quarta-feira, 29 de julho de 2009

Dois tempos – um amor!

Tempo II

O dia estava quente, sereno e luminoso.
Liliana, estendida na espriguiçadeira macia, deixou que o sol lhe lambesse a pele, numa carícia branda e suspirou com a satisfação de quem, naquele momento precioso, de paz, se sente inteira e tranquila.
A piscina azul, com reflexos de ouro enquadrava-se, perfeitamente, no seu amplo espaço envolvente, decorado com plantas exóticas e com um bom-gosto displicente e alegre e que, nos dias frios, se transformava num bonito jardim de inverno.
Olhou em direcção à casa, espaçosa, com portadas e janelas rasgadas, por onde a luz jorrava, festiva e indiscreta, realçando a aparente simplicidade do luxo requintado, mesmo nos mínimos pormenores!
Fez, mentalmente, uma anotação: verificar o trabalho do novo jardineiro.
Era grande e bonito o jardim, onde sobressaíam as rosas de pétalas de veludo e as hidrângeas, delicados novelos de mil flores pequeninas e coloridas!
Com um sorriso largo, pensou: “É tudo meu!”
A esse pensamento, porém, o coração disparou, o sorriso gelou-se-lhe nos lábios e uma imensa angústia inundou-a, com violência, como uma onda furiosa que quase lhe cortou a respiração.
Uma sensação de vazio, de queda abrupta, num buraco negro, enorme que vinha crescendo com o tempo, submergiu-a, numa vaga imensa, de infinita saudade! Da presença certa e doce, do amor sem condições, dos mimos e das mil surpresas!
Como um mágico prodigioso, ele surpreendera-a sempre! E amara-a perdidamente!
“ Tu és a luz da minha vida! Sem ti, não sei viver!”
E, o dia claro e luminoso nublou-se e desceu sobre ela, outra vez, o negrume espesso daquela noite trágica e pesada, a noite do seu insuportável pesadelo...


Tempo I


Era já muito tarde quando Liliana chegou a casa. Estava esgotada, depois de um dia de trabalho árduo, no bloco
operatório. A última cirurgia tinha sido particularmente morosa e difícil. No fim, complicara-se e o doente não sobrevivera.
Ao chegar a casa, só pensava em tomar um banho, beber um chá e ir para a cama.
Quando entrou na sala obscurecida, viu-o, sentado no sofá, com a cabeça reclinada para trás e os pés assentes na mesinha. Parecia dormir. Ainda bem, porque não lhe apetecia conversar.
“ Vens tão tarde!” disse ele, baixinho, sem se mexer.
Contrariada, respondeu: “ Estive a operar até agora. Estou exausta e só quero estender-me e descansar!”
“Queres que te prepare alguma coisa, para comeres?”
“Não!”
Aquele “não”, disparado como uma bala, pareceu atingi-lo em cheio e curvou-se ligeiramente. Mas continuou a olhar para ela, sem se aproximar, com uma ternura macia, meio-assustada que a aborreceu.
“ Não podes ir dormir, assim, sem comer nada!”
Aquela solicitude meio-serviçal, aquele amor submisso com que a envolvia e quase a sufocava, irritou-a!
Sem responder, voltou-lhe as costas.
Ouviu-o, então, perguntar, com voz calma e baixa:
“ Para que são aquelas caixas de cartão, no corredor?”
Impaciente e cansada, Liliana gritou-lhe:
“ Aquelas caixas estão cheias de livros e papéis meus. Já te ando a dizer, há muito tempo, que vou embora! Acabou! Foram três anos bonitos, que marcaram as nossas vidas mas, acabou! E, eu também tenho casa, lembras-te? Vou seguir com a minha vida! Tu és um arquitecto bem sucedido, tens tudo para seres feliz e vais, também, seguir com a tua!”
Como se tivesse sido mordido por uma serpente, ele pôs-se de pé, de um salto, pálido, os olhos em chama, a voz alterada, quase esganiçada, ridícula:
“ Não! Pede-me tudo, mas não digas que te vais embora! Não posso viver sem ti, a meu lado! Preciso de te ver pela manhã, quando, ainda ensonada, te levantas, e à noite, mesmo cansada, como hoje, quando te deitas; preciso de sentir o som, rápido e saltitante, dos teus passos, pela casa; preciso da doçura da tua voz suave e grave; preciso do cristal das tuas risadas que alegram os meus dias; preciso de ouvir o colchão ranger, de leve, quando te agitas, no sono; preciso de ouvir a água do chuveiro molhar o teu corpo; faz-me falta o teu perfume espalhado pela casa, ainda que já entranhado em mim!
Não posso viver sem ti! Tu és a luz da minha vida! Sem ti, não sei viver!”
Liliana estava cansada, demasiado cansada e só queria fechar os olhos, no aconchego morno da sua cama e mergulhar no breve esquecimento do sono.
“ Chega! Amanhã falamos!”
Ele, de pé junto ao sofá, repetiu baixinho, os ombros caídos e os olhos brilhantes de lágrimas mal contidas :
“Pede-me tudo, Liliana, mas não me digas que te vais embora! Que posso fazer por ti, por nós, querida?”
Amarfanhado, emocionalmente esgotado, deixou-se cair no sofá.
Então, num repente, zangada, farta de o ouvir, furiosa consigo mesma por se ter deixado envolver naquele amor que a enredava, que a prendia como os tentáculos poderosos de um polvo, um amor que já era obsessão, disse-lhe, as palavras a jorrarem, aos borbotões, com um sorriso mau, com os olhos turvos por uma raiva inexplicável, com uma impaciência que a consumia e a transtornava:
“O que podes fazer por mim? É simples: cala-te e deixa-me em paz! Eu vou-me embora, sim! Se não sabes, se não podes viver sem mim, tens dois caminhos: resignares-te e aprender ou, desistires e morrer! Aprende ou mata-te!”
Na sala, fez-se um silêncio denso, prenhe de cansaço, de espanto e de gritos mudos de mágoa e de revolta.
Ela viu-o levantar-se lentamente e olhá-la com uma fixidez e uma atenção que nunca lhe vira antes, como se quisesse perscrutar-lhe a alma ou, memorizar todos e cada um dos mais pequeninos traços do seu rosto.
Depois, silencioso, saíu da sala.
Liliana, subitamente, teve medo e, num impulso, desejou abraçá-lo e pedir-lhe perdão. Mas, não se moveu. Ficou estática, estarrecida e atordoada com a virulência ferina, das suas palavras!
Ainda de pé, no meio da sala, ouviu a porta abrir-se, para logo se fechar, com um estalido seco, definitivo!

