doce e encantador Miôôôô...
MC
terça-feira, 12 de abril de 2011
O Tempo sob o signo de Saramago e ... não só!
Saramago escreveu: "... o tempo chove sobre nós, o tempo afoga-nos."
Eu, prosaicamente, digo que o tempo voa, o tempo corre. Corre, infatigável, à minha frente, como um cão desconfiado e fugidio. E eu corro, desesperadamente, atrás dele, dividida entre o medo que ele me arreganhe os dentes e me abocanhe, e o desejo vão de o alcançar e o de prender...
Mas, porque o tempo é imparável e corredio, ali, mesmo ali, naquele canto, acumulam-se as rimas que não rimei, os poemas que deixei por acabar, os textos, mutilados, sem um final, os livros que ainda não li, os telefonemas que não fiz, as palavras que não disse, os sonhos que, na pressa, me esqueci de sonhar...
O tempo corre solto, corre rápido e, nessa correria, a vida transforma-se, liquefaz-se no vento. O tempo transforma tudo em si mesmo, diz-nos o Poeta!
E eu vou-me perdendo no tempo, na teia que o tempo, sem piedade, tece! Que o vento, impetuoso, desfaz!
E há sempre tanto para fazer...
MC
José Luís Peixoto, in “ A Casa, A Escuridão”, dá-nos esta belíssima explicação do tempo e da eternidade:
devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.
os assuntos que julgámos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.
por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.
os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.
foste eterna até ao fim.
Saramago escreveu: “a vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver”.
Porque não temos tempo...
E também porque, como nos diz João de Deus:
A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai:
A vida dura num momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave:
Nuvem que o vento nos ares,
Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou,
A vida – pena caída
Da asa da ave ferida
De vale em vale impelida
A vida o vento levou!
MC
sábado, 9 de abril de 2011
Recordando Pablo Neruda
Hoje, eu quero enfeitar e enriquecer o meu blogue com estes poemas de Pablo Neruda, sem esquecer o belíssimo "Puedo escribir los versos más tristes esta noche", de que gosto particularmente! Lanço-os, aqui, na língua original porque as traduções são perigosas, sobretudo, na Poesia!
Soneto XVII
No te amo como se fueras rosa de sal, topacio
o flecha de claveles que propagan el fuego:
te amo como se aman ciertas cosas oscuras,
secretamente, entre la sombra y el alma.
Te amo como la planta que no florece y lleva
dentro de sí, escondida, la luz de aquellas flores,
y gracias a tu amor vive oscuro en mi cuerpo
el apretado aroma que ascendió de la tierra.
Te amo sin saber cómo, ni cuándo, ni de dónde,
te amo directamente sin problemas ni orgullo:
así te amo porque no sé amar de otra manera,
sino así de este modo en que no soy ni eres,
tan cerca que tu mano sobre mi pecho es mía,
tan cerca que se cierran tu ojos con mi sueño.
Pablo Neruda - Cien sonetos de amor
No se cuentan las ilusiones
ni las comprensiones amargas,
no hay medida para contar
lo que podría pasarnos,
lo que rondó como abejorro
sin que no nos diéramos cuenta
de lo que estábamos perdiendo.
Perder hasta perder la vida
es vivir la vida y la muerte
y son cosas pasajeras
sino constantes evidentes
la continuidad del vacío,
el silencio en que cae todo
y por fin nosotros caemos.
Ay! lo que estuvo tan cerca
sin que pudiéramos saber.
Ay! lo que no podía ser
cuando tal vez podía ser.
Tantas alas circunvolaron
las montañas de la tristeza
y tantas ruedas sacudieron
la carretera del destino
que ya no haya nada que perder.
Se terminaron los lamentos."
Pablo Neruda
Puedo escribir los versos...
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Escribir, por ejemplo: “La noche está estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos”.
El viento de la noche gira en el cielo y canta.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también mi quiso.
En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.
Ella me quiso, a veces yo también la queria.
Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.
Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocio.
Qué importa que mi amor no pudiera guardala.
La noche está estrellada y ella no está conmigo.
Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta com haberla perdido.
Como para acercala mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.
La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.
Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.
De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.
Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.
Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta com haberla perdido.
Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
Y éstos sean los últimos versos que yo le escribo.
Pablo Neruda
MC
Soneto XVII
No te amo como se fueras rosa de sal, topacio
o flecha de claveles que propagan el fuego:
te amo como se aman ciertas cosas oscuras,
secretamente, entre la sombra y el alma.
Te amo como la planta que no florece y lleva
dentro de sí, escondida, la luz de aquellas flores,
y gracias a tu amor vive oscuro en mi cuerpo
el apretado aroma que ascendió de la tierra.
