No dia onze, deste Outubro dourado e macio, vivi um fim de tarde de delicioso encantamento, com a poesia de Ana Luísa Amaral, na apresentação do seu novo livro "Vozes".
No Planetário, na rua das Estrelas, choveram estrelas de ouro, de luz e de cor, em forma de poemas!
E, soaram "Vozes"! Poéticas, sublimes, poderosas, vibrantes! De beleza e de emoção...
INÊS E PEDRO: QUARENTA ANOS DEPOIS
É tarde. Inês é velha.
Os joanetes de Pedro não o deixam caçar
e passa o dia todo em solene toada:
«Mulher que eu tanto amei, o javali é duro!
Já não há javalis decentes na coutada
e tu perdeste aquela forma ardente de temperar
os grelhados!»
Mas isto Inês nem ouve:
não só o aparelho está mal sintonizado,
mas também vasto é o sono
e o tricot de palavras do marido
escorrega-lhe, dolente, dos joelhos
que outrora eram delícias,
mas que agora
uma artrose tornou tão reticentes.
Inês é velha, hélas,
e Pedro tem caibras no tornozelo esquerdo.
E aquela fantasia peregrina
que o assaltava, em novo
(quando a chama era alta e o calor
ondeava no seu peito),
de ver Inês em esquife,
de ver as suas mãos beijadas por patifes
que a haviam tão vilmente apunhalado:
fantasia somente,
fulgor que ele bem sabe ser doença
de imaginação.
O seu desejo agora
era um bom bife
de javali macio
(e ausente desse horror de derreter
neurónios).
Mais sábia e precavida (sem três dentes
da frente),
Inês come, em sossego,
uma papa de aveia.
ANA LUÍSA AMARAL
in "Vozes", D. Quixote
A VERDADE HISTÓRICA
A minha filha partiu uma tigela
na cozinha.
E eu que me apetecia escrever
sobre o evento,
tive que pôr de lado inspiração e lápis,
pegar numa vassoura e varrer
a cozinha.
A cozinha varrida de tigela
ficou diferente da cozinha
de tigela intacta:
local propício a escavação e estudo,
curto mapa arqueológico
num futuro remoto.
Uma tigela de louça branca
com flores,
restos de cereais tratados
em embalagem estanque
espalhados pelo chão.
Não eram grãos de trigo de Pompeia,
mas eram respeitosos cereais
de qualquer forma.
E a tigela, mesmo não sendo da dinastia Ming,
mas das Caldas,
daqui a cinco ou dez mil anos
devia ter estatuto admirativo.
Mas a hecatombe
deu-se.
E escorregada de pequeninas mãos,
ficou esquecida de famas e proveitos,
varrida de vassouras e memorias.
Por mísero e cruel balde de lixo
azul
em plástico moderno
(indestrutível)
ANA LUÍSA AMARAL,
"Minha Senhora de Quê", Quetzal Editores, Lisboa, 1999
RITMOS
E descascar ervilhas ao ritmo de um verso:
a prosódia da mão, a ervilha dançando
em redondilha.
Misturar ritmos em teia apertada: um vira
bem marcado pelo jazz, pas
de deux: eu, ervilha e mais ninguém
De vez em quando o salto: disco sound
o vazio pós-moderno e sem sentido
Ah! hedónica ervilha tão sozinha
debaixo do fogão!
As irmãs recuperadas ainda em anos 20
o prazer da partilha: cebola, azeite
blues desconcertantes, metamorfose em
refogados rítmicos
(Debaixo do fogão
só o silêncio frio)
ANA LUÍSA AMARAL,
"Minha Senhora de Quê", Quetzal Editores, Lisboa, 1999
TESTAMENTO
Vou partir de avião
e o medo das alturas misturado comigo
faz-me tomar calmantes
e ter sonhos confusos
Se eu morrer
quero que a minha filha não se esqueça de mim
que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada
e que lhe ofereçam fantasia
mais que um horário certo
ou uma cama bem feita
Dêem-lhe amor e ver
dentro das coisas
sonhar com sóis azuis e céus brilhantes
em vez de lhe ensinarem contas de somar
e a descascar batatas
Preparem a minha filha
para a vida
se eu morrer de avião
e ficar despegada do meu corpo
e for átomo livre lá no céu
Que se lembre de mim
a minha filha
e mais tarde que diga à sua filha
que eu voei lá no céu
e fui contentamento deslumbrado
ao ver na sua casa as contas de somar erradas
e as batatas no saco esquecidas
e íntegras
ANA LUÍSA AMARAL,
"Minha Senhora de Quê", Quetzal Editores, Lisboa, 1999
MINHA SENHORA DE QUÊ
dona de quê
se na paisagem onde se projectam
pequenas asas deslumbrantes folhas
nem eu me projectei
se os versos apressados
me nascem sempre urgentes:
trabalhos de permeio refeições
doendo a consciência inusitada
dona de mim nem sou
se sintaxes trocadas
o mais das vezes nem minha intenção
se sentidos diversos ocultados
nem do oculto nascem
(poética do Hades quem mdera!)
Dona de nada senhora nem
de mim: imitações de medo
os meus infernos
ANA LUÍSA AMARAL,
"Minha Senhora de Quê", Quetzal Editores, Lisboa, 1999
DESCULPA-ME A TERNURA
Enternece-me pensar que estás aí,
não força de trabalho desigual
nem vida à pressa,
mas minha amiga.
