“O tempo que passa, não passa depressa. O que passa depressa
é o tempo que passou”
Vergílio Ferreira
Não, nunca pensamos no
tempo, enquanto
o tempo passa. O tempo que já
passou é que nos sobressalta e entristece. Sobressalta, porque se escoou num
sopro. Entristece, pelo rasto de decadência que vai deixando no nosso rosto,
no nosso corpo, na nossa alma.
Mas, sem um tremor, uma hesitação,, como um rio apressado, a fluir, infatigável, e
sem nunca voltar atrás, saltitando, indiferente, entre as pedras do seu leito,
o tempo, imparável, passa.
Hoje, volto aos meus tempos de menina, de bibe branco e tranças
loiras, ao mundo mágico da minha infância, da fantasia e do faz-de-conta , e
finjo ser uma fada, na torre de um castelo
encantado, a fiar, a fiar incansavelmente, não lã, mas tempo.
E, o tempo que eu fiasse, amontoar-se-ia aos meus pés, como
uma toalha imensa, esplêndida, cheia de cor e de luz, com um remate
de espuma que seria, afinal, uma sumptuosa renda de Bruges. Uma toalha mais
preciosa do que o ouro, o incenso, a mirra.
Eu teceria tempo!
Ou, se soubesse tricotar, tricotaria tiras largas, imensas de
tempo. Não perderia tempo a tricotar camisolas que se desfiam, esgarçam e
perecem, mas tricotaria o tempo, que se amontoaria no meu colo, nas minhas mãos
e resvalaria, por ser tanto, para o chão, em dobras macias, como uma manta feita
de sol, luminosa, fantástica.
Eu tricotaria tempo!
Mesmo sem saber coser, mas se pudesse, desajeitada, a picar
os dedos na agulha, a sujar a linha de sangue, o avesso cheio de nós, eu
coseria imensos pedaços de tempo, ao tempo. E uma massa grandiosa, como o mar, translúcida,
infinita, revolver-se-ia, em redemoinhos de luz, aos meus pés.
Com ponto incerto, eu remendaria o tempo!
Ou, se eu pudesse, atrasaria ou, talvez parasse, mesmo,
todos os relógios do mundo.
Então, eu ganharia
tempo
Mas, como disse Thoreau, não é possível
atrasar o tempo, matar o tempo, sem ferir a Eternidade.
E, no entanto, o tempo mata-nos um bocadinho em cada instante
que passa. E, se o hoje não chega, para tanto ontem, como vai chegar o hoje, para
tanto amanhã, se eu tiver amanhã? Sim, se eu tiver amanhã. Afinal, estou de
passagem. Sou apenas uma visitante deste tempo, deste lugar. Uma visitante,
muitas vezes, distraída, que nem sempre vê, nem sempre aprende, nem sempre agradece.
Contudo, o tempo é implacável: não se deixa tecer, nem
tricotar, nem remendar, nem atrasar ou parar. Impossível ludibriar ou seduzir o
tempo.
Por isso, o que tenho a fazer, é, como sempre fiz, simplesmente,
abraçá-lo e, com ele, abraçar a vida.
Até ir para casa!
MC