sábado, 29 de janeiro de 2011

Tricotando com palavras II

Hoje apeteceu-me retomar o meu tricot com palavras.

I

Na esteira de Cesare Pavese, que escreveu a frase “ o mar parece azeite”, escrevi, um dia, que “o mar parece um oleado ondulante e pardo”. Não é aquele, nem este mar que quero tricotar!

O dia está bonito, embora frio e o mar que, hoje, vem até mim, é aquele mar resplandecente de beleza, sereno e murmurante, da minha infância.

E, desajeitada e comovida, é essa massa líquida, imensa, translúcida, de um azul profundo, salpicado de luz, que não quero rematado por espuma mas, por gatinhos brancos, que saltitam, rebolam e brincam contentes, libertos da dor de pensar, como o gato de Fernando Pessoa, que vou tricotar.
Estes gatinhos, só meus, não brincam na rua, brincam na areia, também, como se fosse na cama e, sem molhar as patinhas felpudas, são a mais bela cercadura viva, para esse mar do meu encantamento.
E, no meu vestido azul, enfeitado de veludo branco, que me fica tão bem, eu tricoto
esse mar magnífico, com os meus novelos azuis, bordados a fio de prata e com os
meus novelos brancos, cansados de tanta brincadeira!
E, à medida que se desenrolam os novelos e as malhas se entrelaçam, enroscam-se, ternamente, no ar, a música sorridente de Mozart e o perfume, suave e macio, dos lírios do campo, da lavanda, da alfazema e do tomilho.

Mas a noite cai e um outro dia nasce...

II

Na claridade límpida e serena da madrugada, o mar, que vejo, é azul cristalino, com pinceladas de cor-de-rosa, salpicado de ouro e vai-se aproximando, devagarinho, num brando marulhar, ao encontro da areia dourada, fina, macia e húmida que o espera, também ela, témula e ansiosa. E o mar, num redemoinho de emoções, numa ondulação aos tropeços, o cor-de-rosa agora o vermelho da paixão, espraia-se nela e, cobrindo-a com um rendilhado delicado de espuma, qual renda de bilros, abraça-a, beija-a e sussurra-lhe inconfessáveis segredos, envolvendo-a nas suas ondas mansas, para logo se fundirem num abraço de luz!
Depois, na languidez preguiçosa, apaziguada, do amor saciado, ele deixa-se ficar, a revoltear, junto dela, numa suave ondulação.
E, eu, no meu vestido azul claro, com pinceladas de rosa e de vermelho, vaporoso e quase translúcido, tricoto este mar enamorado e a areia, sua amante, com os meus novelos macios, a fio de luz entrelaçados! Deles emergem, suavemente, a melodia de “Für Elise” de Beethoven, o cheiro delicado e pensativo das gardénias, e a involvência perfumada das rosas e do jasmim.


É tempo de arrumar esta longa tira de palavras tricotadas!
E, francamente, não sei se gosto deste meu tricot de ponto incerto...

MC

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O LODAÇAL

Esta campanha, para eleger o próximo Presidente da República, que deveria permitir uma fundamentação séria, avisada, para uma escolha consciente, dos eleitores, tem-se vindo a transformar, para nosso espanto, num pântano fétido, de ataque à honra de um dos candidatos!

Cavaco Silva, quer ele tenha cometido erros crassos, durante o seu mandato, e cometeu muitos, como por exemplo, quando o seu silêncio foi uma tremenda e mesmo ofensiva omissão; quando promulgou legislação que não deveria ter sido promulgada, e destaco muita, no âmbito da Educação; quando deu inteiro apoio a uma ministra da educação, estupidamente prepotente, que, no entanto, elogiou, enquanto ela, vergonhosamente, desautorizava e destratava os professores e desmantelava, paulatinamente, a escola pública; quer se goste dele ou não, a verdade é que Cavaco é, na pobre panóplia ao nosso dispor, o único candidato que tem a experiência necessária para o desempenho do cargo, e o único que oferece alguma estabilidade constitucional e credibilidade política.

Fernando Nobre é um senhor, um médico, fundador da AMI, um humanitário, mas não é, nunca foi, um político, no sentido restrito do termo!
Aliás, penso que este Homem de causas e de honra não condiz com a política, fria e insidiosa, com que parece querer comprometer-se, e fica bem a fazer o Bem!