Talvez as palavras que te digo
me transpareçam classe,
talvez nem te devesse dizer nada.
Porque és a mão que ampara o meu silêncio,
a minha filha, o meu cansaço
— à custa do teu cansaço, da tua filha,
do teu silêncio.
Não há homens-a-dias neste mundo,
mas tantas como tu,
a segurar nas mãos e no sorriso
algumas como eu.
Entraste há pouco a perguntar
se eu tinha febre
— a louça por lavar nas tuas mãos,
aspirando o cansaço dos meus ombros,
nos teus ombros o cansaço de mim
e o cansaço de ti.
Desculpa os meus silêncios,
o falar-me contigo como com mais ninguém,
desculpa o tom sem pressa
— e o meu dinheiro que não chega a nada,
comprando o teu trabalho
(o teu sorriso)
ANA LUÍSA AMARAL,
"Às Vezes o Paraíso", (2ª edição), Quetzal Editores, Lisboa
MC

quinta-feira, 13 de outubro de 2011
domingo, 9 de outubro de 2011
Pascal e eu...
"Le coeur a ses raisons que la raison ne connait pas!"
Encontrei-me com Pascal, não ao virar de uma esquina, mas ao voltar a página de um livro, onde li a frase que me alvoroçou, na adolescência. Com um sorriso enigmático, Pascal perguntou-me o que pensava deste seu pensamento e desapareceu.
Fiquei perplexa porque, francamente, nunca pensei muito nas razões do coração!
Contudo, creio que, se alguém se apaixona tão loucamente que o coração desconhece e descura a razão, esse alguém pode ser levado a ultrapassar limites, a desdenhar princípios e a rejeitar valores. Viverá, num desassossego, o assombro de uma paixão dominadora, impetuosa, cega que poderá, no entanto, justificar uma vida. Viverá uma paixão ardente, talvez doentia, terna mas colérica, pura mas libidinosa, lírica, mas trágica. Súbita e arrasadora! E, por tudo isso, perigosa!
Uma paixão, assim, é destrutiva. Destruíu António e Cleópatra, enlouqueceu Mariana de Alcoforado, levou Anna Karenina ao suicídio e transformou Otelo, um homem íntegro e justo, num assassino enraivecido, sem misericórdia.
A paixão é poderosa, mas cruel, contraditória. Ignora a razão e perde-se em tenebrosos labirintos de emoções irresistíveis, fortes, soltas, desgrenhadas. Mortais!
Qual fogueira alta e fulgurante, assim como arde esplendorosa e magnífica, também rapidamente se apaga e se desvanece, deixando um rasto de imensa tristeza, dolorosa frustração e inconsolável desapontamento, num amontoado de “ pó, cinzas e nada”.
Mas, extinta uma paixão, outras paixões nascem, igualmente fogosas, imprudentes, brilhantes! Pois, se é verdade, que a estrela que se esconde no nosso coração e nos guia, nunca empalidece, nem mesmo quando o corpo evidencia já sinais de decadência, também não é menos verdade, que este companheiro precioso que nos mantém vivos, nunca envelhece e conserva, ao longo da vida, o mesmo ímpeto, a mesma ousadia, a mesma irreverência, a mesma paixão da juventude. E, é esse ardor, essa rejeição do razoável, essa necessidade inesgotável de viver num estado permanente e caótico de paixão, que pode ser e talvez seja, perigoso! Não sei...
Foi Florbela Espanca, a nossa poetisa da mágoa amorosa e tresloucada, que escreveu:
“ Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...”
“Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!”
Acredito que o amor não tem explicação e não tem, propriamente, razão de ser! Acontece! Somos atraídos para o outro porque... sim! Inexplicavelmente! De repente, no voltar de uma cabeça, as almas a reconhecem-se, sei lá de onde, dois olhares a cruzam-se e dissolvem-se na mesma luz, dois sorrisos de dentes brancos, como pedrinhas de sal, fundem-se no espanto ansioso de um reencontro há muito esperado e o coração dispara! E bate muito, bate forte, cheio de alegria e de esperança! Num encantamento mágico, puro, como se fosse um coração de criança!
Se essa atracção, forte e irresistível, perdura e se transforma num sentimento profundo, feito de ternura, de entrega e de verdade, será amor! E, é esse amor verdadeiro, intenso, único, que talvez nunca morra. Mesmo no caso de uma separação. Imposta pela morte ou... pela vida! Pelas imposições tortuosas, difíceis da vida! Porque um amor assim contém, em si, a centelha da eternidade! Adormece na tristeza da solidão e ali fica a um canto, aparentemente morto, fogueira apagada, desfeita em cinza. Aparentemente esquecido e frio! Porém, bem lá bem no fundo do mar estagnado de cinzas, permanece um braseiro, numa dormência silenciosa e quieta, mas vivo, constante, que a brisa mais suave de uma manhã de primavera, ou a rajada mais forte e inesperada de uma noite de vento, reacende e a chama escondida, mas latente, cresce exultante, brilha e resplandece de novo. Viva, infatigável, renascida , urgente. E nesse reacendimento, que a razão talvez não explique, está uma parte de nós, faúlha de luz que nos completa, pedaço de alma que nos liga à infinitude do Universo. Sei lá...
