terça-feira, 18 de novembro de 2008

Em jeito de reflexão...

Talvez, a extensa carta que, no fim de carreira, escrevi aos meus Alunos, não faça sentido neste Blog, dedicado à Poesia. Se assim for, peço, desde já, desculpa mas, como já o disse, não sou, por natureza, politicamente correcta, sou, mesmo, um bocadinho desalinhada!

No entanto, dadas as circunstâncias, receio e lamento profundamente, que os Professores de hoje, atendendo à indisciplina, desmotivação e desvario que grassa na Escola Pública, não tenham condições para se  realizarem na nobre profissão que escolheram e não possam ter a alegria que eu tive, quando, no fim de uma carreira, muito gratificante e plenamente vivida e saboreada, pude escrever, aos meus Alunos, uma carta carregada de afecto e de orgulho! Pelo seu bom aproveitamento escolar, pela sua gentileza, pelo seu delicioso "saber estar", numa sala de aula!!

A avaliação não é uma descoberta importantíssima da Ministra!
Avaliada fui eu sempre e comigo, todos os Professores, todos os dias, em todas as aulas,  pelos mais argutos juízes: os Alunos e os seus Encarregados de Educação!Como avaliada tem sido, negativamente, mesmo muito negativamente e publicamente, a Ministra da Educação!Para meu desgosto, acredito piamente que o Primeiro Ministro, a Ministra da Educação e seus inefáveis Secretários, se lessem a carta, tão simples e clara que eu,  com o coração nas mãos, escrevi aos meus Alunos, não a entenderiam pois, o que lhes sobra, em doses industriais, em incompetência, autoritarismo, arrogância, prepotência e rudeza de atitudes e linguagem, falta-lhes, em igual medida,  uma sólida cultura, competência, sensibilidade, bom-senso, e elegância de trato e de discurso! Lamentavelmente!!!

Maria Celeste S. M. Carvalho
Professora Aposentada do Ensino Secundário.

domingo, 16 de novembro de 2008

Eu, vossa Professora, desejo-vos...

Meus queridos Alunos,


Depois de trinta e seis anos como Professora, chegou, no dia vinte e cinco de Setembro de 2007, o momento de vos deixar.A minha aposentação foi um grande turning-point na minha vida! Um turning-point desejado, necessário  e esperado que, no entanto, me deixou, plasmado na alma, aquele indefinido mas amargo travo de Saudade! De todos vós!

Hesitei muito antes de vos escrever esta carta. Porém, após todos estes meses, decidi "conversar" um bocadinho convosco, para vos desejar felicidades, para vos dizer que nunca vos esquecerei, para vos agradecer por terem dado tanto colorido e encanto aos meus dias, mesmo aos mais cinzentos, e para para vos chamar, mais uma vez, pela última vez, "meus"! Porque todos, e cada um de vós, foram, realmente, um pouco "meus"!

Ao longo dos anos, tantos anos, fui tendo notícias de alguns; perdi o contacto com quase todos mas, espero que estejam bem; outros perderam-se e perdi-os.Enquanto vos acompanhei, vi-vos crescer e cresci convosco; ensinei-vos e aprendi também; dei-vos afecto e recebi o conforto da vossa atenção e da vossa alegria.

No fim do ano lectivo, ofereciam-me, geralmente, uma rosa orvalhada de carinho  ou, um ramo de flores lindas, perfumadas e brilhantes, polvilhadas de ternura, que eu apertava contra o peito e salpicava com lágrimas de emoção e incontido orgulho!Pelo vosso aproveitamento escolar, pela vossa gentileza, pelo vosso delicado "saber estar"! 
Depois, à despedida, pediam-me, invariavelmente, que as guardasse, com o cartãozinho assinado por todos e davam-me, mesmo, algumas sugestões para melhor as secar, como se, nas suas pétalas secas, frágeis e amareladas, fosse possível eternizar aqueles momentos de doçura e encantamento, representativos de um período particularmente feliz e despreocupado da vossa Vida!

Na verdade, meus queridos, esse é o desejo ancestral e jamais realizado de todos nós: poder fazer parar o Tempo e o Mundo nas horas de mágica plenitude, quando o nosso coração quase explode de felicidade e alegria e o céu nos parece tão perto que quase podemos tocá-lo com a ponta dos nossos dedos!

Mas, aconteça o que acontecer, enquanto um só de vós se lembrar da Escola, dos colegas e de mim, voltaremos a estar juntos e vós sereis, de novo, adolescentes estuantes de energia e de Esperança e eu estarei lá, ao vosso lado, igualzinha à professora que trabalhou, riu e aprendeu convosco!
E, a rosa, orvalhada de carinho, continuará fresca, bonita , mais radiosa ainda, porque nimbada pelo brilho mágico que só a memória confere a tudo o que, enternecidamente, guarda!
É esse o poder espantoso do Amor, da Amizade e da Saudade, também!

Escrevo-vos hoje, meus queridos, para vos desejar o melhor e o mais belo de tudo!Todos sabemos, porém, que não vivemos num Mundo virtual de alegrias mil, num paraíso róseo de sonho e magia mas, num Mundo real, feito de dias de cansativa rotina, de momentos de fantástica felicidade e de horas de esmagadora tristeza!
Não quero com isto dizer que a vida seja simplesmente branca ou negra porque, é, no seu todo, um deslumbrante caleidoscópio de sentimentos e de emoções, um turbilhão  incandescente e tumultuoso, de encontros e de desencontros! Connosco e com os outros!

Mas, a vida é também desafio que devemos aceitar de coração aberto,como aceitámos a missão que nos foi destinada e nos é entregue no dia em que nascemos. Porque, estranhamente, os desafios com que a vida se entretém a pôr-nos à prova, são sempre, por um desígnio superior qualquer, à medida das nossas forças, como a missão, (ou, será destino?), que nos coube em sorte cumprir.

À medida que crescemos e crescemos enquanto vivemos, vamos compreendendo que o nosso percurso, na vida, é a subir. Por isso, meus queridos, o caminho é, aqui e ali, difícil, tortuoso, íngreme!
Às vezes, tropeçamos, desequilibramo-nos, caímos e vemos esfacelarem-se, no chão, algumas das nossas crenças e ilusões, alguns dos nossos projectos, algumas das nossas mais douradas aspirações!

Contudo, porque assim tem de ser, levantamo-nos, recolhemos nas mãos, manchadas de pó e de lágrimas, os pedaços rasgados dos nossos sonhos, curamos as nossas feridas e prosseguimos, sempre em frente, sempre a subir, hesitantes nas encruzilhadas, parando cautelosos à beira dos precipícios que aparecem, quando menos se espera.Para nos ajudar, nesses momentos de hesitação perante o desconhecido, de terror frente ao abismo, podemos recorrer às nossas referências, à nossa consciência, ao nosso bom-senso e, com alguma cautela, ao nosso coração!
Porque, meus queridos, nem sempre podemos "ir onde ele nos quer levar"!

Se é verdade, que a estrela que se esconde no nosso coração e nos guia, nunca empalidece, nem mesmo quando o corpo evidencia já sinais de decadência, também não é menos verdade, que este companheiro precioso que nos mantém vivos, nunca envelhece e conserva, ao longo da vida, o mesmo ímpeto, a mesma ousadia, a mesma irreverência, a mesma paixão da juventude.
E, é essa sua fogosidade apaixonada que pode ser perigosa! Em certas situações!

Um grande escritor inglês comparou a vida a um tapete que vamos tecendo dia a dia, hora a hora. Nele, a nossa vida seria, ponto a ponto, bordada, a sangue e a espinhos, a fios de luz e a rosas, e as pessoas que fossem cruzando o nosso caminho, nele deixariam as marcas de fogo ou de gelo, da sua bondade ou da sua perfídia, do seu amor ou do seu ódio, da sua amizade ou do seu despeito, da sua dedicação ou da sua indiferença.
Muitas vezes, tenho pensado que, quando eu tiver cumprido a minha missão,( ou, será destino?), e desdobrar, aos pés de Deus, o tapete que laboriosamente teci, muitos serão os motivos lindos, coloridos, luminosos e macios que todos vós, alunos meus, ali terão deixado gravados!

E, eles contribuirão, com a beleza pura do seu recorte, para a redenção de todos os pedaços negros, pantanosos, medonhos, dos meus desencontros comigo mesma, dos gritos mudos dos meus terrores, dos momentos amargos do meu desespero, das horas pungentes do meu cansaço!

Talvez, nesta dualidade de luz e de sombra, nesta certeza de que tudo o que fazemos tem um peso e será a medida justa da nossa salvação ou da nossa condenação, esteja contido o sentido da vida!

Desejo, meus queridos, que a nível profissional tenham sido e sejam sempre bem sucedidos,(alguns de vós, eu sei, são nomes já altamente credenciados nas profissões que escolheram); desejo que se realizem plenamente, se valorizem e se agigantem, moralmente, cada dia que passa! Confio no vosso sentido de responsabilidade, no vosso empenhamento, na vossa combatividade! Mas, também confio na vossa solidariedade, na vossa generosidade e sei, que quando descansarem, serenos e aconchegados no conforto doce e tépido das vossas casas e estenderem à vida as mãos cheias de tudo, não vão esquecer aqueles que, transidos de dor e de frio, arrastam o peso insuportável de uma existência cheia de nada!

Desejo, igualmente, que tenham encontrado ou, venham a encontrar, o Amor da vossa vida, na pessoa certa, que vos ame, vos acarinhe, vos aprecie e não traia nunca a vossa alegria, a vossa confiança, a vossa inocência!
Um Amor que percorra convosco o tal caminho sempre a subir mas que, amando-vos e amparando-vos, vos dê inteira liberdade para escolher e decidir, frente às encruzilhadas, e vos deixe crescer e voar livremente no azul infinito dos vossos anseios!

Mas, também vos desejo um Amigo, alguém que, em certos momentos, é mais precioso do que um Amante, pois o sentimento de posse que, por força da relação amorosa, lhe é inerente, pode fechar-lhe a alma, embotar-lhe os sentidos e, por isso, não compreender, não ver e, às vezes, mesmo sem querer, sufocar e destruír!
Um Amigo não é assim!

Um Amigo, meus queridos, é como um raio de sol que, atravessando o céu pesado, triste e escuro de uma manhã chuvosa de inverno, enche de luz e encantamento todos os recantos do dia e cobre, de ouro e de pérolas líquidas, as pedras do chão, a lama, as árvores!
Esta é a razão porque, hoje, desejo, ao vosso lado, alguém que saiba dar, sem nada pedir em troca, que repouse, apaziguado, na vossa paz e vos apoie, firme e ousado, nas vossas batalhas e nunca, mas nunca, faça perguntas!


