O Natal faz, desde que nascemos, parte da nossa vida e, para o bem ou para o mal, pela importância que tem, deixa, sempre, a sua marca impressa em nós . E, assim, pelo significado que vai tendo, podemos compartimentar, embora algo vagamente, as diversas fases por que vamos passando, ao longo da vida .
Recordo, com infinita saudade, o Natal da minha infância, num país imenso, a quarenta graus à sombra, vibrante, luminoso e colorido, onde palmeiras esguias ondulavam, lânguidas, no ar quente, onde a água transparente da baía, se espreguiçava, dolente, na areia dourada e onde o cheiro, insinuante, das mimosas em flor, se entranhava na pele e polvilhava a terra, em redor, de ouro em pó .
No centro da sala grande, com as janelas abertas, protegidas por rede , para afastar os mosquitos, abria-se a mesa, cintilante e vaidosa, primorosamente vestida de branco e onde um centro de flores tropicais e tacinhas de vidro cheias de frutos secos e cristalizados davam um toque de cor e doçura .
Não havia azevinho, mas comia-se bacalhau e os doces tradicionais enchiam a casa de um cheirinho, doce e bom, a fritos, a caramelo e a canela .
E, havia bombons, muitos bombons, que faziam e, ainda fazem, as minhas delícias !
À meia-noite, ( nunca me fizeram passar pela angústia de ter de esperar pela manhã do dia
seguinte para abrir os embrulhos ), o Pai Natal distribuía os presentes . Um Pai Natal sorridente, com um barrete vermelho, para dar um vago tom natalício, mas sem barbas, sem botas e...de calções! A entrega dos presentes era, para mim, o momento supremo da festa !
Pequenina ainda, o meu brinquedo preferido e de que, ainda hoje, tanto gosto : as bonecas, lindas e delicadas bonecas, algumas de louça, que eu abraçava com desvelo de mãe ; depois, livros, muitos livros, que, ainda agora, são uma paixão e que compro e leio compulsivamente e discos, de música variada, que ouvia, nostálgica, nas horas dos« mágicos cansaços», baixinho, enquanto lia, escrevia ou pensava, ou, como a adolescente alegre e cheia de vida que era, para cantar e dançar, pela casa, com a minha cadelinha Romy e, mais tarde, o Dick, a saltar e a ladrar à minha volta, exultantes de alegria .
A árvore de Natal, artificial, enfeitada com bolas e fitas coloridas, que se erguia a um canto, sempre me pareceu, desde que me lembro, sem graça e incongruente, naquele ambiente tropical, inebriante de luz e de cor .
Não me lembro, sinceramente, de esperar com grande ansiedade o Natal, talvez porque, naquela terra abençoada, todos os meus dias eram de festa, vividos com a simplicidade bonita e serena de um tempo feliz .
Já crescida, e durante alguns anos, enquanto aluna universitária e longe de casa, perdi o interesse pelo Natal. Era uma quadra que passava por mim, sem significado. Aliás, para ser franca, detestava esses dias porque a saudade se tornava mais pesada, tão intensa, que era,
como se uma garra de ferro me apertasse a garganta e me fizesse chorar, mesmo sem eu querer . Sentia-me triste e tremendamente deslocada !
E, mesmo depois e durante uns anos, fui vivendo o Natal sem grande emoção .
Só, mais tarde, com o regresso dos meus pais e irmãos e, sobretudo, com o nascimento das minhas filhas, voltei a saborear essa quadra com o exuberante entusiasmo e o encantamento de criança .
Mas, mesmo então, apesar da alegria ser imensa, era tudo muito diferente: os dias eram frios, por vezes, cinzentos e chuvosos e o Pai Natal, vestido, pesadamente de vermelho, rebolava-se, gordo, nas ruas, nas lojas, em todo o lado, usava barbas brancas e espessas e umas botas, assustadoramente grandes, pretas e pesadas !
A árvore de Natal, ainda artificial e onde eu encontrava, enfim, algum sentido, erguia-se, linda e luminosa, com a altivez de rainha da festa, porque era, também, a alegria e o deslumbramento das minhas filhas .
A mesa, mais comprida, agora, vestia-se ainda, primorosamente, de branco e enfeitava-se, alegremente, de azevinho . Em casa, pairava o mesmo cheiro bom e natalício a açúcar caramelizado, a fritos e a canela . As louças alusivas à quadra e os copos altos e cintilantes brilhavam na sala aquecida e cheia de luz .
Éramos muitos e à meia-noite davam-se os presentes . E, os risos cristalinos e as exclamações de alegria ou de deliciosa surpresa enchiam a casa de uma agitação barulhenta e uma vibração doce e festiva perpassava no ar e aquecia-nos a alma .
Mas, o tempo foi passando e trouxe consigo alterações tristes e irremediáveis, que foram ofuscando, e muito, o brilho cristalino do Natal !Fui perdendo pessoas muito queridas, que me fazem falta ! Umas, porque tiveram de partir para uma viagem longa, sem regresso, outras, porque, simplesmente, se afastaram, perderam-se de mim e eu perdi-me delas .
Com o passar do tempo, fui-me apercebendo que, ainda mais do que as saudades das pessoas que partiram ou se afastaram do meu caminho, afligem-me as saudades daqueles pedaços de mim que, ternamente, lhes entreguei e que levaram consigo, deixando-me, dolorosamente, mais só e incompleta!
Delas, ficaram-me os risos, as lágrimas, as palavras, os silêncios, as pequenas cumplicidades, os abraços, o amor, a amizade. Mas, também ficou aquela nuvem ténue mas sombria, aquela dorzinha fina, penetrante mas insistente de não os ter amado como devia . Porque, se nunca se ama demais, talvez, também, nunca se ame o suficiente !
O tempo, contudo, torna-nos mais sábios e acabamos por aceitar que a vida é mesmo assim ! Na verdade, há já muitos lugares, irremediávelmente, vazios à mesa e no canteiro, radioso e perfumado, onde plantei e florescem as minhas amizades, já se abrem, aqui e além, pequenas clareiras de terra negra e estéril . E, cada um, dos que já não está, faz-me falta !
Mas , Natal é tempo de ressurgimento e, nesta fase de reconciliação comigo mesma , quando, nesse dia de reunião, me sento à mesa e olho, com incontido orgulho, para a minha família, tão bonita, tão serena, para as minhas filhas, já mulheres, lindas, elegantes, bem-formadas e cultas, o meu coração dilata-se de júbilo, de plenitude e gratidão e o Natal volta a ser o tempo quente, cheio da cor, da luz, do mar, das palmeiras, tão altas, que pareciam tocar o céu e das mimosas amarelas e atrevidas da minha infância .
E, porque essa é uma época de Nascimento e há, no ar, uma vibração de Recomeço, volto a ser a menina travessa e inocente, de vestidinhos brancos, azuis, verdes ou amarelos, com lacinhos de seda, a condizer, no cabelo, e, junto de mim, tenho, de novo, todos os que amo, que amei e nunca deixarei de amar e que, afinal, não perdi e nunca perderei, enquanto o meu coração bater e memória eu tiver !
CC
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