sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Um outro Holocausto Parte I

Foram, há meses, abatidos a tiro, dez cavalos que pastavam tranquilamente,num prado.
Mortes tristes, avulsas e sem sentido de dez seres vivos e pacíficos!
Não se voltou a falar no assunto e, nunca se soube, quem cometeu tão hediondo crime, que foi, nesse dia, um dos títulos de caixa alta, na imprensa. Todos os que leram ou ouviram a notícia ficaram impressionados, na altura mas, depressa esqueceram o que se pode considerar uma tragédia! Depois, talvez porque as vítimas fossem animais, encontrar o criminoso ou os criminosos, não interessou nada!
Um dia, porém, as futuras gerações vão, decerto, fazer perguntas sérias, incómodas e indignadas acerca de um outro Holocausto, não menos cruel, não menos bárbaro e não menos injusto, do qual tivemos amplo conhecimento e com o qual temos,tranquilamente, contemporizado: o Holocausto dos Animais!
Desta vez não será possível desculparmo-nos com a ignorância e teremos de explicar, cabalmente, como pudemos, sem um tremor de consciência, não ter feito nada para pôr fim às inenarráveis torturas e ao morticínio sangrento de tantos animais e assistir, indiferentes, à extinção de tantas e belíssimas espécies!
Na verdade, fazendo de conta que as denúncias de morte horrenda, em grande escala e do infinito sofrimento dos animais são uma invenção de excêntricos ou de loucos, enfeitamo-nos, vaidosamente, com a beleza macia e esplendorosa das suas peles; usamo-los na cosmética para nos embelezarmos e retardarmos o envelhecimento; divertimo-nos com as suas habilidades, aprendidas sob tortura, no circo,(os elefantes são disso, um deplorável exemplo), e saboreamo-los, gulosamente, nos restaurantes elegantes!
Basta recordar os horrores que são infligidos, em França, aos patos e aos gansos para se obter o mais macio, o mais suculento e o mais gostoso "foi-gras"!
E, que dizer do massacre sangrento das focas no Canadá, onde as focas-bebé são, simplesmente, cortadas ao meio?
Que dizer da tortura macabra a que são sujeitos os ursos, na China, (são estimados
cerca de dez mil nestas lancinantes condições), para a extracção, permanente, da bílis, através de um catéter introduzido na vesícula, para a preparação de afrodisíacos e de produtos medicinais tradicionais, de resultados duvidosos? Um processo extremamente doloroso, durante o qual os animais urram aflitivamente, mordem as patas e mutilam-se, numa tentativa desesperada e vã de suicídio! Os ursos são mantidos deitados de costas, sobre os seus próprios excrementos, em jaulas tão pequenas que não lhes permitem sequer virar-se, definhando até à morte, que às vezes demora anos de medonho suplício, quase enlouquecidos de dor!
Que dizer da caça, sem quartel, às baleias, na Antárctica, onde a população de baleias brancas, (as belugas), representa, hoje, menos de 1% da sua população original?
Que dizer da caça à baleia cinzenta, do Oeste do Pacífico, a mais afectada, restando apenas cerca de cem exemplares? Estamos, assim, com soberana indiferença, perante o risco iminente da extinção de uma espécie animal magnífica!
Que dizer da morte trágica e em grande número do arminho, pequeno animal, que se deixa matar facilmente, quando diante de armadilhas com lixo, das quais nem sequer se aproxima, para não macular a sua lindíssima e valiosa pelagem branca e pura, no Inverno? Por essa razão, o arminho tem sido considerado, ao longo dos tempos, o símbolo da pureza virginal!
Foi,pois, com espanto e repugnância que o Mundo viu um Papa, sorridente, jactancioso e, sobretudo, ridículo, apresentar-se, no Natal, com o "Camauro", um carapuço de veludo vermelho, orlado de arminho, o qual já não era usado desde os anos sessenta! Posteriormente a esse infeliz momento, o representante de Deus, na terra, usou, numa outra cerimónia religiosa, a Mozeta, uma sumptuosa vestimenta de veludo vermelho, também orlada com essa preciosa pele!
Que dizer da morte estúpida dos ursos de pele negra, espessa e brilhante para a confecção dos impensáveis barretes da Guarda Real do Reino Unido?
Que dizer das touradas, especialmente em Espanha, essa bárbara e sangrenta reminiscência das arenas, no período da decadência do Império Romano? Nas arenas de hoje, o crime é o mesmo: tortura, sangue, sofrimento e morte de seres vivos, para gáudio das gentes que, nas bancadas, gritam "olés", batem palmas, incitam os toureiros e agitam-se em frémitos quase orgásmicos de gozo e de loucura!
Perante esta terrífica violência, esta destruição, em massa, que é, em sentido lato, um verdadeiro Holocausto de tantas espécies animais, até quando vamos continuar a olhar para o lado e fazer de conta que esse massacre, esse sofrimento, sem nome e sem fim, tantas vezes, já denunciado, é apenas uma história irreal e sombria, de horror e de pesadelo?