Manuel Alegre está velho e evidencia, nas palavras e nas atitudes, traços de senilidade e de desnorte. Ele é, indiscutivelmente, um homem do passado, um diletante, que nunca, até hoje, apresentou uma ideia inovadora, uma proposta credível, uma alternativa válida, para este pobre país, mesmo à beira da falência!
Pelo contrário, a sua campanha tem assentado, invariavelmente, no insulto fácil, na calúnia matreira, nas sucessivas e venenosas suspeições que tem lançado, sobre o seu principal adversário, Cavaco Silva!
A campanha eleitoral de Alegre tem-se, assim, transformado num imenso e pegajoso lodaçal, onde ele e os seus apoiantes chafurdam alegremente, tentando, em desespero de causa , manchar a honorabilidade de outro candidato, em vez de, com clareza e transparência, fazer o que lhe é devido: discutir ideias, dar a conhecer o seu pensamento, os seus valores, os seus princípios e os compromissos que se propõe assumir, como hipotético PR, a bem de Portugal!
Ao enveredar por uma campanha básica e rasteira, de ataque pessoal, ninguém sabe, concretamente, o que este homem pensa, ninguém ouviu dele palavras que dêem garantias de saber e de imparcialidade, que instilem confiança, e que indiquem um rumo concreto e possível, para o futuro!
Dele conhece-se, sente-se, apenas, o ódio, o despeito, a ânsia de poder que escorrem das suas palavras!

Os outros cadidatos, francamente, não conheço, mas pelo que tenho acompanhado, afinam, claramente, pelo mesmo primário diapasão de Manuel Alegre e, com ele, vão chafurdando, gostosamente, na lama, com que tentam atingir o mesmo alvo: Cavaco!

Oxalá a campanha eleitoral, que se tem resumido ao triste espectáculo de cinco incendiados candidatos contra um, termine já no dia 23, exactamente para se acabar com este ruído insultuoso e ensurdecedor, porque é tempo, e já se vai fazendo muito tarde, de começar a limpar este país, mergulhado, ele também, num negro lodaçal de corrupção, de incompetência, de mentira, de arrogância, de prepotência e da mais amarga pobreza!

E, com certeza, no sossego e conforto de sua casa, já passada a agitação destes dias, Alegre vai envergonhar-se da sua campanha de tão baixo nível, se realmente for o homem de bem que todos queremos, ainda, acreditar que seja!

MC

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Tricotando com palavras

Neste meu tricot, as palavras são os meus novelos e a esferográfica e depois, as teclas do computador, as minhas agulhas.

As palavras são preciosas, como jóias antigas! Mas, também são flexíveis e, deixam-se modelar, vestir, colorir e perfumar por aqueles que as amam e fazem delas, fonte inesgotável, de criação!
As palavras respiram a vida, tomam a forma, vestem-se da cor, compõem a música e exalam o perfume, que o Escritor quiser!
Mas eu, que não sou escritora, não sei se vou saber dar-lhes forma, vesti-las, perfumá-las e dar-lhes o tom certo!

Não sei, sequer, se vou saber tricotar com elas!

Hoje, apetece-me tricotar o mar, essa massa imensa, fantástica de água que exerce sobre mim uma irresistível atracção!

Como o tempo está escuro e feio, é o mar escuro e mau que, malha a malha, vou aqui, laboriosamente, tecer!

I

Na noite gelada e tempestuosa o mar é um abismo imenso, negro, rasgado por relâmpagos que ziguezagueiam e se despedaçam nas vagas encapeladas e violentas que batem fortes, em furioso turbilhão, contra as rochas e açoitam, endoidecidas, a areia serena e branda.
E, a música poderosa de Wagner, que traz consigo laivos de vermelho que lembram sangue e que lembram guerra, irrompe das profundezas desse abismo aterrador, com o cheiro a raiva, a vingança, a sal e a algas.
E eu tricoto esse mar com as palavras pesadas, assustadoras que são os meus novelos de escuridão e de pesadelo!
Foi muito penoso tricotar este mar, de vagas enormes, a ribombar, alterosas, e a contorcer-se enfurecidas, como serpentes poderosas, ressumantes de veneno!

Enganei-me no ponto e deixei caír malhas, como lágrimas.

Estou cansada e encolho-me, com frio, no meu vestido escuro, com laivos vermelhos
que lembram sangue e lembram guerra.