As horas foram passando e um novo dia desliza, lentamente, ao encontro da noite que se esvai, para, num longo e silencioso abraço, a diluir, definitivamente, na sua claridade branca e fria.
E, esta hora de mansa quietude, suspensa, entre a noite e a madrugada, é o tempo certo para dar por terminada esta minha "conversa" convosco.

Gostaria, meus queridos, de vos ter escrito a mais bela carta, jamais escrita, de ter inventado, para vos dizer, as palavras mais bonitas, jamais ditas, de ter criado, só para vós, as imagens mais delicadas, jamais criadas.
Não fiz, naturalmente, nada disso!

Ao reler estas linhas, penso mesmo que, tendo divagado tanto, teria, afinal, bastado ter-vos dito que vos amei, ensinei e orientei, como se fossem, realmente, "meus", que vos amo e que quero, do fundo do meu coração, que se sintam sempre de bem convosco, com os outros, com a vida!

Quero, meus queridos, que sejam felizes e, talvez, muito mais do que isso, porque a felicidade também se aprende, que saibam ser felizes!

Vossa Amiga para sempre,

MC

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Eu já não sou eu...

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E me tiver perdido
Nas voltas que o tempo deu!

Procurei-me e não me achei...
Perdi-me no tempo voraz... ruim
Que, indiferente, passou...
A correr, veloz, por mim!

E a quem me perguntou
Não soube dizer quem sou...
Nem para onde devia ir.

Perguntei qual o caminho
De volta ao tempo...
Ao tempo em que eu era eu.
Mas, ninguém me quis ouvir...
Ninguém me viu...
Ninguém me respondeu.

O poema levou-me no tempo
Perdi-me... Não sei onde estou!
E... no turbilhão sem fim
Das voltas que... o tempo deu
Perdi-me... da poesia
Que me amarrava... a mim.

E, sem alma...cega...vazia
Nas voltas que o tempo deu...
Perdi-me... não sei quem sou
Perdi-me...eu já não sou eu!

MC

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Desencontro

Revejo-te mas não te vejo,
Há quanto tempo é assim?
Diz-me, amor, porque não sei,
Como te perdeste...
De mim?


Sinto ainda a ternura
Das tuas mãos
Nas minhas...
No veludo das rosas, da pele
Na suavidade da seda
Na fuidez do cetim...

Reconheço o brilho dos teus olhos
Em todas as estrelas
Que brilham
Cintilantes e longínquas...
A fio de luz,
Bordadas...

Vejo o teu sorriso macio
Na doçura
Clara e húmida
Das serenas madrugadas...

Escuto a tua voz e o teu riso
Em todos os sons...
Harmoniosos,
Do mundo...
Na água saltitante dos rios...
Nos campos... na rua...
Na música... nas fontes...
No mar azul, profundo...

Revejo-te, escuto-te e sinto-te
Procuro-te...
Chamo-te...
Espero-te...
Nunca te encontrei...não te vi...
Diz-me, amor, porque deixaste
Que me perdesse...
De ti?


MC

terça-feira, 11 de novembro de 2008

O mar no seu lugar pôr um relâmpago

A Criação Poética

Cesare Pavese usou a expressão " O mar parece azeite" e Luís Miguel Nava escreveu o verso "O mar no seu lugar pôr um relâmpago".
São duas frases poéticas, a propósito das quais vou permitir-me divagar, com singeleza e humildade, porque a Poesia, no verdadeiro sentido da palavra, não habita em mim! Não sou poeta! Não é poeta quem quer, ou quem escreve muito, mas quem, como se fora um deus, tem essa chama mágica, esse dom precioso, dentro de si!
O poeta escolhe as palavras, brinca com elas, junta-as, separa-as, mistura-as, a seu gosto e nascem frases assim. como aquelas duas.
O mar, a mim, nunca me pareceu viscoso como o azeite, mas, talvez deslumbrante, como uma cascata luminosa, translúcida de espuma, encantador como um rebanho de carneirinhos brancos e azuis ou, aterrador como um abismo negro, insondável, medonho, em noite de temporal!
Eu nunca pensaria substituir o mar por nada, talvez porque o mar sempre fez parte da minha vida e tenho, por essa massa líquida, imensa e magnífica, com cheiro a sal e a algas, uma atracção irresistível!
Mas, se o fizesse, porque não substituí-lo por um vasto campo de miosótis, pequeninos e azuis, onde eu pudesse dançar descalça, ao som de uma melodia fantástica e única, que o mar tivesse composto e tocasse, onde quer que estivesse, só para mim?
Falando de criação poética, muitos poemas, partindo da fixação descritiva de um determinado aspecto da realidade exterior - a paisagem, o céu, o mar, as flores, os animais - desenvolvem-se num lirismo puro, através da análise de vivências, (experiências), sentimentos, emoções e ideias.
Fernando Pessoa, ortónimo, num dos seus belíssimos poemas sobre a impossibilidade de compatibilização entre o pensar e o sentir, (a dor de pensar), observa o gato que saltita na rua e "pegando" nele, segreda-nos, baixinho, essa dor que o consome:

Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.

Há na escrita poética uma abolição de espaço e de tempo, uma libertação do real e, sempre presente, o anseio do poeta tocar o infinito, o inefável, o indefinível e transcender-se, transcendendo, assim, a realidade.
Nesse sentido, a sintaxe rigorosa dissolve-se pois, a poesia tendendo para a musicalidade, para o ritmo, não pode ser espartilhada por regras, sejam elas quais forem!
A este respeito, Fernando Pessoa afirma: "A arte que se faz com a ideia, e portanto com a palavra tem duas formas - a poesia e a prosa.... Poesia e prosa não se distinguem, pois, senão pelo ritmo. O ritmo corresponde, é certo, a um movimento íntimo da alma ..."
No texto lírico, poético não existe uma história para contar, não é uma narrativa, nem o poeta pretende despertar, no leitor, o desejo de saber como vai acabar o poema.
Como Gomes Ferreira, singelamente, nos confessa, neste extracto de um bonito poema:

" Que bom não saber como um poema acaba!
(...nem que sol segreda
O fio de baba
dos bichos-da-seda).

Apenas palavras que se buscam no papel
Com astros dentro famintas de encontrar."

O carácter não narrativo e não discursivista do texto lírico acentuou-se sobretudo com o movimento literário - o simbolismo.
A Poesia simbolista é uma arte subjectiva e fragmentária, que, como a música sugere,
não diz!
Ao som plangente do seu "Violoncelo", pareceu-me sentir Camilo Pessanha guardar, num suspiro triste, pesado de lágrimas, a sua profunda mágoa e o seu aterrado espanto pela perfeita actualidade do seu poema, datado do fim do século XIX, no País, decadente, quase em ruptura, em que hoje vivemos! Ou, será: em que hoje temos de sobreviver?
Pois, como escreveu José Augusto Saraiva, "...das arcadas do violoncelo emerge um choro convulsivo, que é justamente uma elegia pela pátria amortalhada... este poema, de 1900, é um requiem por Portugal...,na curva mais funda da sua decadência".
Neste belíssimo poema, Pessanha recorda-nos a simbologia da passagem das águas do rio e o som choroso, nostálgico do violoncelo!

Violoncelo

Chorai arcadas,
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...

De que esvoaçam,
Brancos os arcos...
Por baixo passam,
se despedaçam,
No rio, os barcos,

Fundas soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas(ouçam)!
se se debruçam,
Que sorvedouro!...

Trémulos astros...
Solidões lacustres...
- Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!

Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
- Chorai arcadas,
Despedaçadas, do violoncelo.

Contudo, para se escrever um poema, tem de se ter experiência, lembranças que se esqueceram mas, que retornam, cristalizadas em nós. O poema não é só sentimento, emoção! É trabalho, aperfeiçoamento e busca.
Como Rainer Maria Rilka afirma num texto admirável e muito belo: " ...Ah, os poemas são tão pouca coisa quando os escrevemos cedo. Devia-se esperar e acumular sentido e doçura ao longo de toda uma vida...Pois os versos não são só sentimento (esses têm-se cedo que baste),- são experiências. Por causa de um verso, tem de se ver muitas cidades, pessoas e coisas, tem de se conhecer os animais, tem de se sentir como os pássaros voam e de saber os gestos com que as pequenas flores se abrem pela manhã...Tem de se ter lembranças de muitas noites de amor..., de gritos de trabalhos de parto e de mulheres que dão à luz, leves, brancas, adormecidas e se fecham....E também não chega que se tenha lembranças. Tem de se poder esquecê-las... Porque as próprias recordações não são nada.Só quando se tornam sangue em nós, e olhar e gestos, já sem nome e impossíveis de distinguir de nós mesmos, só então pode acontecer que, numa hora muito rara, desponte no meio delas a primeira palavra de um verso e delas se desprenda."

E, a propósito de duas frases poéticas "O mar parece azeite" e " O mar no seu lugar pôr um relâmpago", o que eu divaguei, os caminhos que trilhei e o que eu gostei de escrever este texto, com Pessoa, com Rilka, com Gomes Ferreira, com Camilo Pessanha, a meu lado! Tão extenso e tão incompleto...
Foi, também, privilégio meu, ter junto a mim, bem ao alcance da mão, o precioso apoio
do Professor Doutor Vitor de Aguiar e Silva, de quem tive o imenso gosto e a honra de ter sido aluna!

" O mar parece um imenso oleado, ondulante e pardo " e "O mar no seu lugar pôr incontáveis cerejeiras em flor e uma fonte´imensa de água e de luz"! Um mar só meu, muitas, muitas cerejeiras perfumadas, em flor, e uma fonte magnífica, só minhas! Para me encantar, para me libertar, para me encontrar e nunca, nunca mais me perder! De mim!

MC

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Os meninos de Angola

Os meninos de Angola
Já não se sentam à roda da fogueira.
Ninguém lhes conta histórias
Fantásticas, de encantar...
Nem adormecem
Ao som de velhas canções
De magia e de ninar.
Os meninos, apagada a fogueira,
Nunca conheceram a escola,
os doces,
o riso
E a brincadeira...

Os meninos de Angola
Conhecem a guerra, a miséria, o sofrimento...
Cheiram a morte, a loucura, a chacina e o tormento
De um País martirizado, ferido, sangrado!


Os meninos de Angola
O olhar sem luz, distante, vago...
Perdido!
As mãos pequeninas, escuras, geladas...
Suplicantes, ainda...
Fecham-se em concha,
Cheias de nada!
Bocas ávidas, vorazes
Lábios finos, ressequidos
Sugam a Morte em seios secos...
Sacos vazios
Pendidos!