MC

quinta-feira, 23 de julho de 2009

A Escola bateu no fundo...

Apesar de a lei em vigor dizer que “ a retenção deve constituir uma medida pedagógica de última instância”, penso que se está a ir longe demais, nesta Escola dos números e das estatísticas!
Depois de se ter baixado, e muito, o nível dos conteúdos e o nível de exigência no Ensino, bateu-se no fundo, quando um aluno, com nove negativas, sendo uma delas a Língua Portuguesa e outra a Matemática, transitou para o 9º Ano.
O mais trágico é este, não ser caso único na Escola Pública, no nosso país!

Não serão estas situações de excessiva tolerância, um insulto para os alunos que trabalham, estudam e se esforçam, muitos deles a viverem, também, num meio sócio-cultural precário, com dificuldades de toda a ordem?
Não motivarão situações, como esta, uma imensa revolta em alunos que, com três ou quatro negativas, não transitaram para o ano seguinte porque, nas escolas que frequentam, ainda reina algum bom-senso e pudor?

A Escola tem como missão sagrada despertar nos alunos, o gosto pela Cultura e prepará-los para a vida activa, ministrando-lhes conhecimentos e abrindo-lhes caminhos que os enriqueçam, dotando-os de competências válidas e exigindo-lhes, em contrapartida, empenhamento e estudo!

No futuro, o mundo do trabalho não se vai compadecer com desculpas, como a do ambiente sócio-cultural difícil e precário!
O mundo do trabalho vai, friamente, exigir saber, competência e... capacidade para produzir!

MC

sábado, 11 de julho de 2009

Do Riso e do Esquecimento!

Do Riso

Creio que todos nos rimos, a bom rir, quando a ministra da Educação veio, sisuda e descontente, culpar a Comunicação Social, pelos fracos resultados, obtidos pelos alunos no exame de Matemática, do Ensino Secundário.
Valter Lemos, seu assessor, tornou ainda mais ampla essa acusação e mais forte o nosso riso, quando apontou, também como culpados, a Sociedade Portuguesa de Matemática e os “partidos e pessoas com responsabilidades políticas”.

Do Esquecimento

Só por um imperdoável esquecimento, a ministra da Educação fez, e permitiu fazer, essas inusitadas acusações!
Esqueceu-se, certamente, que foi de acordo com a sua política de ensino, que se facilitaram conteúdos, se baixou, e muito, o nível de exigência e se pediu, aos professores, tolerância nas avaliações, porque “chumbar” é traumático e não adianta nada!
Esqueceu-se, certamente, que, sob a sua égide, foi implementado, na Escola, um ensino levezinho, agradável, quase a brincar, para obstar ao abandono escolar e para fazer subir, em flecha, a taxa de sucesso.

Quem, como eu, não gosta de rir com assuntos sérios e tem boa memória, gostaria que a ministra assumisse, com clareza e honestidade, que um lamentável facilitismo impera, de facto, na Escola Pública, precisamente, por decisão sua!
Uma decisão que seria risível, se não fosse trágica, e cujas consequências não vão, infelizmente, cair no esquecimento, nos anos mais próximos!
Porque são os portugueses de amanhã que, hoje, frequentam a Escola!!!

MC

terça-feira, 7 de julho de 2009

Lamentavelmente!

Em Portugal, os artistas, os escritores, os agentes de cultura não são, no geral, valorizados, nem acarinhados, pelo poder político!
A cultura passa-lhes de tal forma ao lado, que o Ministro da Cultura é, normalmente, quase invisível!
Lamentavelmente!