II

O tempo não muda e o mar reflecte o céu que continua cinzento e agora quase, mas quase, esverdinhado, viscoso e pardo. Este é o mar gélido, desolado dos náufragos, dos suicidas, do desespero e da loucura!
E, eu, no meu vestido preto, opaco e feio, tricoto este mar de infelicidade, de vidas violentamente interrompidas, este mar onde repousam sonhos em pedaços, projectos destroçados, farrapos de Esperança perdida!
Tricoto com os meus novelos cinzentos, baços e tristes e neles, agora, é Chopin que chora baixinho! E, as minhas lágrimas secas, febris, doentes, diluem-se no choro dorido da sua música e formam, juntas, um rio de revolta, de cansaço e de compaixão!
Cheira a velas e a flores murchas, informes, apodrecidas! Como os afogados, como os sonhos desfeitos, como os projectos, para sempre, apenas projectos, como os farrapos de Esperança destroçada!

Esgotou-me, tricotar este mar a cheirar a morte e a podridão!

Arranco de mim, este vestido preto, opaco e feio e guardo o meu tricot, de ponto incerto, à espera da luz, da cor, do calor do sol! E das risadas felizes da vida!

MC

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A bata amarela

Ontem esteve outro dia chuvoso, escuro e triste!

No hospital, como o tempo não tem importância nenhuma, esqueci-o e vesti a minha bata amarela, com dois bolsos pregados, onde guardo palavras, sorrisos, ternura e também suaves mentiras, inofensivas, mas, às vezes, tão necessárias!

Levei-lhe o chá, estive ao lado dela, duas ou três vezes, numa troca, breve, de palavras e de tímidos sorrisos.

Depois de alguns anos, penso que aprendi a decifrar algumas das marcas que a doença vai deixando e quando o momento implacável e temido está próximo, sinto e quase cheiro, aquela vibração estranha, medonha, que fareja excitada, teimosa e circunda, circunda, maléfica, faminta, a sua presa indefesa!

E, ontem, de repente, num angustiado sobressalto, senti-a, invisível mas forte, rondar gulosa, quase palpável, a cama dela.

Fazia-se tarde, estava escuro mas antes de despir a minha bata amarela, fui vê-la. Emaciada e imóvel, recebeu-me com a sombra de um sorriso. Estava contente: teria alta no dia seguinte e ía, enfim, ver as suas meninas, duas cadelas jovens, uma Labrador e uma Boxer.
Teria de matar as muitas saudades que tinha delas, de longe, dado o seu estado de fraqueza e a pujante força das meninas que, se a vissem e se pudessem, correriam para ela, num arremesso incontrolável, loucas de alegria!
Depois, numa mudança súbita de assunto, disse-me que gostaria de ser voluntária.
Do meu bolso, tirei, então, muito de mansinho, uma mentira, daquelas que não fazem mal e disse-lhe que, quando estivesse melhor e tivesse recuperado forças, seria recebida, no voluntariado, de braços abertos.

Com o olhar vago, sem uma alteração no rosto de uma palidez de cera, numa voz baixa e monótona, disse-me , com uma confrangedora naturalidade, que era uma doente oncológica, em fase terminal avançada!
Disfarçando uma profunda emoção, procurei, com os meus dedos gelados, nos bolsos da minha bata amarela, a serenidade que sentia faltar-me e as palavras certas para lhe dizer. Mas não foi preciso! Com a mesma estranha calma, o mesmo olhar vago, a voz sem expressão disse-me que, medicamente, tinham já sido esgotados todos os caminhos e, com um suspiro, acrescentou um lacónico, “É a vida!”
Encolheu o ombro direito e foi como se já se tivesse desligado de tudo ou, de quase tudo.
Senti, com um arrepio, a pungência daquela aceitação, daquela entrega, aquela dádiva, calada, de si mesma, a um destino cruel. Talvez possa dizer que pressenti o lampejo de uma dolorosa desistência, mas desistir será, afinal, aceitar que não vale a pena lutar contra o inelutável, não sei!
Antes de eu poder articular uma palavra de coragem ou de consolo, disse-me que não tinha medo da morte. Temia, isso sim, a degradação e a dor!

Por momentos, não sei se devido a um excesso da minha imaginação, se devido a uma ligeira e momentânea fraqueza emocional, pareceu-me vê-la, branca e leve, quase etérea, elevar-se, ligeiramente, acima da cama.

Sentei-me, respirei fundo e, com a mão direita dela, transparente e fria, nas minhas, com o meu olhar fixo naqueles olhos vagos e sem brilho, a magnitude da minha impotência perante a crueldade do inexorável, a insignificância e a inutilidade da minha compaixão, das minhas mãos estendidas, das minhas pequenas mentiras e a vaga alterosa, avassaladora da minha infinita tristeza, atingiram-me, em cheio, como uma bola imensa, de fogo e de gelo! Como sempre, nestes casos!