Os meninos de Angola
Já não se sentam à roda da fogueira
Jazem, agonizantes, sozinhos...
Na terra nua, vermelha...
Encharcada de lágrimas,
de sangue,
de horror...
Esqueletos vivos...
Barrigas redondas... enormes
Grávidas de fome!
Prenhes de Dor!
Corações inocentes, tristes, cansados...
Transidos de medo...
Transidos de frio...
Sob o sol africano, ardente...
Dardejante...sofrido...sangrento!

Angola...calor...raios de luz
Flamejantes!
Riqueza, quanta riqueza...
Fartura, gula só...para alguns!
Angola desumana...egoísta... gananciosa...
Indiferente...
Angola dos senhores e do esbanjamento,
Rica em minério
Petróleo e diamantes!
Abundância que os meninos não conhecem,
Que não os alimenta,
Não os ajuda a viver,
Nem os consola...

Os meninos de Angola
Perdida a Esperança...
Choram baixinho...
E há uma súplica dorida
No seu olhar perdido...
Nos seus gritos mudos, pungentes
Que se dissolvem no ar!
E, sem nunca ter sido criança,
Choram muito de mansinho...
E desesperam...
Desesperam...!

Será por mim,
Será por ti,
Será por nós,
Que os meninos clamam
E, ansiosos,
Ainda esperam?

Os meninos de Angola
Já não se sentam à roda da fogueira...
Vão morrendo devagar...
Devagarinho...
E jazem famintos, esgotados, doentes,
No chão...
Na pedra...
Na poeira...

Refeição adiada dos abutres
Que... medonhos, imóveis, gulosos, salivam...
Salivam gulosos...
E, pacientes, esperam...
Esperam...
Esperam...

MC

domingo, 19 de outubro de 2008

A bata amarela

Tenho uma bata amarela
Com dois bolsos
Pregados
Que visto no hospital.
Neles, guardo ternura,
Sorrisos,
Palavras,
Afagos,
E suaves mentiras,
Daquelas, que não fazem mal!

Pressinto e prendo nas mãos
Muitas horas
Sofridas
As dúvidas
Restos de fé perdida
Pedacinhos, esfarrapados
De Esperança,
Tristes lágrimas incontidas!
Mas, ainda mais do que a dor,
Guardo nas minhas mãos
O susto
O desespero
O pânico
E, um imenso terror!

Lá fora, brilha o sol...
Há risos, vozes no ar
Muita alegria
Na praça!
É a vida a brotar
Livre
Apaziguada
Apressada
Na gente sadia
Que passa!

Lá dentro, rostos velhos
Rostos jovens
Pálidos, esquálidos
Corpos ardentes de febre
Lábios secos
Cansados
Ansiosos
Dizem-me como em oração:
" Deus é grande!"
" Deus é Pai!"
E, fixam os olhos nos meus
À espera que eu diga:" Sim!"
" Estou melhor, hoje, não estou?"
E,fixam os olhos nos meus,
Inquietos, à espera,
Agora, à espera de mim!

Então, muito de mansinho
os meus dedos esguios
Trémulos
Desajeitados
Gelados
Tiram de um dos bolsos
Pregados
Da minha bata amarela
Que visto no hospital,
Uma suave mentira
Daquelas, que não fazem mal!

Quando a doença é feroz
E me estendem a mão
Transparente
Emaciada
Suada
Que eu aperto nas minhas
Sinto e cheiro
Impotente
Agoniada
Ansiosa
E aterrada
A estranha vibração
Da Morte que já fareja
Faminta
Gulosa
Excitada
E, ronda no hospital!

Sob a minha bata amarela
Que visto no hospital,
O meu coração agita-se
Num tremor mal contido!

Quem me vê, vê-me serena
Naquele momento supremo.
Mas, dentro, num grito
Mudo
Angustiado
Perdido,
A minha alma explode
E, esgotada
Incapaz,
Chora
Clama
E pergunta:
" Porquê tanto sofrimento?
Se existes,
Deus,
Onde estás?"

MC

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Uma Feira de Vaidades

Sócrates transformou a abertura do ano lectivo, numa feira de vaidades, numa das mais escandalosas campanhas de propaganda política a que temos assistido!
A propósito da abertura de escolas, sujeitas a alguma remodelação, o Governo tem-se desdobrado em acções mediáticas, contando sempre com a comparência da Televisão, da Rádio e da Imprensa, no local, e com a sua prestimosa e rápida eficiência na divulgação de tantas obras grandiosas e tantas mudanças inteligentes e maravilhosas, jamais feitas na Educação!
Sócrates, o omnipresente Primeiro Ministro fixa, ousado, a câmara que o filma, discursa exuberantemente, com um meio sorriso, a voz bem colocada, o gesto certo e, nos momentos mais dramáticos ou comoventes, com a mão no peito, numa bonita atitude de sinceridade e comoção; elogia, calorosamente, um Governo, em tantas áreas, inseguro e incompetente; louva, descaradamente, a Ministra da Educação, a mais medíocre, a mais arrogante e a que mais tem contribuído para o descalabro da Escola Pública que já passou pelo M.E. mas, sobretudo, e porque esta é, afinal, uma feira de vaidades, exalta-se, convictamente, a si próprio!
A "sublime" invenção do inefável Dia do Diploma e a "solene" entrega de cheques aos melhores alunos, num ano de particular facilitismo nos exames e na avaliação, seria, simplesmente, risível e profundamente ridícula, se não fosse o retrato triste de um triste e depauperado País!
Já agora, porque não ressuscitar, nas escolas, o velhinho "Quadro de Honra", banido, como um nefando resquício fascista, na era pós 25 de Abril? Era mais bonito, muito mais discreto e um motivo de regozijo para os alunos que nele vissem figurar o seu nome e uma forte motivação para os outros.
No tempo do fascismo de Salazar, quando a avaliação era dura e rigorosa, figurei eu no Quadro de Honra, do meu estabelecimento de ensino.
Que eu me lembre, nunca lá foi nenhum político, nenhuma personalidade importante fazer discursos e acalorados elogios, nunca lá foram fotógrafos para registar o evento para a posteridade, nem jornalistas para nos imortalizarem o nome, nas páginas dos seus jornais!
E, nunca ninguém do Governo ou pessoa notável nos felicitou ou, nos entregou cheques,
nem mesmo daqueles pequeninos!
Por isso, não concordo com quem diz, como já tenho lido, que esta ânsia de mediatismo, esta febre de propaganda política, estes longos discursos de patético auto-elogio, este bacoco marketing de imagem cheiram a bafio salazarento! Nesse tempo, ninguém sabia o que era marketing de imagem, os Media eram muito limitados embora selectivos e ainda se tinha pejo de fazer auto-elogios!
Na verdade, penso que tudo a que temos assistido na feira de vaidades que um Primeiro Ministro vaidoso tem vindo a organizar, terá o feitio, o recorte e, quiçá, o cheiro do egocentrismo, do exibicionismo e da prepotência de um certo senhor de bigode, eleito democraticamente mas que, perante a passividade bovina de um povo, deixou um País de rastos e coberto de vergonha!

MC

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Para a Xica ... com amor!

Os animais são uma das minhas paixões e muitos, especialmente cães e gatos, fizeram parte da minha vida, tornando-a mais bonita, mais terna e até, em certos momentos, menos solitária!
O animal que hoje aqui vou homenagear é, talvez, um dos mais belos e comoventes motivos da tela, onde vou registando, com tinta de luz ou de sombra, cada um dos meus dias, embora, na minha vida, tenha sido apenas uma doce e indelével referência: a Xica, uma pequena e graciosa macaca!
A tela a que realmente pertenceu e onde deixou gravada a sua marca, em pinceladas de amor, alegria e doçura, é outra, há muito tempo, interrompida!

Nasci em África. Uma África, então, pacífica, bordada de mar, enfeitada de cores alegres e cintilantes, envolta em sol e cheiros doces e fortes, num arrebatamento de pura beleza e imensidão!
Nesse tempo, faziam-se, ao fim de semana, longos e deliciosos piqueniques, mato adentro, alegres pretextos para convívios familiares e de amigos.
Num desses piqueniques, na Anha, ainda eu não era nascida, a minha Mãe viu e nunca mais perdeu de vista, o que ela pensou ser um macaco, ainda pequeno, meio escondido, fugidio, mas curioso e a seguir, interessado mas, à distância, a divertida reunião.
A certa altura, uns olhos grandes, escuros e redondos como contas, cruzaram-se com os olhos claros da minha Mãe. Olharam-se, mediram-se, entenderam-se e começou, então, um silencioso jogo de sedução e conquista.
Vencido o receio, uma mãozinha esguia, escura e felpuda, perdeu-se, confiante, numa outra, branca e fina que a acolheu ternamente. Ao cair da tarde, no regresso a casa, a pequena macaca, (afinal era uma menina ), que, decerto, se perdera do bando, já tinha um lar, uma família e um nome: Xica!

E, entre a senhora dos olhos claros e a pequena macaquita, nascia uma delicada mas forte relação de afecto e de uma imensa ternura!

Uns dois anos mais tarde, nasci eu e lembro-me de, já crescida, ver fotografias, aquelas fotografias antigas, a preto e branco, com uma pequena margem branca, recortada, onde a minha Mãe sorria e a Xica, os olhos grandes, escuros e redondos, como contas e a boca rasgada num pretenso "sorriso" de dentes brancos, se sentava no seu ombro esquerdo e lhe abraçava o pescoço alto e fino, com a mãozinha esguia, escura e felpuda; noutras, as duas, de mãos dadas, olhavam, divertidas, uma para a outra, numa afectuosa cumplicidade; em algumas, já eu aparecia, risonha, ao colo da minha Mãe, enquanto, a Xica, no chão, agarrada à sua saia, olhava atenta e enternecida, quero crer, mas não tenho a certeza, para nós duas.
Lembro-me de uma fotografia, onde eu e a Xica, estávamos sentadas numa esteira, eu, convencida que era a menina mais bonita da minha rua, fixava, em pose, o fotógrafo, que era, certamente, o meu pai, enquanto a Xica, a meu lado, se inclinava, para mim, com a mãozinha esguia, escura e felpuda pousada, docemente, no meu braço.
Mas, a de que eu sempre mais gostei, era aquela onde eu me aninhava, pequenina, nos braços macios da minha Mãe que sorria, com a Xica, empoleirada no seu ombro, a abraçar-lhe o pescoço alto e fino, ao mesmo tempo que, com o seu peculiar e rasgado "sorriso" de dentes brancos, transbordante de alegria, olhava, muito vaidosa, para o fotógrafo!