Te amo sin saber cómo, ni cuándo, ni de dónde,
te amo directamente sin problemas ni orgullo:
así te amo porque no sé amar de otra manera,
sino así de este modo en que no soy ni eres,
tan cerca que tu mano sobre mi pecho es mía,
tan cerca que se cierran tu ojos con mi sueño.
Pablo Neruda - Cien sonetos de amor
No se cuentan las ilusiones
ni las comprensiones amargas,
no hay medida para contar
lo que podría pasarnos,
lo que rondó como abejorro
sin que no nos diéramos cuenta
de lo que estábamos perdiendo.
Perder hasta perder la vida
es vivir la vida y la muerte
y son cosas pasajeras
sino constantes evidentes
la continuidad del vacío,
el silencio en que cae todo
y por fin nosotros caemos.
Ay! lo que estuvo tan cerca
sin que pudiéramos saber.
Ay! lo que no podía ser
cuando tal vez podía ser.
Tantas alas circunvolaron
las montañas de la tristeza
y tantas ruedas sacudieron
la carretera del destino
que ya no haya nada que perder.
Se terminaron los lamentos."
Pablo Neruda
Puedo escribir los versos...
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Escribir, por ejemplo: “La noche está estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos”.
El viento de la noche gira en el cielo y canta.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también mi quiso.
En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.
Ella me quiso, a veces yo también la queria.
Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.
Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocio.
Qué importa que mi amor no pudiera guardala.
La noche está estrellada y ella no está conmigo.
Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta com haberla perdido.
Como para acercala mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.
La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.
Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.
De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.
Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.
Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta com haberla perdido.
Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
Y éstos sean los últimos versos que yo le escribo.
Pablo Neruda
MC
quinta-feira, 7 de abril de 2011
Retalhos do diário de um Bernardo qualquer...
Chamo-me Bernardo, estou numa casa de correcção e vou usar este caderno de capa preta, que me deram ontem, para escrever o meu diário.
...
Hoje, não sei o que hei-de escrever. Amanhã...
...
Tento fazer de conta, mas tenho pena que a minha mãe venda o corpo na prostituição e venda a alma no tráfico da droga!
Contudo, não gosto dela! É seca, fria, ríspida e agressiva!
....
Às vezes, tenho saudades da minha mãe que já se esqueceu de mim, há muito tempo, e do afecto e do companheirismo do pai que nunca conheci!
Nos meus momentos de delírio, penso como tudo seria diferente se eu tivesse tido outros pais e o que chamam, uma vida normal e tranquila! E, sobretudo, se tivesse sido amado... Nunca ninguém me amou e eu acho que nunca amei ninguém... Por isso, a bem dizer, nem sei o que é isso de amar...
....
Gostava de conhecer umas miúdas giras, que não fossem fáceis e soubessem conversar, sem dizerem um palavrão em cada três palavras!
Gostava, mesmo, de ter uma namorada que me curtisse, como sou: feio, com espinhas na cara, desengonçado e pouco esperto! Bronco, pronto! Aqui, dizem que sou um bronco!
...
Eu não queria, mas vivo roído de inveja! Tenho uma inveja tremenda dos gajos da minha idade que são bem-parecidos , andam bem vestidos e cheiram bem, têm um quarto só para eles, com computador e televisão e nunca se viram atirados para o gamanço, porque era preciso trazer dinheiro para casa!
...
Dizem que cobiça é querer o que não se tem!
Inveja é querer que o outro não tenha o que não se tem e mostra o instinto do roubo!
Eu não sou filósofo, mas sinto que ando roído por tudo isso, pela cobiça e pela inveja! E, também por esta revolta, esta raiva imensa que me sufoca e me consome e que estas grades pesadas, que me prendem, não conseguem conter!
Porque não é aqui, nesta casa, que me vou tornar num homem digno, um homem de bem e honesto, como eles dizem, embora não acreditem! Porque não acreditam!
...
Sei, isso sim, que já tenho uma vida, à minha medida, lá fora, à minha espera!
Uma vida, como a de nós todos que aqui estamos, que é um beco escuro, sem saída, onde não se vislumbra a Esperança, nem se vê Futuro! Porque, se calhar, nem queremos, sei lá!
...
Vou ter de parar de escrever porque, para dizer a verdade, não vejo mesmo nada!
Estou cego pelas lágrimas grossas de pura raiva, que me encharcam o rosto e por esta inveja má, virulenta, medonha, cada vez mais forte, cada vez mais mortal, cada vez mais profundamente, enraizada em mim!
MC
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Hoje, não sei o que hei-de escrever. Amanhã...
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Tento fazer de conta, mas tenho pena que a minha mãe venda o corpo na prostituição e venda a alma no tráfico da droga!