Na abertura, em Lanzarote, de uma exposição sobre José Saramago, o nosso primeiro e único Prémio Nobel de Literatura, foram muitas as personalidades espanholas, presentes nessa homenagem, enquanto a ministra da Cultura, de então, Isabel Pires de Lima, primou, vergonhosamente, pela ausência! Como, aliás, já fizera, na homenagem a Miguel Torga, esse escritor e poeta português, de primeira água!
Desiludido com Portugal, mal amado e destratado, José Saramago radicou-se em Lanzarote, onde os espanhóis, honrados com a sua permanência no país, o consideram, com orgulho, como mais um dos seus!
Lamentavelmente!

Agora é Maria João Pires que, zangada, farta de levar “coices e pontapés de Portugal”, e cansada da indiferença e falta de apoio ao seu bonito e generoso projecto de Belgais, por parte de um poder político que lhe tem vindo, paulatinamente, a arrestar os bens, renuncia à nacionalidade portuguesa!
Maria João Pires, que o Brasil vai acolher como filha, é uma pianista magistral, talvez a nossa maior pianista de sempre, internacionalmente reconhecida e, calorosamente ovacionada, em todo o mundo!
A partir de agora, continuará a ser a espantosa pianista de raro talento e delicada sensibilidade que é, mas... de nacionalidade brasileira!
Lamentavelmente!

MC

Nota: Maria João Pires não renuncia à nacionalidade portuguesa! Decidiu-se pela dupla nacionalidade: portuguesa e brasileira! Fez bem! Não vira, totalmente, as costas a uns e agrada a outros...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Os “pauzinhos tortos” do ministro

Assistimos, ontem, ao debate do nosso espanto e da nossa saturação, no Parlamento!
Manuel Pinho entrou, para o debate do Estado da Nação, ministro da Economia e saiu demitido.
Tudo, porque perdeu a cabeça e fez o sinal de cornos, (pauzinhos tortos, em delicada linguagem vitoriana), ao deputado Bernardino Soares que, a propósito das minas de Aljustrel, comentou o momento em que Manuel Pinho aí se deslocou, para entregar um cheque da EDP, ao clube de futebol local, enquanto cidadão e não como ministro.
Esse sinal inflamado, de cornos, foi também o sinal funesto da sua despedida, há muito anunciada e necessária.
Foram muitas, as hilariantes e irresponsáveis “gaffes” deste ministro, sem a mínima noção de saber estar na política! Como, aliás, não sabe, a maior parte dos ministros, deste Governo.
O Primeiro Ministro, obrigado a apresentar, humildemente, desculpas, forçou a sua imediata demissão embora à noite, na SIC, Manuel Pinho tenha afirmado que se tratou de uma decisão inteiramente sua, solitária!
Os seus correligionários, entretanto, apressaram-se a demarcar-se dos seus pauzinhos tortos e deixaram-no sozinho, em praça!
Sócrates saiu pela porta grande, aos ombros de PS, Manuel Pinho saiu, vencido, pela porta dos fundos...
Mas vejamos o lado positivo da situação: agora, Manuel Pinho, pode saborear a sua papinha Maizena, muito mais descansado!
E, deve ter aprendido que quem não quer ser touro e, como ele, morrer sozinho, na arena, não lhe deve "vestir" os cornos...

MC

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Enfim... pobretes mas alegretes!

Tomámos conhecimento, pela comunicação social, que os portugueses, apesar de serem pobres e de se sentirem desmoralizados, dizem ser felizes!
De facto, numa escala de zero a dez, a felicidade dos portugueses chega a 7,3!
Enfim... pobretes mas alegretes!

Num país socialmente debilitado e mergulhado numa profunda crise económica, onde mais de um terço do povo vive em condições de precariedade, onde a taxa de desemprego continua em crescendo, onde jovens com qualificações superiores não têm emprego, onde os idosos recebem reformas de miséria, a felicidade dos portugueses chega a 7,3!
Enfim... pobretes mas alegretes!

Num país onde a Escola Pública está ferida de morte e onde, no Ensino, impera o facilitismo para que as estatísticas sejam um deslumbre de sucesso, na UE; num país onde a Justiça está num caos e os processos se vão arrastando, numa exasperante lentidão; num país onde a Saúde é só para quem a pode pagar e o Serviço Nacional de Saúde tem vindo a ser, paulatinamente, desmantelado; num país onde a corrupção e o nepotismo já não espantam ninguém, a felicidade dos portugueses chega a 7,3!
Enfim... pobretes mas alegretes!

Se calhar, hoje, depois do Ministro das Finanças ter, alegremente, anunciado que a crise acabou e depois de se ter tornado público que, à beira das eleições, os cérebros da campanha on-line de Obama se deslocaram ao nosso país, para estarem em Lisboa, com o PS, a felicidade dos portugueses não ficaria só nos 7,3!
Seguramente, rebentaria a escala! De esfuziante alegria!
Enfim... pobretes mas alegretes!

MC