Neste nefando Holocausto, todos os países do mundo têm, pois, o seu brutal e vergonhoso Auschwitz! Nós não escapamos à regra e temos também o nosso: nas touradas, onde, hipocritamente, não é dada, ao touro esgotado, coberto de sangue, depois de ter sido, alegremente, espetado com ferros, a misericórdia da morte; na luta de cães, clandestina, diga-se, mas da qual todos têm conhecimento, e onde as apostas atingem quantias elevadíssimas, sendo o mais grave, porém, o facto de serem roubados animais de estimação, ternos e mansos, para com eles poderem praticar o treino dos cães de combate, fortes e agressivos; no miserável abandono dos animais domésticos, especialmente, cães e gatos, nos maus tratos, na indiferença!
Este último, será talvez o nosso mais gritante, mais selvagem, e mais tenebroso Auschwitz!
Abandona-se um cão ou um gato, porque nos cansamos dele e, como se fosse um brinquedo velho e sem préstimo, atiramo-lo fora; abandona-se um cão porque cresceu mais do que o desejável e desfazemo-nos dele, como nos desfizemos daquele móvel enorme e picado do bicho da madeira, um mastronço, herdado da avó e que já não condizia, absolutamente nada, com a decoração minimalista da casa nova; abandona-se um cão ou um gato, porque está gasto e pesado e o cheiro a velho incomoda e lembra-nos que, um dia, estaremos também velhos, feios e a cheirar a frango, se não tivermos cuidado; abandona-se um cão ou um gato, porque está doente, precisa dos cuidados do veterinário, mesmo ali, ao fim da rua mas, tratá-lo fica muito caro e não vale a pena; abandona-se um cão, porque a época da caça acabou e, para o ano, arranja-se outro que seja bom farejador e corra muito, mais do que este que, por acaso, até era um bocadito lento; abandona-se um cão ou um gato, porque o tempo é de férias, de gozo, de liberdade e o cão ou o gato é um trambolho que só complica! As criancinhas, tão doces, sensíveis e bem formadas como os seus excelsos progenitores, até compreendem que o tempo é de festa e até já têm prometido outro cãozinho ou gatinho pequenino e fofinho para, coitadinhas, não ficarem traumatizadas! Afinal, este já estava muito crescido e, às vezes, já rosnava ou arranhava quando os angélicos infantes lhe puxavam as orelhas, lhe calcavam o rabo, lhe apertavam o pescoço com aquela fita azul que lhe ficava tão bem, ou o queriam vestir com o vestido amarelo da irmã mais nova; abandona-se a cadela ou a gata grávida, porque era´um aborrecimento ter tal espectáculo em casa; abandona-se um cão ou um gato,porque ... sim!
No nosso desumano e grosseiro Auschwitz, a companhia e o conforto de uma presença inocente, esfuziante de ternura e alegria, ao nosso lado, o amor e a lealdade são facilmente esquecidos, tudo isso é uma patética lamechice e não interessa nada! Afinal, é só um cão! É só um gato! Ou outro animal qualquer que viveu connosco, nunca nos pediu nada, contentou-se com a racção, muitas vezes chorada, porque era cara, com um ou outro afago, feito ao acaso, sem calor e sem carinho, com um ou outro empurrão ou berro estridente mas que, apesar de tudo isso, nos aceitou, perdoou, e nos amou sempre! Incondicionalmente!
Sendo capazes de tanta crueldade,tanta indiferença tanta prepotência, quem somos?
Somos seres humanos e, como tal, imperfeitos, fracos e maus!
E, assim sendo, temos de assumir, com tristeza e vergonha, que o Ser Humano é, lamentavelmente, a única nota dissonante e feia, na perfeita e deslumbrante organização do Mundo pois, sendo racional, sabe ser, quando lhe convém ou, quando lhe apetece, o animal mais selvagem, mais feroz e mais impiedoso da Criação!
MC
1 comentário:
Gostei muito deste post. Desmascara, com a tradicional ironia da autora, um dos mais evidentes indícios da crueldade e da brutalidade primitivas do ser humano do séc XXI, a falta de respeito pelos direitos dos animais. Numa altura em que é consentido a uns bárbaros lá do Alentejo divertirem-se a torturar touros sob o manto da tradição, impõe-se quebrar o silêncio, num país atolado no marasmo.
O grau de civilização de um povo é revelado pela forma como trata os seus animais...Há, infelizmente, muito a fazer pelo mundo inteiro, mas podemos começar por Portugal e interditar o escândalo de barrancos! Afinal, também já foi tradição lapidar mulheres acusadas de adultério ou queimar os homens e mulheres acusados de feitiçaria. Julgo que a tradição não seria argumento suficiente para a recuperação destas práticas, não é?
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