Creio, porém, que não estamos todos destinados a viver a exaltação tumultuosa de uma paixão avassaladora, como Tristão e Isolda! Também não é qualquer um de nós que terá coragem para carregar a pesada cruz de um amor fundo, verdadeiro, braseiro vivo e eterno, mas forçado a trilhar caminhos paralelos, como Abelardo e Heloísa!
Os nossos amores são, no geral, como nós: humanos! Acomodados, comezinhos, friáveis, sem chama...
Ainda bem que Pascal desapareceu, repousa sossegado e não lê o que acabei de escrever sobre um dos seus mais conhecidos pensamentos...
MC
Encontrei-me com Pascal, não ao virar de uma esquina, mas ao voltar a página de um livro, onde li a frase que me alvoroçou, na adolescência. Com um sorriso enigmático, Pascal perguntou-me o que pensava deste seu pensamento e desapareceu.
Fiquei perplexa porque, francamente, nunca pensei muito nas razões do coração!
Contudo, creio que, se alguém se apaixona tão loucamente que o coração desconhece e descura a razão, esse alguém pode ser levado a ultrapassar limites, a desdenhar princípios e a rejeitar valores. Viverá, num desassossego, o assombro de uma paixão dominadora, impetuosa, cega que poderá, no entanto, justificar uma vida. Viverá uma paixão ardente, talvez doentia, terna mas colérica, pura mas libidinosa, lírica, mas trágica. Súbita e arrasadora! E, por tudo isso, perigosa!
Uma paixão, assim, é destrutiva. Destruíu António e Cleópatra, enlouqueceu Mariana de Alcoforado, levou Anna Karenina ao suicídio e transformou Otelo, um homem íntegro e justo, num assassino enraivecido, sem misericórdia.
A paixão é poderosa, mas cruel, contraditória. Ignora a razão e perde-se em tenebrosos labirintos de emoções irresistíveis, fortes, soltas, desgrenhadas. Mortais!
Qual fogueira alta e fulgurante, assim como arde esplendorosa e magnífica, também rapidamente se apaga e se desvanece, deixando um rasto de imensa tristeza, dolorosa frustração e inconsolável desapontamento, num amontoado de “ pó, cinzas e nada”.
Mas, extinta uma paixão, outras paixões nascem, igualmente fogosas, imprudentes, brilhantes! Pois, se é verdade, que a estrela que se esconde no nosso coração e nos guia, nunca empalidece, nem mesmo quando o corpo evidencia já sinais de decadência, também não é menos verdade, que este companheiro precioso que nos mantém vivos, nunca envelhece e conserva, ao longo da vida, o mesmo ímpeto, a mesma ousadia, a mesma irreverência, a mesma paixão da juventude. E, é esse ardor, essa rejeição do razoável, essa necessidade inesgotável de viver num estado permanente e caótico de paixão, que pode ser e talvez seja, perigoso! Não sei...
Foi Florbela Espanca, a nossa poetisa da mágoa amorosa e tresloucada, que escreveu:
“ Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...”
“Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!”
Acredito que o amor não tem explicação e não tem, propriamente, razão de ser! Acontece! Somos atraídos para o outro porque... sim! Inexplicavelmente! De repente, no voltar de uma cabeça, as almas a reconhecem-se, sei lá de onde, dois olhares a cruzam-se e dissolvem-se na mesma luz, dois sorrisos de dentes brancos, como pedrinhas de sal, fundem-se no espanto ansioso de um reencontro há muito esperado e o coração dispara! E bate muito, bate forte, cheio de alegria e de esperança! Num encantamento mágico, puro, como se fosse um coração de criança!
Se essa atracção, forte e irresistível, perdura e se transforma num sentimento profundo, feito de ternura, de entrega e de verdade, será amor! E, é esse amor verdadeiro, intenso, único, que talvez nunca morra. Mesmo no caso de uma separação. Imposta pela morte ou... pela vida! Pelas imposições tortuosas, difíceis da vida! Porque um amor assim contém, em si, a centelha da eternidade! Adormece na tristeza da solidão e ali fica a um canto, aparentemente morto, fogueira apagada, desfeita em cinza. Aparentemente esquecido e frio! Porém, bem lá bem no fundo do mar estagnado de cinzas, permanece um braseiro, numa dormência silenciosa e quieta, mas vivo, constante, que a brisa mais suave de uma manhã de primavera, ou a rajada mais forte e inesperada de uma noite de vento, reacende e a chama escondida, mas latente, cresce exultante, brilha e resplandece de novo. Viva, infatigável, renascida , urgente. E nesse reacendimento, que a razão talvez não explique, está uma parte de nós, faúlha de luz que nos completa, pedaço de alma que nos liga à infinitude do Universo. Sei lá...
Creio, porém, que não estamos todos destinados a viver a exaltação tumultuosa de uma paixão avassaladora, como Tristão e Isolda! Também não é qualquer um de nós que terá coragem para carregar a pesada cruz de um amor fundo, verdadeiro, braseiro vivo e eterno, mas forçado a trilhar caminhos paralelos, como Abelardo e Heloísa!
Os nossos amores são, no geral, como nós: humanos! Acomodados, comezinhos, friáveis, sem chama...