E, como a chuva não tem realmente importância nenhuma, quando saí, não reparei que caía uma chuva branda e gélida que se misturou, com as minhas lágrimas grossas, pesadas, a cheirar a cansaço, a doença e a sofrimento, suavizando-as, purificando-as!

Não devo voltar a vê-la, mas uma centelha dela, da sua coragem, da sua capacidade de aceitação, ficou comigo, bordada com linhas de sombra e de luz, no tapete da vida que vou tecendo, embelezando-o, enriquecendo-o!

Chama-se A... e tem vinte e sete anos!

MC

domingo, 9 de janeiro de 2011

Um dia perfeito

Hoje, a bruma cinzenta do dia fez-se radiosa claridade: repousei com Antero, na Mão Direita de Deus; Não quis, do fruto, só metade e saboreei-o, inteiro, com Torga; Amei perdidamente com Florbela, Li palavras que nos beijam, como se tivessem boca, com O`Neill; Deleitei-me na terra que tem palmeiras onde canta o sabiá, com Gonçalves Dias e, agora que estou de volta, deixo-te, meu amor, estes versos, que Vinicius segredou, baixinho, ao meu ouvido:

Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
...
Que todos os caminhos
Me encaminham pra você
...
Não há você sem mim
Eu não existo sem você!

Foi um dia perfeito!!

Nota: Este texto foi escrito ontem, dia feio, chuvoso e escuro! Hoje o sol brilhou e encheu o meu dia de luz, de cor e de alegria! O meu coração pulsou mais forte e os meus olhos pintaram tudo, ao meu redor, com a cor da Esperança...

MC

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Chuva

A chuva é benção, mas também pode ser praga...

O tempo continua chuvoso e escuro, tão húmido e doentio que até a alma perde a graça, mirra e cria bolor... Enfim, um tempo feio e descolorido, como este país à beira do abismo!

Céus, como gosto da alegria radiosa do Sol que polvilha de luz o meu coração, invade, morno e aconchegante, todos os recantos de mim e cobre de ouro a rua, as casas, as árvores, a lama...

Os dias sucedem-se, na sua marcha inexorável, dissolvidos na chuva gelada que cai, ora mansa, ora aos borbotões e na bruma pesada e opaca que envolve a cidade.

A chuva é benção, mas também pode ser praga...

Outro dia molhado, baço, cinzento e triste!
E, eu, perdida na tristeza deste horizonte brumoso, sem forma e sem cor, já não sei como se rabisca o Sol.. já me esqueci com que cor se pinta o Sol que a chuva apagou...
E, pérolas líquidas, de uma chuva que não pára nunca, escorrem nas ruas e deslizam frias e translúcidas, sobre as casas, as árvores e sobre o meu coração cansado...

A chuva é benção, mas também pode ser praga...

MC

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Desejos

Desejo a você...
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Noite de lua Cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus.
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho
Escrever um poema de Amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Aprender uma nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-do-Sol na roça
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Calçar um velho chinelo
Sentar numa velha poltrona
Tocar violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel...
E muito carinho meu".

Carlos Drummond de Andrade

Deus, como eu também desejo não ter de ouvir a palavra não, nem nunca, nem jamais, nem adeus!

Como eu desejo voltar a saborear, num consolo de menininha gulosa, o fruto carnudo do mato e rever, comovida, num recolhimento de prece, o pôr-do-sol africano, incandescente e breve!

Como eu desejo rever aquela velha amizade, perdida na agitação dos dias, talvez morta, no tumulto da vida!

Como eu gosto e desejo sempre, calçar os meus chinelos velhos, para descansar os pés exaustos, dos tropeços da jornada!

Como eu gosto e desejo sempre, sentar-me na minha poltrona, com a forma do meu corpo, e ler um bom livro, ouvir Beethoven baixinho, comer uma maçã, suculenta e doce, dormir uma soneca gostosa e sonhar...

Mas, sobretudo, como eu gosto de saber, e não apenas desejar, que tenho aquele ombro amigo que me acolhe, que me abraça, que me consola e se alegra com as minhas alegrias! E, nunca fazendo perguntas, dá, sem nada pedir em troca!

Tudo isto e muito mais, te desejo a ti, Amigo meu!

MC