quarta-feira, 27 de março de 2013

Hoje é o teu aniversário!

Estou a pensar em ti, meu irmão querido! Como tantas vezes penso...
Mas, hoje é um dia diferente! Hoje é o teu aniversário!
Nas asas do vento brando, nesta manhã molhada e vestida de cinzento, pareceu-me ouvir a tua voz, o teu riso, o som leve e ritmado dos teus passos! E este vento que te traz, até mim, num sussurro, é o mesmo que te leva, num sobressalto, saudades minhas! Saudades da nossa infância, do teu sorriso, dessa tua bondade, dessa tua serenidade que te tornava tão especial!


Lembro-me da noite em que resolvemos fazer um bolo de chocolate que ficou muito bonito, tufado e apetitoso e depois, para completar aquela obra de arte, termos decidido cobri-lo com chantilly. A minha receita, para a cobertura, era bater, energicamente, manteiga com açúcar.

Lembro-me de nunca termos conseguido fazer o chantilly, a cozinha ter ficado num tremendo caos, o bolo ter continuado castanho, depois de um desperdício atroz de energia, de manteiga e de açúcar e, de no dia seguinte, parecermos dois “zombies”, enjoados e meio-doentes, por tanto termos provado a mistura.
Mas, como nos divertimos, nessa noite, enquanto todos dormiam!

Lembro-me de, dois dias antes de partires para desvendar o mistério insondável que se esconde para lá da curva final do caminho, termos recordado, as tuas mãos esguias e emaciadas, presas nas nas minhas, essa noite de travessura, de caos na cozinha, de risos, de chocolate, de manteiga e de açúcar e de ter sido essa, a última vez, que o brilho dos teus olhos e a doçura do teu sorriso encheram de luz, todos os cantos do meu coração.

Partiste cedo demais. O ponteiros do relógio, que marcava o tempo da tua vida, enlouqueceram e chegáste à curva fatídica, antes de tempo. Quase sem dizer Adeus, irmão querido, partiste e deixaste comigo, esta saudade infinita de ti, esta saudade, magoada, de mim! Da criança que fui a teu lado e dos pedacinhos, os melhores pedacinhos da minha alma que leváste contigo e que, eu sei, guardas para sempre, num recanto resguardado do teu coração, agora imobilizado, na cintilação límpida da tua luz...
Nunca te perdi a face e de ti guardo, ainda, o perfume da tua curta passagem pela vida, pela minha vida.

Feliz Aniversário, meu doce irmão! Onde quer que estejas, meu querido, o meu presente são esta saudade infatigável de nós crianças, de nós jovens, de nós, enfim, e as minhas lágrimas...
Um beijo.

MC

sábado, 23 de março de 2013

Se te comparo ao Verão...

Sonnet 18

Shall I compare thee to a summer's day?
Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer's lease hath all too short a date:

Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimm'd;
And every fair from fair sometime declines,
By chance or nature's changing course untrimm'd;

But thy eternal summer shall not fade
Nor lose possession of that fair thou owest;
Nor shall Death brag thou wander'st in his shade,


When in eternal lines to time thou growest:
So long as men can breathe or eyes can see,
So long lives this and this gives life to thee.



 Soneto 18 ~

Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.

Ás vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.

Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:

Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.
William Shakespeare

 
 No Inverno gelado dos meus dias, tu foste um inesperado e ardente Verão! E, no céu tempestuoso e sombrio dos meus pesadelos, o teu olhar foi o sol quente e brilhante que aqueceu e iluminou a minha alma! Nas tuas mãos depositei as minhas mágoas, os meus desapontamentos! Na serenidade do teu peito, reclinei o desconcerto tumultuado do meu corpo em sobressalto. Em ti, floresceram todas as rosas que embelezam e perfumam os meus sonhos, hastes delicadas e quebradiças que, teimosamente,  arrasto e onde me enleio!

Contigo na minha vida, o Verão, tempo incerto e curto, será eterno. Será...?
 
MC

quinta-feira, 21 de março de 2013

Às vezes...

