Hoje, quero voltar à terra vermelha, encharcada de luz, que me viu nascer.
Hoje, quero a alegria das acácias em flor, o feitiço do mar azul e translúcido, a doçura das madrugadas brandas e límpidas, a incandescência dos poentes sanguinolentos, breves, mas fortes.
Hoje, quero carinho, palavras ternas, abraços macios.
Hoje, quero sorvete de baunilha e de chocolate, paracuca, ginguba coberta de açúcar, e maçaroca tenra, assada pela Averina, a nossa lavadeira, que queria ficar comigo, para sempre.
Hoje, quero brincar no jardim e quero beijos mágicos, que tudo saram, no dói-dói que fiz no joelho e no arranhão que a Fanny, gatinha marota, me fez no nariz.
Hoje, quero o bibe branco sujo de terra, com manchas de relva e de flores sediças, que eram o almoço das bonecas, e os laços, no cabelo, desfeitos, na brincadeira.
Quando a correria acabar, quero colher a flor mais bonita e mais viçosa, só para ti.
Hoje, quero passear livre pela praia, o corpo molhado e salpicado de areia e, na pele, quero a carícia mole, quente e vagarosa do sol.
Hoje, quero vestir o meu vestido cor-de-rosa, de popelina, leve e fresco, que me ficava tão bem, com as sandálias brancas a enfeitarem-me os pés. E quero tranças no cabelo com lacinhos de seda nas pontas.
Hoje, quero lambuzar-me com uma manga madura, carnuda, a polpa delicada a desfazer-se na boca e o sumo amarelo e doce a escorrer pelo queixo, para se perder, atrevido, no bibe branco.
Hoje, quero ler e escrevinhar aquelas “coisas”, singelas e inocentes, de menina, no caderno azul, à sombra gostosa da buganvília roxa.
Hoje, quero pudim de côco, biscoitos de canela e beber quissangua, dourada e transparente.
Amanhã, quero acordar com a minha cadelinha Romy a lamber-me o rosto e a esconder o focinho pontiagudo e castanho, no meu pescoço.
Hoje, quero colo, Mãe!
Hoje queria, Mãe, os teus beijos mágicos, para sararem as feridas abertas na minha alma; queria o teu abraço macio para me aconchegar e proteger dos relentos gelados da vida; queria a luz do teu sorriso para espantar os meus medos, os meus pesadelos as minhas angústias; queria as tuas mãos, delicadas mas fortes, para me ampararem nos tropeções e nas quedas, que vou dando, no caminho...
Queria-te comigo, Mãe!