Ainda bem que Pascal desapareceu, repousa sossegado e não lê o que acabei de escrever sobre um dos seus mais conhecidos pensamentos...
MC
quinta-feira, 22 de setembro de 2011
Amanheceste em mim pelo poente
Hoje é o aniversário do meu querido Amigo Zé Custódio, um Poeta que admiro!
Com muita Amizade e um abraço de parabéns, aqui ficam dois belíssimos poemas seus.
Amanheceste em mim pelo poente
Um fim de tarde azul e sorridente
Rosa e jasmim sem tempo era novembro
O caminho sorria-me por dentro
Rumei com os teus passos no meu peito
Amor e riso de silêncio feito.
Maio chegou cresceu fez-se gigante
A flor desabrochou e foi ternura
Roxos lírios belos girassóis
Infinitos os sonhos terna amante
Abriram mares de luz em terra pura.
Da vida gesto abraço beijo mosto
Aurora boreal e dom de agosto.
Colhemos horizontes céus fagueiros
O mar veio oferecer-nos loira areia
Sempre que os nossos olhos se tocaram
Tendo por fundo apenas o luar
A vida e o futuro a conquistar.
E as searas sorriram sóis e luas
Sentimentos jardins loiras espigas
Infinitos efémeros nuvens nuas
Ligando estrelas girassóis e lírios.
Vesperal é o canto do amor
Amanhecido em nós feito flor.
José Custódio Almeida da Silva
In "Amanheceste em mim pelo poente"
Amar o verbo amar é demasia
Basta amar quanto baste
A vida, o mar e a maresia
As estrelas, o céu e a imensidão
Amar o Homem na sua exactidão
Nos gestos menores
Do dia-a-dia
Na sua breve alegria fugidia
No seu longo penar
De lenta agonia
Amar o verbo amar é demasia.
José Custódio Almeida da Silva
In "Amanheceste em mim pelo poente"
Com muita Amizade e um abraço de parabéns, aqui ficam dois belíssimos poemas seus.
Amanheceste em mim pelo poente
Um fim de tarde azul e sorridente
Rosa e jasmim sem tempo era novembro
O caminho sorria-me por dentro
Rumei com os teus passos no meu peito
Amor e riso de silêncio feito.
Maio chegou cresceu fez-se gigante
A flor desabrochou e foi ternura
Roxos lírios belos girassóis
Infinitos os sonhos terna amante
Abriram mares de luz em terra pura.
Da vida gesto abraço beijo mosto
Aurora boreal e dom de agosto.
Colhemos horizontes céus fagueiros
O mar veio oferecer-nos loira areia
Sempre que os nossos olhos se tocaram
Tendo por fundo apenas o luar
A vida e o futuro a conquistar.
E as searas sorriram sóis e luas
Sentimentos jardins loiras espigas
Infinitos efémeros nuvens nuas
Ligando estrelas girassóis e lírios.
Vesperal é o canto do amor
Amanhecido em nós feito flor.
José Custódio Almeida da Silva
In "Amanheceste em mim pelo poente"
Amar o verbo amar é demasia
Basta amar quanto baste
A vida, o mar e a maresia
As estrelas, o céu e a imensidão
Amar o Homem na sua exactidão
Nos gestos menores
Do dia-a-dia
Na sua breve alegria fugidia
No seu longo penar
De lenta agonia
Amar o verbo amar é demasia.
José Custódio Almeida da Silva
In "Amanheceste em mim pelo poente"
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Clarice Lispector e eu
“Sou composta por urgências: minhas alegrias são intensas; minhas tristezas, absolutas. Me entupo de ausências, me esvazio de excessos. Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos"
Clarice Lispector
Contaram-me que nasci com morte aparente. Foram muito longos os minutos de reanimação e de angústia, até que eu respirasse, sôfrega, a vida!
Contaram-me que, depois de tanto tempo, quando aquele corpinho cinzento e flácido, irrompeu num choro ainda tímido e meio engasgado e ter adquirido uma cor rosada, natural, minha Mãe, lavada em lágrimas, disse que eu devia ter uma missão especial para cumprir.
Logo no primeiro instante, lutei desesperadamente contra a morte e agarrei-me, com coragem e força, à vida! E, comecei por ganhar!
Se tinha uma missão especial, para cumprir, não sei, não dei por nada...
Como Clarice Lispector, sou composta por urgências. Todos somos!
Não sei se todas as minhas alegrias são intensas. Mas vivo-as todas com o entusiasmo e o encantamento, de uma criança a brincar, deliciada, na terra e a sujar-se, despreocupada e feliz, no jardim!
As minhas tristezas, sim, são sempre intensas, profundas. Por isso doem! Tanto!
Excessos? Não me lembro de excessos mas, às vezes, sei que sou excessiva. Sobretudo no desapontamento, na mágoa! Contudo, se tive excessos, o tempo desvaneceu-os! O tempo levou-os! Como desvanece tudo! Como leva tudo!
Raquel de Queiroz escreveu uma frase que li há muito tempo e que nunca esqueci: “As estrelas são grãos de luz e nós, seres mortais, grãos de poeira que um dia o vento, levará consigo.” O vento e o tempo, quando for tempo...