A Felicidade não é permanente! A Felicidade pode estar, simplesmente, nuns minutos, numa hora, quiçá, num dia, plenamente, radiosamente, vividos; pode estar no arroubo de um amor, julgado perdido; no instante fugaz mas perfeito de dois olhares que se cruzam e se dissolvem na mesma luz; na esfuziante alegria de um reencontro, há muito tempo adiado; numa notícia boa, ansiosamente esperada; num abraço apertado, tão desejado!
Ainda que inconscientemente, sempre pressenti que, naquela fotografia, tinha ficado, para sempre registado, um desses raros e mágicos momentos, de suprema Felicidade que a vida, às vezes, generosamente, nos concede!

E, os dias foram transcorrendo serenos e rotineiros.

Quando eu tinha dois anos, a minha Mãe adoeceu gravemente e viajámos, à pressa, para o Continente, na vã esperança de a salvar e onde, porque a doença podia ainda ser contagiosa, nenhum familiar nos quis receber! Foram amigos que nos ajudaram e acolheram! De coração aberto e sem medo, numa preciosa dádiva de solidariedade e de afecto!
A Xica e a Pequenina, a cadela enorme que, de pequenina só tinha o nome, lá ficaram,
em África, entregues aos cuidados dos meus tios.
A Pequenina deixou de comer uns dias e sentiu, profundamente, a falta dos donos mas, recuperou. O instinto primário de conservação da vida foi mais forte do que o desamparo da ausência, do que a agonia da saudade!

A Xica, a macaquinha meio-selvagem, encontrada sozinha no mato, não!
Deixou-se ficar, teimosamente, sentada num recanto do jardim, com os olhos grandes, escuros e redondos como contas, à espera de ver entrar a minha Mãe, a qualquer momento.
Nunca mais comeu, nunca mais quis brincar, recusou, furiosa, sentar-se no ombro da minha tia e nunca mais saiu do recanto onde seria mais provável ver chegar, enfim, a luz que lhe iluminava a vida, cada dia mais débil, os olhos, sem expressão, cada vez maiores e mais redondos!
Uma manhã, pouco tempo depois, os meus tios encontraram a Xica estendida, imóvel, as mãozinhas esguias, escuras e felpudas, abertas num pungente abandono, o olhar vazio, transfixo. Tinha morrido!

A minha Mãe, que faleceu meses depois, nunca soube que a Xica, a macaquita indefesa que resgatara do mato, resgatando-a, assim, da fome, da solidão e do perigo, tinha desistido de viver, mergulhada na tristeza da sua falta, esgotada pela angustiante expectativa de a voltar a ver e abraçar!
Eu, a filha única, desejada e querida, sobrevivi à dor, sem remédio, da sua perda; ao vazio, nunca inteiramente preenchido, da sua ausência; à amputação dolorosa do pequeno mundo dos meus afectos e bebi, cada dia de vida, a haustos longos e ávidos!Mas, a Xica não! A Xica desistiu e deixou-se morrer, presa numa dolorosa teia de amargura e afundada no desespero de uma infinita saudade!

Às vezes, nas minhas noites de insónia, como esta, imagino-as juntas, num jardim imenso, luminoso e perfumado: a minha Mãe sorrindo e a Xica, os olhos grandes, escuros e redondos como contas, para sempre feliz, sentada no seu ombro esquerdo, enquanto a abraça, amorosamente, com o seu bracinho longo e peludo, como na velha fotografia , a preto e branco mas, onde, incompleta, ainda permanecem vazios, os braços de minha Mãe!


Nota: Só é possível tirar a cria a uma macaca, matando-a! Imagino hoje, como a minha Mãe deve ter sentido então, o desespero da mãe da Xica e dela própria, quando, desgraçadamente, se perderam uma da outra!
Mas, só assim, a Xica pôde ser uma benção de dedicação, de ternura e de alegria na nossa família, especialmente, para com a senhora de olhos claros, a quem dedicou, amorosamente, inteiramente, a sua vida!


M.C.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Um outro Holocausto Parte I

Foram, há meses, abatidos a tiro, dez cavalos que pastavam tranquilamente,num prado.
Mortes tristes, avulsas e sem sentido de dez seres vivos e pacíficos!
Não se voltou a falar no assunto e, nunca se soube, quem cometeu tão hediondo crime, que foi, nesse dia, um dos títulos de caixa alta, na imprensa. Todos os que leram ou ouviram a notícia ficaram impressionados, na altura mas, depressa esqueceram o que se pode considerar uma tragédia! Depois, talvez porque as vítimas fossem animais, encontrar o criminoso ou os criminosos, não interessou nada!
Um dia, porém, as futuras gerações vão, decerto, fazer perguntas sérias, incómodas e indignadas acerca de um outro Holocausto, não menos cruel, não menos bárbaro e não menos injusto, do qual tivemos amplo conhecimento e com o qual temos,tranquilamente, contemporizado: o Holocausto dos Animais!
Desta vez não será possível desculparmo-nos com a ignorância e teremos de explicar, cabalmente, como pudemos, sem um tremor de consciência, não ter feito nada para pôr fim às inenarráveis torturas e ao morticínio sangrento de tantos animais e assistir, indiferentes, à extinção de tantas e belíssimas espécies!
Na verdade, fazendo de conta que as denúncias de morte horrenda, em grande escala e do infinito sofrimento dos animais são uma invenção de excêntricos ou de loucos, enfeitamo-nos, vaidosamente, com a beleza macia e esplendorosa das suas peles; usamo-los na cosmética para nos embelezarmos e retardarmos o envelhecimento; divertimo-nos com as suas habilidades, aprendidas sob tortura, no circo,(os elefantes são disso, um deplorável exemplo), e saboreamo-los, gulosamente, nos restaurantes elegantes!
Basta recordar os horrores que são infligidos, em França, aos patos e aos gansos para se obter o mais macio, o mais suculento e o mais gostoso "foi-gras"!
E, que dizer do massacre sangrento das focas no Canadá, onde as focas-bebé são, simplesmente, cortadas ao meio?
Que dizer da tortura macabra a que são sujeitos os ursos, na China, (são estimados
cerca de dez mil nestas lancinantes condições), para a extracção, permanente, da bílis, através de um catéter introduzido na vesícula, para a preparação de afrodisíacos e de produtos medicinais tradicionais, de resultados duvidosos? Um processo extremamente doloroso, durante o qual os animais urram aflitivamente, mordem as patas e mutilam-se, numa tentativa desesperada e vã de suicídio! Os ursos são mantidos deitados de costas, sobre os seus próprios excrementos, em jaulas tão pequenas que não lhes permitem sequer virar-se, definhando até à morte, que às vezes demora anos de medonho suplício, quase enlouquecidos de dor!
Que dizer da caça, sem quartel, às baleias, na Antárctica, onde a população de baleias brancas, (as belugas), representa, hoje, menos de 1% da sua população original?
Que dizer da caça à baleia cinzenta, do Oeste do Pacífico, a mais afectada, restando apenas cerca de cem exemplares? Estamos, assim, com soberana indiferença, perante o risco iminente da extinção de uma espécie animal magnífica!
Que dizer da morte trágica e em grande número do arminho, pequeno animal, que se deixa matar facilmente, quando diante de armadilhas com lixo, das quais nem sequer se aproxima, para não macular a sua lindíssima e valiosa pelagem branca e pura, no Inverno? Por essa razão, o arminho tem sido considerado, ao longo dos tempos, o símbolo da pureza virginal!
Foi,pois, com espanto e repugnância que o Mundo viu um Papa, sorridente, jactancioso e, sobretudo, ridículo, apresentar-se, no Natal, com o "Camauro", um carapuço de veludo vermelho, orlado de arminho, o qual já não era usado desde os anos sessenta! Posteriormente a esse infeliz momento, o representante de Deus, na terra, usou, numa outra cerimónia religiosa, a Mozeta, uma sumptuosa vestimenta de veludo vermelho, também orlada com essa preciosa pele!
Que dizer da morte estúpida dos ursos de pele negra, espessa e brilhante para a confecção dos impensáveis barretes da Guarda Real do Reino Unido?
Que dizer das touradas, especialmente em Espanha, essa bárbara e sangrenta reminiscência das arenas, no período da decadência do Império Romano? Nas arenas de hoje, o crime é o mesmo: tortura, sangue, sofrimento e morte de seres vivos, para gáudio das gentes que, nas bancadas, gritam "olés", batem palmas, incitam os toureiros e agitam-se em frémitos quase orgásmicos de gozo e de loucura!
Perante esta terrífica violência, esta destruição, em massa, que é, em sentido lato, um verdadeiro Holocausto de tantas espécies animais, até quando vamos continuar a olhar para o lado e fazer de conta que esse massacre, esse sofrimento, sem nome e sem fim, tantas vezes, já denunciado, é apenas uma história irreal e sombria, de horror e de pesadelo?

