terça-feira, 18 de março de 2008

Nunca te direi ... Adeus! Parte II

Um dia, ao entardecer, quando o céu e a terra se fundem, na labareda incandescente e lasciva do sol poente, perguntei-te como seria o Amor se tivesse cor . Eu imaginava-
-o de um cor-de-rosa doce, delicado, encantadoramente romântico,mas tu pensavas que deveria ser vermelho vivo, forte, fulgurante, porque esse é um sentimento feito de pura emoção, intenso, impetuoso, avassalador e as cores suaves não lhe ficam bem .
No Amor, dizias, é sim ou não, é ganhar ou perder, é tudo ou nada, sem meias-tintas, sem meias-palavras, sem meios-termos!
E, nessa noite, adormeci agitada e um pouco ansiosa. Assustava-me a possibilidade de, um dia, amar e ser amada assim. Inteiramente, apaixonadamente, irremediavelmente!
Hoje, muitos anos passados, tantos, que já lhes perdi a conta, acredito que, partilhar com alguém um Amor com essa verdade, essa entrega, essa força arrasadora, possa ser, só por si, a justificação de toda uma existência!
Contigo, aprendi a amar a música e, a encontrar nela, uma preciosa companhia nas horas de solidão, uma amiga fiel e sempre presente nos bons e nos maus momentos .
E, a teu lado chorei com Chopin, sorri com Mozart, enterneci-me com Puccini, emocionei-me com Beethoven e rezei com Bach!
Despertaste, em mim, desde muito cedo, o gosto pela leitura e, pelas tuas mãos, li algumas das obras mais marcantes da Literatura que, depois, comentávamos calorosamente. Tu, com um sorriso e o argumento certo. Eu, arrebatada e muito ciosa da minha opinião!
E, junto de ti, repousei com Antero, na Mão direita de Deus, calcorreei serras com Torga, amei perdidamente com Florbela, encantei-me com a profundidade de Somerset, assombrei-me com a magia de Mann e apaixonei-me, definitivamente, por Eça!
Através dos livros, eu ia descobrindo mundos novos, enquanto criava outros, nas histórias que inventava, que tu lias, orgulhoso, mas que eu, depois, sem tu saberes, rasgava.
Porque, tudo o que escrevo parece-me sempre tão tosco, tão incompleto, tão inútil ! Porque, nunca fui capaz de transpor para o papel, nem os pensamentos que brotam rápidos, em torrente incontida, do meu cérebro, nem os sentimentos, de choro e de riso, que correm à solta, em doido tropel, no meu coração!
Como acontece agora, que escrevo para ti, enquanto vasculho lembranças nos baús desbotados e poeirentos do Passado.
Contigo, surpreendi-me com os traços puros, clássicos, belíssimos de Botticelli, deslumbrei-me com a beleza voluptuosa, cheia de cor e de luz de Renoir e comovi-me com a delicadeza intimista, deliciosamente cândida e sensual de Fragonard.
Mas, também de ti vem esta atracção irresistível pelo mar, esta necessidade, quase primária, de o ver, de lhe sentir o cheiro a sal e a algas, de lhe escutar o ribombar assustador das vagas alterosas, em furioso turbilhão, quando está revolto, ou o marulhar terno, quase erótico, das ondas mansas a sussurrarem inconfessáveis segredos e a espreguiçarem-se, lânguidas, na areia húmida e lisa .
E, frente a essa massa de água, imensa, translúcida, magnífica, bordada de espuma e salpicada de luz, aprendi, contigo, a encontrar alento para o meu cansaço, paz para a minha ansiedade, inspiração para a minha vida !
De ti, ficou-me o desprezo pela hipocrisia, pela intolerância, pela mentira cruel, pela maldadezinha canalha, pela vingança aviltante, pelo queixume gratuito!
Em ti, encontrei sempre uma espantosa humanidade, um sentido de humor subtil, mas certeiro, uma inteligência viva, flexível, uma sensibilidade fina, requintada e o respeito discreto, compassivo, generoso pelos outros. Pelas dificuldades, pelas aflições, pelo sofrimento dos outros!
E, é por tudo isso que tantas vezes, como agora, é para ti que o meu pensamento voa, a minha alma se ajoelha, reverente, perante a tua e eu te agradeço e te bendigo! Tu foste, em cada um dos meus dias, a minha âncora, o meu porto de abrigo, a luz-guia dos meus passos ! Antes, agora, sempre!
Não foste um santo, um filósofo ou um poeta. Ou, talvez tenhas sido tudo isso, sem ninguém saber. Nem mesmo tu!
Esta noite sonhei contigo e fomos juntos, lá para onde só a alma e a memória podem ir, onde somos livres, o céu é sempre azul, as flores não perdem o encanto, nem o perfume e tudo tem a cor cristalina do teu espírito!
Nunca nos dissemos Adeus!
Adeus, diz-se quando o Amor acaba e o fim é, então, inevitável, definitivo, irreparável!
Nunca se diz Adeus, quando o laço visceral, feito de sangue e de afecto, permanece intacto e tu continuas comigo, pois, sobre o coração e o pensamento, ninguém,nada, nem mesmo a morte, tem qualquer poder !
Não se diz Adeus, quando sabemos que, em termos de Eternidade, vinte, trinta ou quarenta anos de separação, não são mais do que dois, três ou quatro segundos deste tempo que contamos!
Não se diz Adeus, quando o rasto claro, límpido, brilhante da tua luz é ainda o caminho que percorro!
E, porque uma noite destas talvez volte a sonhar contigo, agora e uma vez mais, digo-te apenas, até já, até logo, até sempre, meu querido!


M.C.

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