O sofá de veludo azul, onde preguiçosamente dormito, está inundado de sol.
Estico os meus braços esguios e as minhas unhas pintadas brilham, suavemente, como pedacinhos de nácar.
Estendo as pernas compridas e rebolo, na maciez azul do veludo, o meu corpo voluptuoso, que se expande, num suspiro de intenso e preguiçoso prazer!
O sol acaricia o meu corpo e arranca mil reflexos de oiro,da minha pele, sedosa e delicada. Dizem que sou bela! Sei que sou bela e tenho a sensualidade vivaz que perpassa no quadro “ Olympia”, de Manet!
A luz é intensa e semi-cerro os meus olhos claros, de um verde tenro e líquido, pontilhados de oiro!
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Uma noite, ao serão, ouvi alguém falar de um livro "Oblomov, o magnífico preguiçoso"
de um escritor russo, Ivan Goncharov!
Simpatizei logo com esse Oblomov! Eu sou como ele, uma magnífica e adorável preguiçosa, a espreguiçar-se ao sol!
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Hoje tenho um laço de seda verde, ao pescoço! Adoro a cor verde! Fica-me bem e condiz com os meus olhos!
Daqui a pouco, ele chega. É baixo, careca, e desinteressante. Dizem que é irascível, agressivo e detestável!
Comigo, não! Comigo é terno, sereno e paciente!
Às vezes aborrece-me de morte! Outras vezes, enfurece-me! Normalmente, é-me indiferente! Mas ele adora-me!
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Quando abrir a porta, vai começar a gritar: Nini, Nini! Que nome ridículo! Chamar-me Nini, a mim, descendente de reis! Eu deveria ter um nome nobre, talvez, Sofia, Catarina, Constança, sei lá...!
Detesto que me chame Nini! Detesto que me chame bichaninha! Detesto! Detesto!
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Como é delicioso espreguiçar-me, neste sofá de veludo azul, onde posso espetar e polir as minhas unhas cor-de rosa!
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Chegou! Já o ouço aos gritos: Nini! Nini!
Se ele pensa que vou levantar, para ir, a correr ter com ele e interromper, assim de repente, este doce enlevo de sossego e de paz, está muito enganado!
Ele é que tem de vir ter comigo e acariciar-me a barriga! Por acaso, hoje, apetece-me imenso que me acaricie a barriga! Que é cor-de-rosa e macia!
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Já sei, vai abraçar-me! Mas, se amarrota ou, tira do lugar, o meu laço de seda verde, dou-lhe uma arranhadela, na careca! Não, dou-lhe duas arranhadelas, na careca!
Preciso de ir ao instituto de beleza e, se o magoar muito, ele leva-me lá mais depressa!
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Lá fora, dizem, ele é agressivo e intratável. Até me contaram que, um dia, confessou, aos gritos, na Assembleia da República, uma casa que não conheço, mas onde se reúne gente muito importante, que gosta de malhar à direita e à esquerda, mas especialmente, à direita!
Cá em casa, sou eu que malho nele, quer dizer, sou eu que lhe dou unhadas e o esgatanho! Quando me aborrece...
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Mas, não posso exagerar!
É que eu sou esquisita! Como membro da mais depurada realeza, sou alérgica a sardinhas, a carapau e a enlatados do supermercado! Só como carne, se for fillet mignon, e o peixe tem de ser fresco, carnudo e macio.
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Pegou-me ao colo! Adoro ser preguiçosa e odeio que me incomodem, quando descanso! Tirou-me do sol e eu dou-lhe uma unhada! Não, dou-lhe duas unhadas!
Então, todo babado, gostava que o vissem, diz-me que me trouxe o meu perfume e um patê francês.
Fico à espera de o ouvir dizer que me vai levar ao Ronron`s Spa, para um tratamento de beleza completo.
Em vez disso, diz-me todo melado:
“Então, Nini, nem sequer te ouço um Miau de agradecimento?”
Ele ensandeceu! Tanto malhou à direita, tanto malhou à esquerda, especialmente, à direita, que enlouqueceu! Eu, uma gata de raça nobre, eu, uma felina da mais pura linhagem, eu, uma tigreza elegante, requintada, fina, com sangue real persa a correr-me nas veias, soltar um suburbano, um mísero Miau?
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Mas, não posso exagerar!
Por isso e para lhe agradar, sussuro-lhe, mesmo junto da possidónia orelhinha, um chic, doce e encantador Miôôôô...
MC
1 comentário:
Celeste, gostei desta Nini preguiçosa, alheia a tudo, só o laço verde e as unhas cor de rosa, até o careca chato é diferente no seu mundo :) Beijinhos!
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