Como Clarice, também não caibo na estreiteza do preconceito, da crueldade avulsa, da maldadezinha canalha, da intolerância criminosa, da maledicência matreira, que destrói reputações e vidas.
A vida vai-se contando pelo que se ganha e pelo que se perde.
Como Clarice, olho para trás e também eu vejo abrir-se, diante de mim, um vasto campo de ausências. Dolorosas! Algumas, tão profundamente sentidas, que nunca lhes disse adeus. Apesar da ausência, nunca as admiti como ausências! Ainda espero que regressem! Um dia...
Por isso, há despedidas que não fiz. Porque não se diz adeus quando o laço visceral feito de sangue e de amor, permanece intacto! Porque não se diz adeus quando o rasto da sua luz ainda é o caminho que percorro.
Um caminho a subir, aqui e ali difícil, sinuoso, íngreme e às vezes, tempestivo. Tropecei, escorreguei, esfolei o coração, como, quando criança travessa esfoleava os joelhos, e vi esfacelarem-se no chão alguns dos meus sonhos, algumas das minhas crenças, algumas das minhas esperanças e ilusões.
Houve dias sombrios, de vendaval à solta, de chuva violenta. Mas, mesmo incerta e temerosa, segui sempre em frente! Não há luz, sem que haja sombra! É a noite da vida! A noite, a escuridão que também somos. Que eu sou!
Mas a vida tem sido boa, generosa e muitos, tantos, têm sido os dias inundados de sol, de riso, do calorzinho aquietante e doce dos beijos, dos abraços macios, das palavras ternas! É o dia da vida! É o dia, a luz que somos. Que eu sou!
E, talvez devido à generosidade, à bondade, à imensa doçura que recheiam a minha vida, mesmo nos pedaços mais tortuosos e mais escuros do meu percurso, encontrei sempre uma árvore forte e frondosa para me amparar, vi florescerem rosas e o ar rescendeu, sempre, a pão, a tomilho e a alecrim!
Aprendi, aprendemos todos que a Felicidade não é permanente! A Felicidade está nas pequenas coisas. Pode estar, simplesmente, nuns minutos, numa hora, num dia, plenamente, radiosamente, vividos; pode estar no arroubo de um amor, julgado perdido; no instante fugaz mas perfeito de dois olhares que se cruzam e se dissolvem na mesma luz; na esfuziante alegria de um reencontro, há muito tempo adiado; numa notícia boa, ansiosamente esperada; num abraço apertado, tão desejado!
Nunca cedi facilmente! Lutei para viver, desde o primeiro instante e vivo apaixonadamente cada um dos meus dias. Amo desmesuradamente, as duas mais belas e mais preciosas dádivas que me foram concedidas: as minhas filhas! E agradeço tudo o que me foi dado construir! Mas, não posso dizer, como Clarice, que só vivi, só vivo nos extremos. Ou talvez tenha sido, mesmo, nos extremos que tenho vivido, sei lá...
Não sei se escrevi tudo isto porque a Clarice Lispector se atravessou, outra vez e de repente, no meu caminho, ou se escrevinhei estas linhas porque, simplesmente, hoje é o dia dos meus anos...
MC
Clarice Lispector
Contaram-me que nasci com morte aparente. Foram muito longos os minutos de reanimação e de angústia, até que eu respirasse, sôfrega, a vida!
Contaram-me que, depois de tanto tempo, quando aquele corpinho cinzento e flácido, irrompeu num choro ainda tímido e meio engasgado e ter adquirido uma cor rosada, natural, minha Mãe, lavada em lágrimas, disse que eu devia ter uma missão especial para cumprir.
Logo no primeiro instante, lutei desesperadamente contra a morte e agarrei-me, com coragem e força, à vida! E, comecei por ganhar!
Se tinha uma missão especial, para cumprir, não sei, não dei por nada...
Como Clarice Lispector, sou composta por urgências. Todos somos!
Não sei se todas as minhas alegrias são intensas. Mas vivo-as todas com o entusiasmo e o encantamento, de uma criança a brincar, deliciada, na terra e a sujar-se, despreocupada e feliz, no jardim!
As minhas tristezas, sim, são sempre intensas, profundas. Por isso doem! Tanto!
Excessos? Não me lembro de excessos mas, às vezes, sei que sou excessiva. Sobretudo no desapontamento, na mágoa! Contudo, se tive excessos, o tempo desvaneceu-os! O tempo levou-os! Como desvanece tudo! Como leva tudo!
Raquel de Queiroz escreveu uma frase que li há muito tempo e que nunca esqueci: “As estrelas são grãos de luz e nós, seres mortais, grãos de poeira que um dia o vento, levará consigo.” O vento e o tempo, quando for tempo...
Como Clarice, também não caibo na estreiteza do preconceito, da crueldade avulsa, da maldadezinha canalha, da intolerância criminosa, da maledicência matreira, que destrói reputações e vidas.
A vida vai-se contando pelo que se ganha e pelo que se perde.
Como Clarice, olho para trás e também eu vejo abrir-se, diante de mim, um vasto campo de ausências. Dolorosas! Algumas, tão profundamente sentidas, que nunca lhes disse adeus. Apesar da ausência, nunca as admiti como ausências! Ainda espero que regressem! Um dia...