MC

Um outro Holocausto Parte II

Neste nefando Holocausto, todos os países do mundo têm, pois, o seu brutal e vergonhoso Auschwitz! Nós não escapamos à regra e temos também o nosso: nas touradas, onde, hipocritamente, não é dada, ao touro esgotado, coberto de sangue, depois de ter sido, alegremente, espetado com ferros, a misericórdia da morte; na luta de cães, clandestina, diga-se, mas da qual todos têm conhecimento, e onde as apostas atingem quantias elevadíssimas, sendo o mais grave, porém, o facto de serem roubados animais de estimação, ternos e mansos, para com eles poderem praticar o treino dos cães de combate, fortes e agressivos; no miserável abandono dos animais domésticos, especialmente, cães e gatos, nos maus tratos, na indiferença!
Este último, será talvez o nosso mais gritante, mais selvagem, e mais tenebroso Auschwitz!
Abandona-se um cão ou um gato, porque nos cansamos dele e, como se fosse um brinquedo velho e sem préstimo, atiramo-lo fora; abandona-se um cão porque cresceu mais do que o desejável e desfazemo-nos dele, como nos desfizemos daquele móvel enorme e picado do bicho da madeira, um mastronço, herdado da avó e que já não condizia, absolutamente nada, com a decoração minimalista da casa nova; abandona-se um cão ou um gato, porque está gasto e pesado e o cheiro a velho incomoda e lembra-nos que, um dia, estaremos também velhos, feios e a cheirar a frango, se não tivermos cuidado; abandona-se um cão ou um gato, porque está doente, precisa dos cuidados do veterinário, mesmo ali, ao fim da rua mas, tratá-lo fica muito caro e não vale a pena; abandona-se um cão, porque a época da caça acabou e, para o ano, arranja-se outro que seja bom farejador e corra muito, mais do que este que, por acaso, até era um bocadito lento; abandona-se um cão ou um gato, porque o tempo é de férias, de gozo, de liberdade e o cão ou o gato é um trambolho que só complica! As criancinhas, tão doces, sensíveis e bem formadas como os seus excelsos progenitores, até compreendem que o tempo é de festa e até já têm prometido outro cãozinho ou gatinho pequenino e fofinho para, coitadinhas, não ficarem traumatizadas! Afinal, este já estava muito crescido e, às vezes, já rosnava ou arranhava quando os angélicos infantes lhe puxavam as orelhas, lhe calcavam o rabo, lhe apertavam o pescoço com aquela fita azul que lhe ficava tão bem, ou o queriam vestir com o vestido amarelo da irmã mais nova; abandona-se a cadela ou a gata grávida, porque era´um aborrecimento ter tal espectáculo em casa; abandona-se um cão ou um gato,porque ... sim!
No nosso desumano e grosseiro Auschwitz, a companhia e o conforto de uma presença inocente, esfuziante de ternura e alegria, ao nosso lado, o amor e a lealdade são facilmente esquecidos, tudo isso é uma patética lamechice e não interessa nada! Afinal, é só um cão! É só um gato! Ou outro animal qualquer que viveu connosco, nunca nos pediu nada, contentou-se com a racção, muitas vezes chorada, porque era cara, com um ou outro afago, feito ao acaso, sem calor e sem carinho, com um ou outro empurrão ou berro estridente mas que, apesar de tudo isso, nos aceitou, perdoou, e nos amou sempre! Incondicionalmente!
Sendo capazes de tanta crueldade,tanta indiferença tanta prepotência, quem somos?
Somos seres humanos e, como tal, imperfeitos, fracos e maus!
E, assim sendo, temos de assumir, com tristeza e vergonha, que o Ser Humano é, lamentavelmente, a única nota dissonante e feia, na perfeita e deslumbrante organização do Mundo pois, sendo racional, sabe ser, quando lhe convém ou, quando lhe apetece, o animal mais selvagem, mais feroz e mais impiedoso da Criação!

MC

terça-feira, 29 de julho de 2008

Como é possível ...?

Na semana passada, fui, com a minha filha, visitar "a Cerca", um abrigo para animais abandonados, especialmente, cães e gatos, na Póvoa do Varzim.
Neste abrigo,os animais recolhidos ou para lá levados, por quem os encontra, são, de imediato, observados pelo veterinário, ficando uns dias de quarentena, são tratados, quando necessário, alimentados e recebem todo o acompanhamento possível!
Esta Associação vive, essencialmente, das quotas dos seus sócios e dos donativos de pessoas e entidades, sensíveis à causa. E, é um oásis de conforto e amparo, no mundo medonho, sem luz e gelado dos animais que nunca tiveram um lar e dos que,rejeitados, perderam tudo e vão morrendo, dia a dia, de saudade e de mágoa!
Nesse dia, confesso, fiquei de rastos, muito triste e revoltada!
Como é possível, tantos cães, velhos e doentes, escorraçados; tantos cães abandonados e em situação de risco, nas matas, nas redondezas do aeroporto e, essencialmente, nas auto estradas, para , no auge da desorientação e aflição, morrerem, mais rapidamente, atropelados por carros a alta velocidade?
Como é possível, tantos animais maltratados, com marcas enormes e horrendas, de queimaduras, de pancadas e de pontapés?
Como é possível tanta crueldade, tanta desumanidade para com animais vivos e indefesos, que nada pedem e dão tudo o que de melhor têm: amor, lealdade, ternura, companheirismo e uma imensa alegria pela presença do dono, por um afago, mesmo distraído, por um biscoito?
Como é possível, espancar uma cadela husky, até ao ponto de lhe cegarem um olho, para lhe roubarem as crias, com certeza, para as venderem por bom preço?
Penso que o amor de mãe, sendo o mais nobre, é talvez, de todos, o mais cruel! Na verdade, em caso de perigo, esse amor imenso leva a tudo, até a matar, sem dó, nem piedade, para proteger os filhos! Também ela, como uma mãe extremosa, bateu-se com a valentia, a força e a galhardia de um amor em fúria mas, frágil e enfraquecida pelo parto, só conseguiu salvar uma cria, lindíssima e perfeita, que a segue, como uma sombra, olha, desconfiada, para todos e não se aproxima de ninguém!
A mãe é uma cadelinha meiga, carente e agradecida, que ainda mantém uma doce confiança no ser humano! Apesar de tanto sofrimento, apesar de tanta perda!
Quem, no entanto, quiser adoptar uma delas, terá, forçosamente, de levar as duas! São, irremediavelmente, inseparáveis!
Como é possível, querer abater a tiro uma cadela jovem, abandonada, esquelética e tão roída de fome, que roubou um frango de um galinheiro mal amanhado?
Como é possível, manter um cão tanto tempo preso a uma corrente que, mesmo agora, já liberto do suplício da corda, da fome, da sede e da indiferença, ainda tem de estar
preso à corrente, porque não sabe andar à solta? Parece mentira mas, desgraçadamente, não é!
Como é possivel, bater tanto a um animal, até lhe deformar terrivelmente uma das patas dianteiras e deixar-lhe, no corpo pequeno e magro, marcas indeléveis de pauladas violentas?
Como é possível, atirar para o contentor do lixo cães doentes, cães velhos, crias recém-nascidas ou, cães, simplesmente, indesejáveis, na nefanda esperança de, a coberto da noite, os homens da recolha, não repararem e lançarem-nos para o carro, onde são desfeitos pela máquina trituradora?
Poucos dias antes da nossa visita, tinha sido salvo, dessa morte infame e horrorosa, um cão velho e cansado que alguém ouviu ganir, com dores!
Não tenho vergonha de dizer que chorei porque, apesar de saber que muita gente maltrata, esquece e abandona, sem um tremor de consciência, os seus velhos, doentes e gastos, ainda me surpreende, ainda me revolta e desatina, a maldade, a frieza, a selvajaria de que o ser humano, dito civilizado, é capaz!
A minha filha amadrinhou uma cadela rotweiler rejeitada e meio doente e adoptou a cadelita, pilha-galinhas e marota, que iria ser morta a tiro! Agora, já tem um lar, nunca mais vai ter de roubar para sobreviver, vai à escolinha, aprender a ser uma dama e chama-se Kayla!
Eu não posso adoptar nenhum animal porque já tenho quatro lindas "filhas" quadrúpedes e, agora, duas encantadoras "netas"! Mas, vou ajudar, como madrinha, a mãe husky, agradecida e a filha desconfiada, até que alguém as queira e lhes ofereça um lar e muito carinho e uma outra, que, de tão traumatizada, ainda não pode sair do abrigo mas, um dia, vai ter um lar e uma família que a ame!
Reparei que alguns animais, de tão exaustos, de tão sofridos, já não reagem ao alegre desassossego que as visitas provocam naqueles que ainda não perderam a esperança de uma vida melhor!
Na Cerca, há muitos cães abandonados, lindos, meigos e ansiosos que alguém os adopte e lhes dê a alegria de se sentirem queridos!
Se eu pudesse, adoptaria todos! Porque, no geral, todos vêm ter connosco à rede, abanam a cauda, meneiam as cabecitas, encostam o focinhito para nos sentir o cheiro e fixam-nos, com aquele olhar todo feito de tristeza, ansiedade e profunda solidão, um olhar meigo e líquido que é, simultâneamente, uma súplica pungente e uma terna promessa:
"Leva-me contigo, cuida de mim, ama-me e eu ser-te-ei eternamente grato, entrego-te o meu coração e amar-te-ei para sempre!"


"A Cerca" - Geral - 968699785 - cerca.abrigo@gmail.com

"A Cerca" - Adopções - 960392452 - cerca.adoptar@gmail.com

Foi com muita alegria que fiquei a saber que a cadelinha rotweiler está quase bem de saúde e já foi adoptada!

MC

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Tempos de desalento

Os combustíveis não param de aumentar, a crise agudiza-se dia a dia e
penso que, para aliviar esta tensão social, já quase insuportável, o Governo
deve baixar a carga fiscal sobre os produtos petrolíferos.
Os impostos têm, na verdade, sido o motor desta governação, como fonte de
receita, uma vez que, a redução e o controlo rigoroso da despesa do Estado,
como todos sabemos, não se tem, efectivamente, verificado: frota automóvel
topo de gama, viagens de luxo com comitivas muito numerosas, festas e
recepções principescas e ordenados milionários!
É inegável que o que o Estado fez, até agora, para aumentar a sua receita,
foi implementar a agilização da cobrança fiscal, com os olhos postos na
redução do défice, ignorando a sobrevivência dos mais carenciados e o
bem-estar social da população!
Há quem entenda que essa implementação foi um sucesso extraordinário do
Estado. No entanto, o que foi feito, foi a simples transposição, para a
Administração Fiscal, de um sistema expedito, puro e duro, de cobrança de
créditos!
O Governo, contudo, não cuidou de implementar este sistema para o sector
privado e os Tribunais Judiciais têm-se, manifestamente, mostrado incapazes
de, com eficácia e rapidez, procederem à cobrança dos créditos que as
empresas privadas têm a haver dos seus devedores. Assim, é, praticamente
impossível, que os muitos empresários, nessas condições, possam investir e
ajudar a criar emprego e riqueza!
O aumento da carga fiscal sobre os produtos petrolíferos tem, como
consequências nefastas, uma crescente carestia de vida e um tremendo
desiquilíbrio social, pois acarreta um aumento, em cadeia, de todos os bens
essenciais, desde a sua produção à sua distribuição,na medida em que, o
petróleo e seus derivados, lhes estão subjacentes!
Já não se pode continuar a fazer de conta que este País nefelibata, onde
se sonha com o TGV, um aeroporto faraónico e uma rede viária mais alargada,
não é um Portugal cada vez mais pobre, mais desmotivado, mais infeliz, onde
grassa, vertiginosamente, uma pobreza envergonhada e escondida, que é,
talvez, a mais aterradora!
E, tudo isto, em nome de um Futuro, de pão e de risos, que não se
vislumbra sequer e, no qual, já quase ninguém acredita!

Sementes de Violência! É tempo ...

