Hoje apeteceu-me retomar o meu tricot com palavras.
I
Na esteira de Cesare Pavese, que escreveu a frase “ o mar parece azeite”, escrevi, um dia, que “o mar parece um oleado ondulante e pardo”. Não é aquele, nem este mar que quero tricotar!
O dia está bonito, embora frio e o mar que, hoje, vem até mim, é aquele mar resplandecente de beleza, sereno e murmurante, da minha infância.
E, desajeitada e comovida, é essa massa líquida, imensa, translúcida, de um azul profundo, salpicado de luz, que não quero rematado por espuma mas, por gatinhos brancos, que saltitam, rebolam e brincam contentes, libertos da dor de pensar, como o gato de Fernando Pessoa, que vou tricotar.
Estes gatinhos, só meus, não brincam na rua, brincam na areia, também, como se fosse na cama e, sem molhar as patinhas felpudas, são a mais bela cercadura viva, para esse mar do meu encantamento.
E, no meu vestido azul, enfeitado de veludo branco, que me fica tão bem, eu tricoto
esse mar magnífico, com os meus novelos azuis, bordados a fio de prata e com os
meus novelos brancos, cansados de tanta brincadeira!
E, à medida que se desenrolam os novelos e as malhas se entrelaçam, enroscam-se, ternamente, no ar, a música sorridente de Mozart e o perfume, suave e macio, dos lírios do campo, da lavanda, da alfazema e do tomilho.
Mas a noite cai e um outro dia nasce...
II
Na claridade límpida e serena da madrugada, o mar, que vejo, é azul cristalino, com pinceladas de cor-de-rosa, salpicado de ouro e vai-se aproximando, devagarinho, num brando marulhar, ao encontro da areia dourada, fina, macia e húmida que o espera, também ela, témula e ansiosa. E o mar, num redemoinho de emoções, numa ondulação aos tropeços, o cor-de-rosa agora o vermelho da paixão, espraia-se nela e, cobrindo-a com um rendilhado delicado de espuma, qual renda de bilros, abraça-a, beija-a e sussurra-lhe inconfessáveis segredos, envolvendo-a nas suas ondas mansas, para logo se fundirem num abraço de luz!
Depois, na languidez preguiçosa, apaziguada, do amor saciado, ele deixa-se ficar, a revoltear, junto dela, numa suave ondulação.
E, eu, no meu vestido azul claro, com pinceladas de rosa e de vermelho, vaporoso e quase translúcido, tricoto este mar enamorado e a areia, sua amante, com os meus novelos macios, a fio de luz entrelaçados! Deles emergem, suavemente, a melodia de “Für Elise” de Beethoven, o cheiro delicado e pensativo das gardénias, e a involvência perfumada das rosas e do jasmim.
É tempo de arrumar esta longa tira de palavras tricotadas!
E, francamente, não sei se gosto deste meu tricot de ponto incerto...
MC
1 comentário:
Só o ponto incerto dá liberdade às palavras tricotadas! Belíssimo modo de fazer poesia! Parabéns pelo resultado deste "Tricotando com palavras". Assim, uma espécie de diário poético.
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