Outono!
Qualquer coisa lilás,
Schumann em violino,
Ângelus tangido em lentidões de sino...
Preguiçoso torpor de um fim de sono.
Espelho de água quieta dos canais!
Cá dentro, a idade,
restos de sonho e de mocidade;
trechos dispersos
de velhas ambições falhas na vida,
parcelas de antigas ilusões
que ainda, a custo, concentro
e invoco até agora!
Lá fora, a descida.
O crepúsculo inócuo destes dias,
a tristeza das folhas amarelas,
e a cantar sobre estas ruínas frias,
a monótona toada de meus versos.
Desce, Poeta!
A descida é suave...
Não te demanda rigidez de músculos
e nem exige que teu passo apresses...
A natureza é quieta,
da ingênua quietação de um sonho de ave,
e há paina nos crepúsculos...
No outono a luz é um eterno poente,
que mais à calma que ao rumor se ajeita;
Brilha, tão de manso e calma,
que até parece unicamente feita
para o estado d'Alma
de um convalescente.
Mário Pederneiras
(Rio de Janeiro 1867-1915)
Mas. Esse é o
tempo de doce quietude, de cores opulentas, pedaços dourados, vermelhos
amarelos em forma de folhas a esvoaçarem num sopro e a atapetarem, num
deslumbre de cor, o chão duro e nu. Agora.
Esse tempo de luz macia, coada e morna está a chegar ao fim, para dar lugar
à chuva intempestiva, ao frio, à nudez esquálida das árvores, ao cinzento
monótono dos dias.
Não. Não
gosto do Inverno gélido, escuro, chuvoso e lamacento, com o granizo,, a bater,
violento, nas janelas e a acordar, malévolo, os medos ancestrais, que já nascem
connosco!
Não. Não
gosto dos meses velhos e revelhos, longos, espalhados, num desconsolo
entediado, em dias soturnos, curtos, mas intermináveis...
Contudo.
Sei que o Inverno é também tempo
da natureza se preparar, presa no negrume que me pesa, para uma explosão de beleza e de luz. Mesmo
assim. Dá-me a sensação deprimente de ausência, de perda, de infinita solidão!
Que só a longínqua Primavera redime...
MC