O Problema da violência na Escola combate-se com medidas político-sociais, já que, penso, estamos perante um problema de ordem social e o Direito, sendo apenas um regulador social, não corrige, nem cria formas novas de comportamento em sociedade . Estas medidas políticas terão, todavia, de beneficiar da tutela coercitiva do Direito, assegurada pelos órgãos jurisdicionais, em muitos casos, articulados com as policias.
É, por isso, muito difícil dissociar essas medidas político-sociais, da intervenção da autoridade policial, que, como os acontecimentos dos últimos dias têm demonstrado, é, cada vez mais premente, para salvaguardar a segurança na Escola.
As sementes de violência são, normalmente, jovens que carregam consigo e transportam para as aulas, o fardo da indiferença e de falta de acompanhamento dos pais, ou têm, colado a si, o prurido viscoso da pobreza moral que grassa, insidiosa mas veloz, atropelando princípios e destruindo valores, num pobre País, cada vez mais empobrecido!
É tempo, pois, de o Estado tomar medidas político- sociais sérias e eficazes, não lhe sendo, porém, permitido exigir uma Escola feita de afectos, e de complacente facilitismo, enquanto arrasa, dramaticamente, a autoridade dos Docentes!
Neste tempo que vivemos, o Ensino tem de ser competente e exigente ainda que, aberto e interactivo.
É tempo, de acabar com esta política de Ensino que tem conduzido a Escola Pública para um caminho tortuoso e absolutamente caótico, onde a palavra Ensinar já não aparece, a palavra Respeitar perdeu o sentido e onde, uma tolerância néscia, a indisciplina e a violência imperam!
Se os alunos não querem estudar e ameaçam abandonar a Escola, reduzam-se e facilitem-se os conteúdos, baixe-se, até ao limite da decência, o nível de exigência e ensine-se(?), de preferência, a brincar, de forma levezinha e agradável! Se, apesar de tudo, o jovem decidir deixar a Escola, a culpa é, seguramente, dos Professores!
A Ministra da Educação tem vindo, irresponsavelmente e desde sempre, a desvalorizar os Professores, desautorizando-os e afrontando-os continuamente! A desvalorização dessa autoridade foi, aliás, o primeiro, grande passo para a calamitosa explosão da indisciplina e da violência, na Escola, que a tutela, olimpicamente, ignora!
Foi a Senhora Ministra que, um dia, insensatamente, disse: “Perdi os Professores, mas ganhei a opinião pública!", sem se ter sequer apercebido que, ao assumir ter perdido os professores, ela também assumia, tragicamente, que se tinha perdido! Irremediavelmente!
É tempo, pois, de se devolver, aos Docentes, a autoridade, o respeito e o prestígio, valorizando-os e reconhecendo-lhes o mérito de, na sua nobre mas dura tarefa, estarem a preparar o Futuro do País!
É tempo de repensar o Estatuto do Aluno, que não é senão uma espantosa resenha de facilitismo canhestro, uma floresta de enganos para aqueles Pais que querem que os filhos aprendam e, responsavelmente, se preparem para singrar num Mundo cada vez mais competitivo e que não se compadece com a ignorância ou com um saber medíocre e indigente!
Estar na aula, é, agora, mais do que nunca, uma grande “estopada” para os alunos, a não ser que possam brincar, rir e "gozar à brava", e os Professores, uns líricos, que ainda se dispõem a perder anos de vida e a destruir a saúde para tentarem cumprir a missão, agora impossível, que sempre julgaram ser a sua: ENSINAR! Mas, de facto,com as Novas Oportunidades, talvez tenha, mesmo, deixado de ser prioritário, APRENDER!
Na Escola, são necessárias regras de convivência bem definidas; a ordem, a segurança e a disciplina são essenciais; é, igualmente imperativo, uma liderança competente, forte, imparcial e determinada, mas humana, que seja limpa e justa, sem Medo de punir e se orgulhe de premiar! É, pois, crucial, em qualquer Escola, uma liderança de mérito, que não se entretenha com jogos de pequenos poderes e favorecimento a amigos e confrades!
É tempo, há muito tempo, de o Primeiro Ministro assumir a responsabilidade de demitir uma Ministra da Educação autista, já demasiado gasta e tomar as medidas politico- sociais necessárias para que as sementes de violência, de hoje, possam, ainda, vir a dar frutos sãos e suculentos de Correcção, de Saber e de Dignidade!
O Futuro agradecer-lhe-á!

Obviamente ...demitir-se

A Ministra da Educação deu, a semana passada, uma entrevista à TVI, no
Programa "Cartas na mesa", conduzido pela jornalista Constança Cunha e Sá.
A Ministra dissertou, como quis e lhe convinha, essencialmente, sobre três
pontos do polémico Estatuto do Aluno que, verdade seja dita, é uma resenha
de patético facilitismo e um doce aconchego para os "frágeis e melancólicos"
jovens que infestam, diariamente, as escolas, com insultos, roubos e
agressões!
Os três pontos em questão foram: as faltas que, realmente, não contam para
nada; os exames que a senhora não valoriza e as retenções que não aceita, na
medida em que, (ao que isto chegou!), aluno que não transite de ano, não é
aluno rentável e, por último, o facto de a escolha da Escola estar reduzida
a dois parâmetros: a área de residência e a de emprego dos pais.
Quem nos entrou, nessa noite, em casa, foi uma Ministra que, com o esboço
de um sorriso vazio, não pôs, efectivamente, as cartas na mesa, limitando-se
a defender, sem brilho, os seus pontos de vista, nunca lhe tendo sido
colocadas questões incómodas, por uma jornalista que admiro, mas tão nervosa
e insegura, que quase não reconheci!
Não se tocou sequer na Avaliação dos Professores, tema tão caro à Ministra
mas, que, presumo, se tenha tornado assunto "tabu" da tutela.
Espanta-me, contudo, que, estando tão ansiosa por avaliar os Professores, a
Ministra não tenha, nunca, considerado crucial avaliar as Direcções
Regionais, os Conselhos Executivos e, já agora, num exercício de grandeza
moral, avaliar-se a si própria!
A tutela insiste na avaliação dos Professores, que, insensatamente,
hostilizou e desacreditou, porque sabe que eles são o elo mais fraco e mais
vulnerável do sistema!
A Ministra não avalia as Direcções Regionais porque elas são o manto sob o
qual pune a discordância e premeia a bufaria, (veja-se o aberrante e
vergonhoso caso Charrua), o biombo, atrás do qual, esconde a sua
prepotência!
A Ministra não avalia os Conselhos Executivos, porque eles são, salvo
honrosas excepções, mas esses, já há muito, se demitiram, os pressurosos
"funcionários" às suas ordens. Uns, porque concordam com esta "inconcebível"
política educativa, (vá-se lá saber porquê!); outros, pequenos tiranetes,
porque se julgam muito importantes e rejubilam com os seus pequenos poderes
e outros ainda, porque, simplesmente, não querem perder o "tacho"!
A Ministra jamais se avaliará a si própria porque sabe que, se o fizesse,
com um mínimo de imparcialidade, teria de reconhecer e assumir que não tem
saber, competência, sensibilidade e "savoir-faire" para exercer, com
mestria, tão nobre cargo! E, restar-lhe-ía, então, com honestidade e honra,
seguir um só caminho: obviamente ... demitir-se!

A insustentável leveza da Ignorância!

No seu arrazoado de 27 de Março de 2008, a páginas 17, do vosso Jornal, a
Sra. Angélica tece levianas e ofensivas considerações acerca dos
Professores. Porém,fá-lo alicerçada em conceitos mal assimilados, como
resulta, claramente, da alusão canhestra, que faz a Karl Marx.
Até agora, que eu saiba, nunca tinha constado que os Professores fossem uma
classe de Poder, antes pelo contrário, como os tempos, com especial
gravidade nos útimos anos, têm vindo a demonstrar, é o Poder e a Tutela que
os têm transformado, precisamente, numa classe sem credibilidade, sem
autoridade, alvo fácil de chacota cobarde e de comentários abjectos, ao que
parece, tão do agrado da Sra Angélica.
Pelo que escreve, tal senhora nunca foi professora, parece que nunca foi
aluna de mérito e os seus filhos, se os tiver, devem ser, na Escola,
exemplos
perfeitos de antipatia, indisciplina e rebeldia!
E, sobretudo, a senhora não tem a mínima noção da responsabilidade, do
desgaste, das dificuldades e do trabalho duro que tal profissão implica !
A Sra Angélica, por completa falta de Saber e de Formação, mostra, na sua
lamentável verborreia desconexa, uma total inaptidão para compreender a
nobreza e a grandeza da Missão que é Ensinar!
Esta senhora esquece que são os professores que ensinam a ler e a escrever
e formam todos aqueles profissionais a que ela, ao longo da vida, já
recorreu, ou terá, um dia, em horas de maior ou menor aflição, de recorrer,
tais como: os médicos, os enfermeiros, os técnicos de áreas diversas, e
todos
os que aprenderam, com um professor, como ajudá-la, quando necessário.
Enfim, a Sra Angélica não admite que os Professores têm o direito de ver
protegido o seu " Munus ", sendo certo que todos, na generalidade, têm uma
vida digna, à custa do seu trabalho e não à custa do pagamento isolado,
feito pelas Angélicas deste País que, no geral, vivem à custa do rendimento
Mínimo que, esse sim, é pago com o suor dos nossos impostos !
Sra Angélica, faço votos para que a sua total ignorância acerca da
Docência, não lhe coarcte, como coarctou, quando escreveu aquele arrazoado, a
Inteligência, o Discernimento e o Bom-senso, qualidades que,mesmo
medianamente, terá.
Se há lição que a Sra Angélica deveria ter assimilado, no seu percurso
escolar, pressupondo que conseguiu ultrapassar a creche e as birras
infantis, é que ninguém se deve pronunciar sobre o que desconhece, sob pena
de cair num, sempre, deplorável ridículo
E, nunca, como neste caso, tem tão ampla razão de ser o velho provérbio que
diz: " Não suba o sapateiro acima da chinela!"

