segunda-feira, 17 de maio de 2010

A terceira margem do rio

“A terceira margem do rio” é outro conto revestido de simbolismo, da obra “Primeiras estórias” de Guimarães Rosa.
Bem ao estilo deste escritor, esta é a estória insólita de um homem que se evade de toda e qualquer convivência com a família e com a sociedade, preferindo a completa solidão do rio, onde, dentro de uma canoa, sem nunca mais sair dela, rema rio abaixo, rio acima, rio a fora, rio a dentro.

O rio, aliás, muito presente na obra de Guimarães Rosa, parece ter exercido uma forte atracção na imaginação do autor, que escreveu:

“... amo os grandes rios, pois são profundos como a alma do homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranquilos e escuros como os sofrimentos do homem. Amo ainda mais uma coisa de nossos grandes rios: a eternidade. Sim, o rio é uma palavra mágica para conjugar a eternidade.”

O espaço, neste conto, é delimitado pelo rio que domina a paisagem rural e precisamente, no ir e vir do rio e da vida, emana a magia e a noção de transcendentalismo.


Nesta estória, o filho é o narrador e também personagem e o pai é o homem cujos ideais de vida não estão de acordo com os padrões, considerados normais.O pai “virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupa que a gente de tempos em tempos, fornecia”
O pai fora sempre quieto, com tendência para o isolamento. Sempre fora a mãe a responsável pelo aspecto prático da vida.

Mas, o que é a terceira margem?
A terceira margem é o que não se vê, o que não se toca, o que não se conhece.

O pai, ao ir à procura da terceira margem, busca o desconhecido dentro de si mesmo e o isolamento é a única maneira encontrada para procurar entender os mistérios da alma, o incompreensível da vida.

O filho quando criança, quis, na sua inocência, embarcar com o pai mas este impediu-o. Quando adulto, sendo o pai já velho, propõe-se subatituí-lo. Mas, no momento em que vê o pai vindo em direcção à margem, o filho fica com medo daquele homem que parecia vir do outro mundo e, aterrado perante a ideia de estar prestes a partir rumo ao desconhecido, foge!

Talvez esta estória tenha sido o recurso, criado pelo autor, para discorrer sobre o medo que a humanidade tem do desconhecido, esse desconhecido que borbulha, lá muito no fundo de cada um de nós, do mistério da vida e da morte, do sentido de tudo, do “inominável”

Este mundo do “encantatório”, do desconhecido da terceira margem, “só poderia ser recriado por por uma linguagem também recriada e nova, capaz de reflectir todo o deslumbramento desse universo." Aliás Guimarães Rosa é um criador, um reinventador da linguagem.

Recursos Estilísticos:

A repetição é um recurso expressivo do autor: “e o rio-rio-rio, o rio sempre perpétuo”.
As figuras de linguagem reforçam o lado poético do conto:
A gradação – “cê vai, ocê fique, você nunca volte”
A antítese – “ perto e longe de sua família dele”
- O carácter metafórico do rio.
- As frases curtas e coordenadas, independentes, dão um ritmo lento à leitura:” Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n`água, proava para cá concordando.”
- A oralidade é reproduzida na fala do narrador: “ do que eu mesmo em alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem ralhava no diário com a gente.”
- A sintaxe é recriada de maneira inusitada, provocando estranheza: “ não fez a alguma recomendação” “nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão, daquele.”
- Neologismos – “diluso” talvez variante de diluido, diluto; “bubuíasse”; termos pouco comuns como: “encalcou”, “entestou”, etc.

MC

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