MC

Um outro Holocausto Parte II

Neste nefando Holocausto, todos os países do mundo têm, pois, o seu brutal e vergonhoso Auschwitz! Nós não escapamos à regra e temos também o nosso: nas touradas, onde, hipocritamente, não é dada, ao touro esgotado, coberto de sangue, depois de ter sido, alegremente, espetado com ferros, a misericórdia da morte; na luta de cães, clandestina, diga-se, mas da qual todos têm conhecimento, e onde as apostas atingem quantias elevadíssimas, sendo o mais grave, porém, o facto de serem roubados animais de estimação, ternos e mansos, para com eles poderem praticar o treino dos cães de combate, fortes e agressivos; no miserável abandono dos animais domésticos, especialmente, cães e gatos, nos maus tratos, na indiferença!
Este último, será talvez o nosso mais gritante, mais selvagem, e mais tenebroso Auschwitz!
Abandona-se um cão ou um gato, porque nos cansamos dele e, como se fosse um brinquedo velho e sem préstimo, atiramo-lo fora; abandona-se um cão porque cresceu mais do que o desejável e desfazemo-nos dele, como nos desfizemos daquele móvel enorme e picado do bicho da madeira, um mastronço, herdado da avó e que já não condizia, absolutamente nada, com a decoração minimalista da casa nova; abandona-se um cão ou um gato, porque está gasto e pesado e o cheiro a velho incomoda e lembra-nos que, um dia, estaremos também velhos, feios e a cheirar a frango, se não tivermos cuidado; abandona-se um cão ou um gato, porque está doente, precisa dos cuidados do veterinário, mesmo ali, ao fim da rua mas, tratá-lo fica muito caro e não vale a pena; abandona-se um cão, porque a época da caça acabou e, para o ano, arranja-se outro que seja bom farejador e corra muito, mais do que este que, por acaso, até era um bocadito lento; abandona-se um cão ou um gato, porque o tempo é de férias, de gozo, de liberdade e o cão ou o gato é um trambolho que só complica! As criancinhas, tão doces, sensíveis e bem formadas como os seus excelsos progenitores, até compreendem que o tempo é de festa e até já têm prometido outro cãozinho ou gatinho pequenino e fofinho para, coitadinhas, não ficarem traumatizadas! Afinal, este já estava muito crescido e, às vezes, já rosnava ou arranhava quando os angélicos infantes lhe puxavam as orelhas, lhe calcavam o rabo, lhe apertavam o pescoço com aquela fita azul que lhe ficava tão bem, ou o queriam vestir com o vestido amarelo da irmã mais nova; abandona-se a cadela ou a gata grávida, porque era´um aborrecimento ter tal espectáculo em casa; abandona-se um cão ou um gato,porque ... sim!
No nosso desumano e grosseiro Auschwitz, a companhia e o conforto de uma presença inocente, esfuziante de ternura e alegria, ao nosso lado, o amor e a lealdade são facilmente esquecidos, tudo isso é uma patética lamechice e não interessa nada! Afinal, é só um cão! É só um gato! Ou outro animal qualquer que viveu connosco, nunca nos pediu nada, contentou-se com a racção, muitas vezes chorada, porque era cara, com um ou outro afago, feito ao acaso, sem calor e sem carinho, com um ou outro empurrão ou berro estridente mas que, apesar de tudo isso, nos aceitou, perdoou, e nos amou sempre! Incondicionalmente!
Sendo capazes de tanta crueldade,tanta indiferença tanta prepotência, quem somos?
Somos seres humanos e, como tal, imperfeitos, fracos e maus!
E, assim sendo, temos de assumir, com tristeza e vergonha, que o Ser Humano é, lamentavelmente, a única nota dissonante e feia, na perfeita e deslumbrante organização do Mundo pois, sendo racional, sabe ser, quando lhe convém ou, quando lhe apetece, o animal mais selvagem, mais feroz e mais impiedoso da Criação!

MC