O Portugal paralelo

Ouvir o Primeiro Ministro falar sobre o País, faz-me sentir suspensa entre
uma enorme alegria e uma profunda depressão.
Na verdade, embalada pelas suas belas e assertivas palavras, esqueço o
atraso de vida em que vivemos e sinto-me, por assim dizer, transportada para
um País maravilhoso, moderno, altamente competitivo, com excelente qualidade
de vida e onde os dias decorrem, serenos e fartos, entre rosas e vinho doce!
A Economia está bem e florescente, com o investimento, alegremente, a
crescer, e o d e éfice, ( palavra horrorosa! ),controlado e a descer!
Neste País do seu contentamento, já quase ninguém carrega, exausto, a cruz
do desemprego e, assim, o pesado fardo de viver é coisa dos anteriores
Governos, porque ele, o Primeiro Ministro tem criado, como prometeu,
milhares de bons e seguros empregos, que, nas as suas mãos, crescem como
carnudos cogumelos! Os salários e pensões estão, para alegria de todos,
muito acima da inflação que, surpreendentemente, também desceu!
A Saúde é, agora, óptima, com as excelentes medidas que têm sido tomadas!
Os Hospitais, quais hotéis de cinco estrelas, são numerosos e os doentes
tratados por Médicos que têm ao seu dispor o melhor equipamento médico, com
a mais avançada tecnologia, muito pacientes e serenos, porque não trabalham
demais, sem condições, dias a fio! As enfermeiras circulam,quais borboletas
esvoaçantes, pelas enfermarias, calmas e sorridentes, porque cada uma não
tem de trabalhar por duas, mortas de cansaço!
Os Centros de Saúde,(há imensos),são locais arejados e bem decorados, com
salas de espera encantadoras e confortáveis mas, praticamente,
desnecessárias, porque os utentes são atendidos rapidamente e com extrema
solicitude!
Em caso de doença súbita ou acidente, está tudo muito bem organizado, a
assistência é espantosamente rápida e muito eficiente! Ninguém morre à
espera de socorro e as estradas, no segundo caso, nunca ficam impedidas
dias, manhãs, tardes ou noites inteiras, provocando filas quilométricas de
carros.
Raramente há inundações ou incêndios porque as ruas, as margens dos rios e,
sobretudo, as matas e os bueiros estão sempre impecavelmente limpos!
Na Educação, são emocionantes as medidas fantásticas e inovadoras que têm
sido tomadas!
Há cada vez mais Escolas, modernas e confortáveis, para que os alunos se
sintam felizes e seguros e não tenham de perder horas preciosas de sono e de
trabalho, percorrendo, enjoados e vomitados, longas distâncias, de
camioneta!
Os Professores queixam-se sem razão, pois são tratados com todo o respeito,
a mais elevada consideração e, porque não dizê-lo, com muito afecto, pelos
responsáveis da tutela que os admira, acarinha e apoia imenso! Nas aulas, os
alunos, ávidos de aprender e saber sempre mais, não agridem, nem insultam os
professores, nem se desfazem e roubam uns aos outros, no recreio! Só em
casos muito, mesmo muito pontuais, sem qualquer importância!
O Primeiro Ministro quase não menciona a Justiça porque, realmente, a
Justiça quase não existe. Mas, de facto, num País onde tudo funciona tão
bem, onde não há violência, onde não há crime, onde não há corrupção e
onde são todos inocentes, a Justiça não é, sequer, precisa! Aqui,
encontra-se, quiçá, a razão para que, nas Esquadras, haja só um polícia!
Mas, este não é, infelizmente, o nosso País real, aquele onde, mergulhados
numa profunda depressão, esgaravatamos, com sacrifício, suor e lágrimas, o
pão nosso de cada dia!
Recordo-me de ter lido, há tempos, uns artigos muito interessantes, sobre a
existência de mundos paralelos.
Talvez, Sócrates seja Primeiro Ministro de um Portugal paralelo a este,
igualzinho a este na forma, mas, um Portugal virtual, criado por suas mãos e
onde ele é o garboso, competente e mui amado governante, um País fantástico
e perfeito que, em comparação com este Portugal pobremente vestido de
escuro, exasperado, esgotado e cada vez mais empobrecido, que é a nossa
triste realidade, é apenas mais uma trágica anedota, de muito mau gosto!

A Queda da Esperança

A Plataforma Sindical e o Ministério da Educação chegaram a um acordo quanto à Avaliação dos Professores, tendo sido assinado, no passado dia 17, o "Memorando de entendimento", depois de, a assinatura do referido documento, ter sido legitimada pelos docentes presentes em múltiplas e apressadas reuniões de esclarecimento, promovidas, nas escolas, pelas organizações sindicais.
Os Sindicatos proclamaram que o Ministério da Educação recuara, em toda a linha, ao aceitar um modelo de Avaliação simplificado, com exigências mínimas, no fundo, digo eu, não havendo, nele, nada de novo, porque tudo o é exigido, já se fazia!
Espantosas e dignas de nota, foram a inesperada cedência e a branda contemporização de quem estava em posição de resistir e de se impôr!
A Plataforma Sindical, diga o que disser, cedeu, fragorosamente, à chantagem da Ministra da Educação que, do alto da sua proverbial prepotência, ameaçou não renovar os contratos dos Professores, nessas precárias condições de trabalho, se a sua avaliação não fosse feita. Submetendo-se, mesmo depois de ter recorrido legalmente, os Sindicatos atraiçoaram, cobardemente, os mais de 100 mil Professores que, de braço dado com a Esperança, desceram à rua, no dia 8 de Março, unidos e confiantes,numa das maiores manifestações de sempre, a Manifestação da Indignação, que fez tremer a tutela!
Essa união fantástica de Professores foi, precipitadamente, posta em causa com esse entendimento e nada voltará, provavelmnte a ser como dantes, dada a desconfiança, o descontentamento, a desmotivação e a desilusão de muitos Docentes!
Tendo-se conseguido uma união, nunca vista, dos Professores, era, agora, o tempo, a hora e a oportunidade de os Sindicatos se erguerem dignos e determinados e fazerem ouvir, serena e firme, a sua voz!
Ao contrário, cederam à chantagem da Ministra e, ajoelhados, clamaram vitória!
Não se aperceberam sequer que, muito mais do que a Avaliação, era a Dignidade, o Prestígio e a Voz dos Professores que estavam em causa!
No seu entender, talvez a Plataforma Sindical tenha, orgulhosamente, ganho uma pequena batalha.
No entanto, oxalá que, tendo assinado o Memorando, não tenha, de joelhos, assinado a mais negra Derrota! Inexoravelmente!

terça-feira, 25 de março de 2008

A Escola, a Violência e o Fim!

O que se passou na Carolina Michaëlis, uma das mais conhecidas Escolas do País,e a que todos pudemos assistir, incomodados e aflitos, na televisão, foi uma situação de pungente terror, sórdida e aberrante !
Vimos, com horror, uma aluna(?), completamente transtornada, a esbracejar e aos gritos, agredir, fisicamente e verbalmente, a professora de Francês, por esta lhe ter tirado o telemóvel, que a rapariga usava, descaradamente, em plena aula.
A professora, pequena , frágil e já sexagenária , vendo aquele completo descontrolo e sentindo a sua integridade física ameaçada, ainda tentou alcançar a porta, em busca de socorro, o que a aluna, grande, pesada e possante, impediu, agarrando-a, puxando-a e arrastando-a pela sala, perante o gáudio de uma turma de jovens boçais e malévolos, que alarvemente, assistiam ao tristíssimo espectáculo e, estupidamente, incitavam a colega, enquanto um imbecil filmava, no cúmulo da excitação, o que se passava.

Pela sua ferocidade, a cena fez-me lembrar, nesse momento de terror e de estupefacção, a barbárie nas arenas romanas, onde cristãos inocentes eram lançados aos leões que os despedaçavam e devoravam, perante o riso grosseiro, os aplausos gratuitos, os gritos estridentes e a excitação quase orgásmica, de uma turba enlouquecida !

Foi terrífico o que se viu e, é,indescritivelmente degradante, o ponto a que a Escola Pública chegou e para o qual esta inqualificável Ministra da Educação tanto, mas tanto, tem contribuído com a sua patética política de azedume e rancor para com os professores e de facilitismo e total apoio aos "frágeis e melancólicos" alunos que infestam as escolas!
Este não é, desgraçadamente, um caso pontual, como a Ministra e o Governo querem fazer crer! Há que pegar o "touro" pelos cornos e assumir, claramente, que, todos os dias, professores são agredidos, fisicamente, verbalmente, com gestos e atitudes de desprezível baixeza!
Basta dizer que, em 180 dias de aulas, foram registadas 185 agressões a professores, por esse país fora, sem contar com aquelas que, por medo e por vergonha, os agredidos e injuriados, escondem, num recanto triste e bem escuro da alma.
Este caso que tanto nos indignou, tornou-se conhecido, porque, felizmente, alarve, ali presente, filmou, cheio de gozo, a cena nojenta, que uma aluna histérica protagonizou, e, com mais gozo ainda, tornou-a pública, na Net.

Gostaria muito de saber porque é que a Ministra se preocupa tanto com a avaliação rigorosa, até ao mínimo pormenor, dos professores, e , nunca pensou em se avaliar, honestamente, imparcialmente, a si própria; gostaria muito de saber poque é que a Ministra anseia, desesperadamente, que os professores sejam avaliados severamente e nunca pensou em avaliar as Direcções Regionais, os Conselhos Executivos e, já agora, as Associações de Pais !

A Ministra, só insiste na avaliação dos professores, mesmo feita de qualquer maneira, porque sabe que eles são o elo mais fraco e tinham sido, desde sempre, tratados pela tutela, de acordo com o seu estatuto, com gentileza, consideração e respeito e não com a arrogância e a rudeza que lhe são peculiares e de que parece fazer gala!
E, os professores, principais agentes do Ensino e sem os quais, NADA, se pode fazer na Educação, viram-se,de repente, totalmente desautorizados,insultuosamemte marginalizados e descredibilizados por uma Ministra irresponsável!

A Ministra não se avalia a si própria, porque se o fizesse, com um mínimo de imparcialidade, teria de assumir que não tem competência, sensibilidade e saber para exercer, com honra, tão nobre cargo !

A Ministra não avalia as Direcções Regionais porque elas são o manto sob o qual premeia a bufaria e pune a discordância, o biombo atrás do qual esconde a sua prepotência!

A Ministra não avalia os Conselhos Executivos, geralmente, tão incapazes como ela,
porque eles são, na sua maioria, os seus pressurosos criados às suas ordens! Uns, porque concordam com esta política,(vá-se lá saber porquê!), outros, pequenos tiranetes, porque se sentem importantes e poderosos no cargo e outros, porque, simplesmente, não querem perder o "tacho"!

A Ministra tem conduzido a Escola Pública ou o que restava dela, para o caos mais completo e para o seu total descrédito e onde a palavra Ensinar já nem aparece, perdeu o sentido e a razão de ser!
O Estatuto do Aluno é uma vergonhosa resenha de facilitismo néscio, uma floresta de enganos para aqueles Pais que querem que os filhos aprendam e, realmente, se preparem para singrar num mundo difícil, cada vez mais competitivo e que não se compadece com a fraqueza de espírito e a ignorância !
É certo que para muitos, mas mesmo muitos pais, quanto mais fácil melhor, até porque esses já há muito se têm vindo a demitir da sua missão de pais, de formadores, de educadores dos filhos, com a desculpa esfarrapada de falta de tempo!