Por isso, há despedidas que não fiz. Porque não se diz adeus quando o laço visceral feito de sangue e de amor, permanece intacto! Porque não se diz adeus quando o rasto da sua luz ainda é o caminho que percorro.
Um caminho a subir, aqui e ali difícil, sinuoso, íngreme e às vezes, tempestivo. Tropecei, escorreguei, esfolei o coração, como, quando criança travessa esfoleava os joelhos, e vi esfacelarem-se no chão alguns dos meus sonhos, algumas das minhas crenças, algumas das minhas esperanças e ilusões.
Houve dias sombrios, de vendaval à solta, de chuva violenta. Mas, mesmo incerta e temerosa, segui sempre em frente! Não há luz, sem que haja sombra! É a noite da vida! A noite, a escuridão que também somos. Que eu sou!
Mas a vida tem sido boa, generosa e muitos, tantos, têm sido os dias inundados de sol, de riso, do calorzinho aquietante e doce dos beijos, dos abraços macios, das palavras ternas! É o dia da vida! É o dia, a luz que somos. Que eu sou!
E, talvez devido à generosidade, à bondade, à imensa doçura que recheiam a minha vida, mesmo nos pedaços mais tortuosos e mais escuros do meu percurso, encontrei sempre uma árvore forte e frondosa para me amparar, vi florescerem rosas e o ar rescendeu, sempre, a pão, a tomilho e a alecrim!
Aprendi, aprendemos todos que a Felicidade não é permanente! A Felicidade está nas pequenas coisas. Pode estar, simplesmente, nuns minutos, numa hora, num dia, plenamente, radiosamente, vividos; pode estar no arroubo de um amor, julgado perdido; no instante fugaz mas perfeito de dois olhares que se cruzam e se dissolvem na mesma luz; na esfuziante alegria de um reencontro, há muito tempo adiado; numa notícia boa, ansiosamente esperada; num abraço apertado, tão desejado!
Nunca cedi facilmente! Lutei para viver, desde o primeiro instante e vivo apaixonadamente cada um dos meus dias. Amo desmesuradamente, as duas mais belas e mais preciosas dádivas que me foram concedidas: as minhas filhas! E agradeço tudo o que me foi dado construir! Mas, não posso dizer, como Clarice, que só vivi, só vivo nos extremos. Ou talvez tenha sido, mesmo, nos extremos que tenho vivido, sei lá...
Não sei se escrevi tudo isto porque a Clarice Lispector se atravessou, outra vez e de repente, no meu caminho, ou se escrevinhei estas linhas porque, simplesmente, hoje é o dia dos meus anos...
MC
domingo, 28 de agosto de 2011
Uma paixão revisitada...
Se uma brisa suave, se agitar à tua volta, tactear a tua pele e despentear o teu cabelo, não te assustes. É a minha saudade a beijar a tua alma e a acariciar o teu corpo...
Ele
...
Tinha-a visto hoje! Pela segunda vez, em onze anos, tinha-a visto, esta manhã! Ela saía da carrinha Volvo que conduzia, bonita, elegante, flexível, como a recordava! Mais mulher, talvez! Mas, também mais atraente!
Ela não o vira. Melhor assim! O coração dele disparara, num turbilhão de doidas emoções, como se uma rajada de vento o tivesse atingido brutalmente e as mãos, trémulas e suadas, atrapalharam-se, como se, de repente, não soubessem o que fazer com o volante!
Nunca a tinha esquecido, a imagem dela tinha permanecido gravada, no mais íntimo de si e essa secreta permanência dela, junto dele, dera-lhe sempre um certo conforto!
Tinha viajado muito mas, para onde quer que as suas atribulações o tivessem arrastado, ela estivera lá, no mais profundo de si e, por isso, nunca se sentira, totalmente sozinho. Porque, ... “ se a imagem do ser amado continuar viva no nosso coração, o mundo inteiro é a nossa casa.”
É estranho, pensou mas, nunca tinham sido namorados! Mas, tinham-se amado! Ele amara-a! Muito!
Ela era uma menina azougada, cheia de carácter e de energia e ele tivera de crescer muito depressa e aprender, antes de tempo, que a vida é feita de penosas cedências e de dolorosas opções! E, ele cedera! E optara! Talvez, aparentemente, pelo mais fácil, pelo mais agradável, pelo mais conveniente! Pelo que, mais tarde, o pudesse realizar plenamente, e fazer feliz, como homem, seguramente, não!
...
Recostou-se, mais fundamente, no sofá e recordou o momento em que o amigo de sempre lhe telefonou a dizer que ela tinha acabado de ter um acidente.
O dia ensolarado e luminoso tornou-se, então, subitamente sombrio, o coração bateu desorientado, como se tocasse a rebate, as pernas tremeram, de repente velhas e fracas e, em minutos, estava ao lado dela!
...
Viu-a sã e salva, o cabelo encharcado, ainda a tremer, como um gatinho assustado e perdido no jardim, em dia de chuva violenta e, lembrava-se bem, sorriu feliz! O dia, então, clareou, o sol cobriu de ouro, tudo em redor, e o peso na alma dissolveu-se, como um pedaço de gelo, em água quente.
Abraçou-a e respirou fundo! De alívio!
...
Entretanto, a vida dele tinha ficado num caos: o relacionamento dos pais quase em ruptura e as empresas de família, em queda vertiginosa, devido à cabeça doida do pai, com mulheres e jogo! A aflição e o desgosto da mãe era mais do que podia suportar!
