Adorei ouvir Alberto Martins dizer que, com a decisão de Cavaco Silva, "vai ficar tudo na mesma". Ai não vai, não: António José Seguro e o PS vão ficar muito pior do que aquilo que estavam após a tentativa de suicídio político de Paulo Portas. O acordo de salvação nacional que o Presidente da República desejava não se concretizou, é verdade, mas concretizou-se algo muito importante: a demonstração de que o Partido Socialista, que levou o país à bancarrota, continua um navio de loucos, habitado pelos restos furiosos do socratismo, tomado pelos delírios juvenis de Mário Soares, e desgovernado pela quilométrica incompetência de Seguro, o homem que quer a troika mas não a austeridade.
Em bom rigor, Seguro não quer a troika. Quer, sim, a "troica", segundo as boas regras do Novo Acordo Ortográfico, adoptado nos documentos oficiais do Partido Socialista. E deve ser porque a troika e a "troica" não são a mesma entidade que ele acha que se pode dirigir ao país anunciando orgulhosamente que o PS defendeu, nos encontros para o compromisso de salvação nacional, as seguintes medidas: aumentar o salário mínimo, aumentar as pensões mais baixas, estender o subsídio de desemprego, diminuir o IVA da restauração, reduzir o IRC, criar um programa de emergência para apoiar os desempregados, mobilizar fundos comunitários para a formação profissional, recusar a privatização da TAP, Águas de Portugal, RTP e CGD, atirar a gestão da dívida acima de 60% do PIB para o colo da Europa, exigir que a componente nacional dos fundos comunitários destinada ao investimento fique de fora das contas do défice, repor os níveis anteriores do complemento social para idosos e do rendimento social de inserção, valorizar a contratação colectiva e criar um banco de fomento.
Não sei se me esqueci de alguma coisa. Mas sei isto: a "troica" que existe na cabeça dos socialistas, tal como o unicórnio e a fadinha dos dentes, talvez pudesse aceitar aquelas medidas. A troika que existe na realidade, jamais. E é isso que é tão ofensivo nesta proposta de António José Seguro: ela pressupõe que Portugal é habitado por 10 milhões de idiotas, que acham perfeitamente razoável o PS apresentar-se nas negociações para obter um compromisso de salvação nacional sem ter uma única medida - nem uma só para disfarçar - que proponha cortes na despesa do Estado.
Mas esperem. Segundo António José Seguro explicou em entrevista à SIC, o PS não entrou "num processo negocial", mas sim "num processo de diálogo". Ele dialogou, não negociou. O que é um diálogo sem negociação quando se quer chegar a um compromisso? Perguntem ao comandante do navio dos loucos. Seguro está tão ocupado a barricar-se no Largo do Rato que diz tudo o que for preciso para parecer de esquerda. "Leiam as nossas propostas", pediu ele aos portugueses. "São 20 páginas." Por acaso, o compromisso do PS tem 11 páginas. É um aumento superior ao do IVA na restauração, mas 11 ou 20 ou 4,7 milhões - quem está a contar? É o mesmo rigor que leva o partido a não quantificar aquilo que propõe.
Quantos pontos iria aumentar o défice se fosse aplicado o seu compromisso? Nenhum, porque iríamos crescer à brava! O que nós percebemos, graças a Seguro, é que mais depressa se reforma Portugal do que o PS. Agradeçamos, pois, ao Presidente por ter tornado isso tão claro. Nas próximas legislativas, a opção vai ser entre o realista incompetente e o supercompetente irrealista. É só escolher.