quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O rosto ao espelho


Retrato

"Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?"


 

 Em que espelho perdi o meu rosto macio, inocente, onde brilhava, radiosa, a esperança, Mãe? Onde está esse rosto liso, puro e confiante, que cabia, perfeito, na seda das tuas mãos? Talvez. Intocado no espelho dos teus olhos claros, Mãe! Agora. Eternizado, no teu espírito transparente, cristalino, o meu rosto de menina, parte da minha alma, pedaços do meu coração... No entanto. Neste espelho onde me vejo não tenho o olhar vazio, nem o lábio amargo, nem as mãos paradas, sem força, mortas. Não. Estou viva, Mãe! Quero o meu olhar com a  claridade verde e translúcida do campo, nas serenas madrugadas de verão, quero os meus lábios com a doçura de mãos que se entrelaçam, quero o meu coração vibrátil, como um braseiro latente, que uma lufada de vento transforme, assim de repente, em chama alta.  As minhas mãos secas, magras e nervosas, essas,  buscam, infatigáveis,  as palavras que me fogem, que se escondem e não se juntam com a harmonia, a beleza, a melodia que anseio. Porém. Não te aflijas, Mãe! Pelo menos. Sei em que espelho ficou perdida, a minha face. Perdida, não! Imutável, aconchegada, perfeita.

MC

1 comentário:

José Almeida da Silva disse...

Gostei muito do seu regresso! Já tinha saudades da sua escrita.

O texto é homenagem - um pedido de colo cheio de ternura. Os que partem estão sempre connosco, basta olharmos ao espelho o nosso olhar.

Beijinhos,