Interrompeu o curso que nunca mais terminou, e deitou mãos a uma das empresas, com a ajuda do pai da, agora, sua mulher que, entretanto, decidira que ele seria seu marido, custasse o que custasse e a quem ele se submeteu, para poder suportar a casa, ajudar a mãe e permitir que as duas irmãs mais novas continuassem a estudar! Sem dificuldades!
Como se nada tivesse acontecido e a vida, sem um balanço, sem um tropeço, continuasse serena e deslizante, como um belo passeio, à beira- mar, em tarde amena, de verão!
...
O noivado e os preparativos para o casamento, passaram por ele, como um sonho, de que ele parecia não fazer parte!
Quando, enfim, acordou daquele sonho estranho e inquieto, daquele amontoado de cenas confusas, daquele pesadelo delirante, estava casado!
Vendi-me, fui um fraco e, no fundo, todos os que diziam que me amavam, quiseram que me vendesse, em seu próprio benefício, pensou com amargura!
Ele casou no Verão. No início desse ano ... mandou-lhe entregar, no escritório, duas dúzias de rosas chá! Sem cartão! Não era preciso! Ela sabia...!
Um mês depois, no dia dos Namorados, um dia que, afinal, não era deles, mandou-lhe, também e ainda assim, um precioso ramo de rosas, agora, vermelhas! Sem cartão! Não era preciso! Ela sabia...!
Ele nunca lhe falou das rosas. Ela nunca lhas agradeceu! Não era preciso! Eles sabiam...!
...
Um dia, pouco antes do casamento, encontraram-se numa estação de serviço, na auto-estrada.
Era uma estação prosaica, feia e triste. Um local de passagem, vazio, sem significado, mas que, a partir desse dia, passou a detestar!
Ali, afundado no sofá, lembrou-se, com angústia, da sensação de desamparo e de perda, quando a viu, do tornado violento de paixão e de mágoa que se apossou dele e fez desaparecer tudo, num louco rodopio, numa rajada de vento que a deixou, só a ela, à sua frente!
...
E abraçou-a! Apertou-a nos braços e aspirou, pela última vez, o perfume da pele dela! Com o coração desfeito, com a vida em farrapos, perdido num túnel frio, escuro, sem retorno e sem saída!
Separaram-se e, hoje, em onze anos, era a segunda vez que a via! Tentou respirar fundo, para aliviar a opressão que parecia esmagar-lhe o peito!
E, compreendeu, que o seu amor por ela, continuava vivo e infatigável, sempre renascido, como um braseiro que se reacende, vibrante, com uma rajada de vento!
Esfregou os olhos e, numa urgência, quis, plasmado em si, o aroma suave dela, dos cabelos revoltos dela, quis, desesperadamente, sentir o toque macio de pele dela, na sua, de mergulhar o olhar dele, turbulento e impaciente, no oceano azul, puro e sereno dos olhos dela!
Então, como a árvore que, sempre que chove, chora, também ele, porque a vira tão perto e a soube tão longe, como a árvore, fustigada pela chuva, chorou!
MC
Ele
...
Tinha-a visto hoje! Pela segunda vez, em onze anos, tinha-a visto, esta manhã! Ela saía da carrinha Volvo que conduzia, bonita, elegante, flexível, como a recordava! Mais mulher, talvez! Mas, também mais atraente!
Ela não o vira. Melhor assim! O coração dele disparara, num turbilhão de doidas emoções, como se uma rajada de vento o tivesse atingido brutalmente e as mãos, trémulas e suadas, atrapalharam-se, como se, de repente, não soubessem o que fazer com o volante!
Nunca a tinha esquecido, a imagem dela tinha permanecido gravada, no mais íntimo de si e essa secreta permanência dela, junto dele, dera-lhe sempre um certo conforto!
Tinha viajado muito mas, para onde quer que as suas atribulações o tivessem arrastado, ela estivera lá, no mais profundo de si e, por isso, nunca se sentira, totalmente sozinho. Porque, ... “ se a imagem do ser amado continuar viva no nosso coração, o mundo inteiro é a nossa casa.”
É estranho, pensou mas, nunca tinham sido namorados! Mas, tinham-se amado! Ele amara-a! Muito!
Ela era uma menina azougada, cheia de carácter e de energia e ele tivera de crescer muito depressa e aprender, antes de tempo, que a vida é feita de penosas cedências e de dolorosas opções! E, ele cedera! E optara! Talvez, aparentemente, pelo mais fácil, pelo mais agradável, pelo mais conveniente! Pelo que, mais tarde, o pudesse realizar plenamente, e fazer feliz, como homem, seguramente, não!
...
Recostou-se, mais fundamente, no sofá e recordou o momento em que o amigo de sempre lhe telefonou a dizer que ela tinha acabado de ter um acidente.
O dia ensolarado e luminoso tornou-se, então, subitamente sombrio, o coração bateu desorientado, como se tocasse a rebate, as pernas tremeram, de repente velhas e fracas e, em minutos, estava ao lado dela!
...