Contudo, não gosto dela! É seca, fria, ríspida e agressiva!
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Às vezes, tenho saudades da minha mãe que já se esqueceu de mim, há muito tempo, e do afecto e do companheirismo do pai que nunca conheci!
Nos meus momentos de delírio, penso como tudo seria diferente se eu tivesse tido outros pais e o que chamam, uma vida normal e tranquila! E, sobretudo, se tivesse sido amado... Nunca ninguém me amou e eu acho que nunca amei ninguém... Por isso, a bem dizer, nem sei o que é isso de amar...
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Gostava de conhecer umas miúdas giras, que não fossem fáceis e soubessem conversar, sem dizerem um palavrão em cada três palavras!
Gostava, mesmo, de ter uma namorada que me curtisse, como sou: feio, com espinhas na cara, desengonçado e pouco esperto! Bronco, pronto! Aqui, dizem que sou um bronco!
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Eu não queria, mas vivo roído de inveja! Tenho uma inveja tremenda dos gajos da minha idade que são bem-parecidos , andam bem vestidos e cheiram bem, têm um quarto só para eles, com computador e televisão e nunca se viram atirados para o gamanço, porque era preciso trazer dinheiro para casa!
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Dizem que cobiça é querer o que não se tem!
Inveja é querer que o outro não tenha o que não se tem e mostra o instinto do roubo!
Eu não sou filósofo, mas sinto que ando roído por tudo isso, pela cobiça e pela inveja! E, também por esta revolta, esta raiva imensa que me sufoca e me consome e que estas grades pesadas, que me prendem, não conseguem conter!
Porque não é aqui, nesta casa, que me vou tornar num homem digno, um homem de bem e honesto, como eles dizem, embora não acreditem! Porque não acreditam!
...
Sei, isso sim, que já tenho uma vida, à minha medida, lá fora, à minha espera!
Uma vida, como a de nós todos que aqui estamos, que é um beco escuro, sem saída, onde não se vislumbra a Esperança, nem se vê Futuro! Porque, se calhar, nem queremos, sei lá!
...
Vou ter de parar de escrever porque, para dizer a verdade, não vejo mesmo nada!
Estou cego pelas lágrimas grossas de pura raiva, que me encharcam o rosto e por esta inveja má, virulenta, medonha, cada vez mais forte, cada vez mais mortal, cada vez mais profundamente, enraizada em mim!
MC
terça-feira, 5 de abril de 2011
Aguarela
Hoje o dia amanheceu radioso, como uma aguarela! Vestiu-se com as cores claras da Primavera, enfeitou-se de ouro, deixou a brisa branda despentear-lhe os cabelos e despertou a terra, ainda estremunhada, com o brilho da sua luz!
E, nesse abraço luminoso e morno, o meu coração, cheio de alegria e de esperança, bate muito, bate forte, bate assim, como se eu fosse, de novo, menina: tic-tac, tic-tac, tic-tac!
Como quadros impressionistas, coloridos e leves, vieram até mim, numa torrente de ternas recordações, os passeios à beira-mar, as corridas com os meus cães, o baloiço, os livros, os beijos, as palavras soltas, os risos, e os divertidos piqueniques da minha meninice.
Este dia de Primavera condiz com a gloriosa beleza da “Aguarela” de Cesário, onde, eternizado, com palavras e rimas, ainda decorre, numa tarde como esta, um delicioso piquenique, com um burrico manso, um granzoal azul, o cheiro doce do melão, dos damascos, do pão de ló e da malvasia, e o precioso detalhe e a graça de um decote atrevido, enfeitado de renda e de papoilas rubras.
Naquele “pic-nic” de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão de bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, indo o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos
E pão de ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
Cesário Verde
MC
E, nesse abraço luminoso e morno, o meu coração, cheio de alegria e de esperança, bate muito, bate forte, bate assim, como se eu fosse, de novo, menina: tic-tac, tic-tac, tic-tac!
Como quadros impressionistas, coloridos e leves, vieram até mim, numa torrente de ternas recordações, os passeios à beira-mar, as corridas com os meus cães, o baloiço, os livros, os beijos, as palavras soltas, os risos, e os divertidos piqueniques da minha meninice.
Este dia de Primavera condiz com a gloriosa beleza da “Aguarela” de Cesário, onde, eternizado, com palavras e rimas, ainda decorre, numa tarde como esta, um delicioso piquenique, com um burrico manso, um granzoal azul, o cheiro doce do melão, dos damascos, do pão de ló e da malvasia, e o precioso detalhe e a graça de um decote atrevido, enfeitado de renda e de papoilas rubras.
Naquele “pic-nic” de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão de bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, indo o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos
E pão de ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
Cesário Verde
MC
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