"A volte le parole non bastano. E allora servono i colori. E le forme. E le note. E le emozioni...."
Alessandro Baricco
 
 
Não, às vezes, as palavras não bastam para dizer tudo o que quero dizer-te...
São precisas as cores, as formas, as notas musicais, o chilreio vibrante dos pássaros, o toque da tua pele, a ternura dos teus dedos quando, num sobressalto, se entrelaçam nos meus, a luz do teu olhar quando se cruza e se funde com a luz dos meus olhos, rios claros e inquietos, onde se espelha, nítida e transparente, a minha alma, o som da tua voz, as lágrimas, os risos, os suspiros e esta emoção, forte mas imobilizada no silêncio e desconcerto do peito, que nos liga e nos enleia...


Hoje, já nem te posso dizer as palavras que não bastam...  Recordo-te, apenas,  com a alma esgarçada por essa tristeza pungente, constante, turva, que não me deixa, quase me sufoca, resguardada num recanto de sombra do meu coração e que se chama saudade...

MC

terça-feira, 19 de março de 2013

Para sempre, Pai!

Esta noite sonhei contigo, Pai, e fomos juntos, lá para onde só a alma e a memória podem ir, onde somos livres, o céu é sempre azul, as flores não perdem o encanto, nem o perfume e tudo tem a cor cristalina do teu espírito!

Não foste um santo, um filósofo ou um poeta. Ou, talvez tenhas sido tudo isso, sem ninguém saber. Nem mesmo tu!

Contigo, Pai, aprendi a amar a música e, a encontrar nela, uma preciosa companhia nas horas de solidão, uma amiga fiel e sempre presente nos bons e nos maus momentos .
E, a teu lado chorei com  Chopin, sorri com  Mozart, enterneci-me com Puccini, emocionei-me com Beethoven e rezei com Bach!

Junto de ti, Pai, repousei com Antero, na Mão direita de Deus, calcorreei serras com Torga, amei perdidamente com Florbela, encantei-me com a profundidade de Somerset, assombrei-me com a magia de Mann e apaixonei-me, definitivamente, por Eça!

Através dos livros, eu ia descobrindo mundos novos, enquanto criava outros, nas histórias que inventava, que tu lias, orgulhoso, mas que eu, depois, sem tu saberes, rasgava.
Porque, tudo o que escrevo parece-me sempre tão tosco, tão incompleto, tão inútil ! Porque, nunca fui capaz de transpor para o papel, nem os pensamentos que brotam rápidos, em torrente  incontida, do meu cérebro, nem os sentimentos, de choro e de riso, que correm à solta, em doido tropel, no meu coração!
Como acontece agora, que escrevo para ti, enquanto vasculho lembranças nos baús desbotados e poeirentos do Passado.

Contigo, Pai, surpreendi-me com os traços puros, clássicos, belíssimos de Botticelli, deslumbrei-me com a beleza voluptuosa, cheia de cor e de luz de Renoir e comovi-me com a delicadeza intimista, deliciosamente cândida e sensual de Fragonard.

Mas, também de ti vem esta atracção irresistível pelo mar.
E, frente a essa massa de água, imensa, translúcida, magnífica, bordada de espuma e salpicada de luz, aprendi, contigo, a encontrar alento para o meu cansaço, paz para a minha ansiedade, inspiração para a minha vida!

De ti, Pai, ficou-me o desprezo pela hipocrisia, pela intolerância, pela mentira cruel, pela maldadezinha canalha, pela vingança aviltante, pelo queixume gratuito!

Em ti, Pai, encontrei sempre uma espantosa humanidade, um sentido de humor subtil, mas certeiro, uma inteligência viva, flexível, uma sensibilidade fina, requintada e o respeito discreto, compassivo, generoso pelos outros. Pelas dificuldades, pelas aflições, pelo sofrimento dos outros!
E, é por tudo isso que tantas vezes, como agora, é para ti que o meu pensamento voa, a minha alma se ajoelha, reverente, perante a tua e eu te agradeço e te bendigo!


Tu foste, em cada um dos meus dias, a minha âncora, o meu porto de abrigo, a luz-guia dos meus passos ! Antes, agora, sempre!