Viu-a sã e salva, o cabelo encharcado, ainda a tremer, como um gatinho assustado e perdido no jardim, em dia de chuva violenta e, lembrava-se bem, sorriu feliz! O dia, então, clareou, o sol cobriu de ouro, tudo em redor, e o peso na alma dissolveu-se, como um pedaço de gelo, em água quente.
Abraçou-a e respirou fundo! De alívio!
...
Entretanto, a vida dele tinha ficado num caos: o relacionamento dos pais quase em ruptura e as empresas de família, em queda vertiginosa, devido à cabeça doida do pai, com mulheres e jogo! A aflição e o desgosto da mãe era mais do que podia suportar!
Interrompeu o curso que nunca mais terminou, e deitou mãos a uma das empresas, com a ajuda do pai da, agora, sua mulher que, entretanto, decidira que ele seria seu marido, custasse o que custasse e a quem ele se submeteu, para poder suportar a casa, ajudar a mãe e permitir que as duas irmãs mais novas continuassem a estudar! Sem dificuldades!
Como se nada tivesse acontecido e a vida, sem um balanço, sem um tropeço, continuasse serena e deslizante, como um belo passeio, à beira- mar, em tarde amena, de verão!
...
O noivado e os preparativos para o casamento, passaram por ele, como um sonho, de que ele parecia não fazer parte!
Quando, enfim, acordou daquele sonho estranho e inquieto, daquele amontoado de cenas confusas, daquele pesadelo delirante, estava casado!
Vendi-me, fui um fraco e, no fundo, todos os que diziam que me amavam, quiseram que me vendesse, em seu próprio benefício, pensou com amargura!
Ele casou no Verão. No início desse ano ... mandou-lhe entregar, no escritório, duas dúzias de rosas chá! Sem cartão! Não era preciso! Ela sabia...!
Um mês depois, no dia dos Namorados, um dia que, afinal, não era deles, mandou-lhe, também e ainda assim, um precioso ramo de rosas, agora, vermelhas! Sem cartão! Não era preciso! Ela sabia...!
Ele nunca lhe falou das rosas. Ela nunca lhas agradeceu! Não era preciso! Eles sabiam...!
...
Um dia, pouco antes do casamento, encontraram-se numa estação de serviço, na auto-estrada.
Era uma estação prosaica, feia e triste. Um local de passagem, vazio, sem significado, mas que, a partir desse dia, passou a detestar!
Ali, afundado no sofá, lembrou-se, com angústia, da sensação de desamparo e de perda, quando a viu, do tornado violento de paixão e de mágoa que se apossou dele e fez desaparecer tudo, num louco rodopio, numa rajada de vento que a deixou, só a ela, à sua frente!
...
E abraçou-a! Apertou-a nos braços e aspirou, pela última vez, o perfume da pele dela! Com o coração desfeito, com a vida em farrapos, perdido num túnel frio, escuro, sem retorno e sem saída!
Separaram-se e, hoje, em onze anos, era a segunda vez que a via! Tentou respirar fundo, para aliviar a opressão que parecia esmagar-lhe o peito!
E, compreendeu, que o seu amor por ela, continuava vivo e infatigável, sempre renascido, como um braseiro que se reacende, vibrante, com uma rajada de vento!
Esfregou os olhos e, numa urgência, quis, plasmado em si, o aroma suave dela, dos cabelos revoltos dela, quis, desesperadamente, sentir o toque macio de pele dela, na sua, de mergulhar o olhar dele, turbulento e impaciente, no oceano azul, puro e sereno dos olhos dela!
Então, como a árvore que, sempre que chove, chora, também ele, porque a vira tão perto e a soube tão longe, como a árvore, fustigada pela chuva, chorou!
MC
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
Alexandre O`Neill
No dia 21 de Agosto, há vinte cinco anos, morreu Alexandre O`Neill, um nome grande da nossa Poesia. E não só!
O`Neill escreveu Poesia, Prosa, fez traduções, Antologias de outros poetas e, não conseguindo viver só da sua arte, alargou a sua acção à publicidade.
É da sua autoria o famoso lema publicitário, "Há mar e mar, há ir e voltar.", por exemplo.
Com uns dias de atraso, é certo, aqui lhe deixo uma pequena homenagem, com este belíssimo poema de amor:
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
Alexandre O`Neill
MC
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
O tempo e a vida
Vinícius de Moraes escreveu:
"Com as lágrimas do tempo e a cal do meu dia eu fiz o cimento da minha poesia."
Eu, humildemente, escrevo:
Com a poeira do tempo, que passa infatigável, a cal branca e áspera dos meus dias, o cimento amassado com o meu riso e as minhas lágrimas, com a minha alegria e o meu cansaço, eu vou edificando a minha vida. Num prado de luz e de sombra, onde florescem rosas e nascem cardos. Onde o vento sopra ora brando, numa carícia, ora tumultuoso, num desatino.
MC
"Com as lágrimas do tempo e a cal do meu dia eu fiz o cimento da minha poesia."
Eu, humildemente, escrevo:
Com a poeira do tempo, que passa infatigável, a cal branca e áspera dos meus dias, o cimento amassado com o meu riso e as minhas lágrimas, com a minha alegria e o meu cansaço, eu vou edificando a minha vida. Num prado de luz e de sombra, onde florescem rosas e nascem cardos. Onde o vento sopra ora brando, numa carícia, ora tumultuoso, num desatino.
MC
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