A crua verdade é que aluno que agora se matricule, sabe que, à luz da política de Ensino da "iluminada" Ministra, tem a passagem de ano assegurada: as faltas não contam, por isso, não é preciso ir às aulas pois a sua progressão é, por assim dizer, automática, na medida em que, há sempre o recurso a sucessivas provas de recuperação.
E, se nem assim o aluno não conseguir completar a escolaridade obrigatória, tem sempre, à mão, o recurso às Novas Oportunidades onde,na Junta de Freguesia, por exemplo, obtém facilmente e sem se cansar, o diploma do 12ºAno, em um ou dois meses !
Estar na sala de aula é, pois, para os alunos uma grande estopada a não ser que possam brincar, rir e "gozar à brava" e os professores, uns líricos, que ainda se dispõem a perder anos de vida, e a destruír a saúde para tentarem cumprir a missão, agora impossível, que sempre julgaram ser a sua: ENSINAR ! Mas, com as tais Novas Oportunidades, talvez não seja já prioritário APRENDER!

"Era o que faltava"- disse a inacreditável Ministra - "que os resultados dos alunos não contassem para a avaliação dos docentes !"
Pois é, com a massa crítica, no geral, pobrezinha que se tem e alunos da laia dos que vimos na televisão e são, infelizmente, a maioria e, a quem, uma ministra irresponsável ensinou a não OUVIR E RESPEITAR os professores, na medida em que, ela própria nunca os OUVIU, nem nunca os RESPEITOU, não é, definitivamente, possível Ensinar!
Dão-se notas, de preferência boas notas, para um lindo sucesso escolar ! E, para as estatísticas serem um êxito! Um enorme êxito na União Europeia!

Gostaria muito de saber que punição vai ter esta agressora imprevisível e perigosa que, por acaso e por azar, é aluna numa escola!

Gostaria muito de saber como vai a Ministra ou quem a representa, avaliar esta professora destratada, humilhada, arrastada pela sala de aula, perante os outros alunos e perante um país inteiro, estarrecido e mudo de espanto e revolta !

Gostaria muito de saber se os Pais da aluna vão ser confrontados com a péssima educação que deram à filha e se é assim, aos berros e empurrões, que o monstrozinho, que criaram, os trata, em casa!

Gostaria muito de saber como é possível a Ministra não ter vergonha de fazer de conta que nada se passou, desvalorizando tudo o que de grave, muito grave, vem acontecendo na Escola, tendo, a despropósito, feito mesmo uma comparação, sem nexo, entre a aplicação do Estatuto do Aluno, na escola, e os acidentes de viação e a aplicação do Código da Estrada!

Gostaria muito de saber o que é que esta Ministra pensa que pode ainda fazer sem os docentes que ela, definitivamente, perdeu porque, gélida, arrogante e rude, sempre os desautorizou, desmotivou e cuja voz não ouve, nem nunca ouviu!

Gostaria muito de saber como é que, ao fim de três anos, esta Ministra ainda não percebeu que, na Escola, os professores têm de ter autoridade, têm de existir regras de convivência bem definidas, a disciplina e o respeito são essenciais e é crucial uma liderança competente, imparcial, determinada mas humana e não lideranças incapazes de manter a ordem, entretidas com imbecis joguinhos de favorecimento e lobbies de amigalhaços e de oportunistas!

Gostaria muito de saber como é que esta Ministra ainda não percebeu que é, por inerência do cargo, a responsável máxima por tudo o que tem acontecido de deplorável na Educação e que já é tempo, há muito tempo, de se ir embora!

Gostaria muito de saber como é que a senhora ainda não se capacitou, ainda não compreendeu que chegou, decididamente, ao FIM! Se não soube ser Ministra com elegância e honra, que saia, ao menos, com um pouco de dignidade!

Gostaria muito de saber como é que o Primeiro Ministro, tão convencido e autoritário, mantém, num lugar chave do Governo, esta Ministra, cuja política educativa e postura, só o descredibiliza e ridiculariza perante um País assombrado!

Gostaria muito de saber quando é que Sócrates despe as roupinhas que usa para fazer jogging, veste-se, a rigor, de Primeiro Ministro e assume a responsabilidade de demitir uma Ministra,indiscutivelmente, acabada!

"É a hora!"


M.C.

terça-feira, 18 de março de 2008

Nunca te direi ... Adeus! Parte I

Esta noite, sonhei contigo.Estávamos de mãos dadas e, apesar da irrealidade do lugar, sem dimensão, nem tempo, eu distinguia, claramente, todos os traços do teu rosto.
Sobre nós, o céu parecia uma imensa árvore, densa e escura, pontilhada de estrelas brancas, cintilantes e tão próximas que, se eu quisesse, poderia tocar-lhes, prendê-las entre os meus dedos e deixar o seu brilho enfeitar o meu destino.
Foi numa noite assim, vestida de negro e de prata e já perdida na teia que o tempo, incansável, tece, que comparaste as estrelas a incontáveis grãos de luz e nós, enquanto seres mortais, a grãos de pó que o vento, um dia, levará consigo.
Falaste-me depois, pela primeira vez, da fragilidade da vida e de como é tudo tão
efémero, tão transitório que, o que pensamos ter, não chega, na verdade, a ser nosso.
Não somos donos de nada, não possuímos ninguém e, quando o fim se aproxima, tudo desaparece e, connosco, só fica o Amor. O que fomos capaz de dar e, talvez também, o que, em troca, recebemos.
No jardim, cresciam dúzias de rosas, de caule esguio e pétalas de veludo, que enchiam de perfume e de encanto, a tarde serena e quente. Dístraída, desfolhei uma que se abria púrpura e exuberante à luz incandescente, mas já cansada, do sol dormente e tu, com esse teu jeito de menino que nunca deixaste de ser,disseste-me que nada se destói na Natureza, sem perturbar o equilíbrio do Universo, tão forte, tão íntima, é a ligação entre tudo o que existe.
Não sei se, então, terei compreendido bem o sentido das tuas palavras, mas, nessa noite, adormeci, já suspensa, entre a incipiente consciência da delicada e perfeita harmonia da Criação e a noção pungente da minha fragilidade e da força destruidora que essa mesma fragilidade escondia .
Tinhas uns olhos lindos, que os óculos esbatiam, mas que mudavam de cor, não sei se conforme a maior ou menor intensidade da luz, se conforme o teu estado de espírito ou se, porque eram, simplesmente, assim .
Às vezes eram castanho-esverdeado, outras vezes, de um verde profundo e aveludado, como as folhas das árvores nas madrugadas macias e serenas, outras ainda, de um castanho tão claro e transparente que pareciam âmbar.
Um dia, perguntei-te de que cor eram os teus olhos.
Meio-divertido, meio-surpreendido com a pergunta, disseste que os teus olhos eram da cor que eu os via, como, aliás, tudo à minha volta. Explicaste-me que, pela força das minhas emoções, com a minha alegria luminosa e radiante, com a minha tristeza sombria e gelada, assim eu coloria ou escurecia cada um dos meus dias. Era como se, ao projectar-me em tudo ao meu redor, eu tivesse, sem saber, o poder de recriar o mundo, embelezando-o ou desfigurando-o, o poder supremo de pintar a minha vida da cor que eu escolhesse, da cor que eu mais gostasse!
E, nessa noite, adormeci feliz, cheia de esperança num mundo que eu iria pintar de de azul, verde, branco e amarelo. E de todas as outras mil cores possíveis!
Muitas vezes, perdida no escuro, afogada nos velhos medos e pesadelos ancestrais que já nascem connosco, eu chorava baixinho e sufocava, na almofada, o terror, sem nome e sem tamanho, de te perder! Porque perder-te, seria o fim, trágico e definitivo, do meu pequeno mundo de afectos e seria perder-me!
Uma noite, pressentindo-me a solidão e as lágrimas, abraçaste-me e prometeste que nunca me deixarias enquanto eu não fosse suficientemente forte para prosseguir sem ti! Foste ousado na promessa que não sabias se irias cumprir, mas , eu suspirei de alívio e, como sempre, descansei em ti.
E, quando, por fim, adormeci, aconchegada na ternura morna dos teus braços, o meu coração batia, já, ao ritmo sereno do teu, de novo compassado, seguro, confiante.
Contaram-me um dia, uma história complicada, daquelas de grande elevação moral, que não me convenceu pelo exagero, pela pieguice avulsa e, talvez também, por uma certa incongruência.
Mesmo assim, perguntei-te o que era aceitar, perdoar e resignar-se.
Muito sério, disseste-me que aceitar podia ser uma opção profundamente dolorosa, esgotante, mesmo violenta; perdoar podia ser tremendamente difícil, porque esquecer era, às vezes, impossível; resignar-se podia ser estagnar, desistir, quase deixar-se morrer, crucificado na agonia lenta da desesperança e do desalento.
Inclinavas-te perante o dom sublime do perdão e compreendias a aceitação e a resignação perante o abismo insondável da Morte, mas nunca, perante as vicissitudes da vida, perante a injustiça, perante a prepotência!
Depois, olhaste para mim com esses teus olhos tão verdes e brilhantes como folhas tenras e orvalhadas, nas madrugadas suaves e transparentes e pediste-me que nunca me resignasse!
Não me lembro já o que prometi, mas, se por temperamento, não me rendo, nem me resigno facilmente, o facto é que já senti, no mais profundo de mim, a verdade crua das tuas palavras, na violência da aceitação, na incapacidade exasperante do esquecimento, na dificuldade extrema do perdão e na tristeza, na infinita tristeza da resignação !
Ensinaste-me sempre a ver o Mundo como um filme fantástico, de largos horizontes e em deslumbrante colorido.Talvez por isso, nunca tive da vida, das pessoas, dos sentimentos, uma imagem linear, cinzenta e entediante .


M.C.

Nunca te direi ... Adeus! Parte II

Um dia, ao entardecer, quando o céu e a terra se fundem, na labareda incandescente e lasciva do sol poente, perguntei-te como seria o Amor se tivesse cor . Eu imaginava-
-o de um cor-de-rosa doce, delicado, encantadoramente romântico,mas tu pensavas que deveria ser vermelho vivo, forte, fulgurante, porque esse é um sentimento feito de pura emoção, intenso, impetuoso, avassalador e as cores suaves não lhe ficam bem .
No Amor, dizias, é sim ou não, é ganhar ou perder, é tudo ou nada, sem meias-tintas, sem meias-palavras, sem meios-termos!
E, nessa noite, adormeci agitada e um pouco ansiosa. Assustava-me a possibilidade de, um dia, amar e ser amada assim. Inteiramente, apaixonadamente, irremediavelmente!
Hoje, muitos anos passados, tantos, que já lhes perdi a conta, acredito que, partilhar com alguém um Amor com essa verdade, essa entrega, essa força arrasadora, possa ser, só por si, a justificação de toda uma existência!
Contigo, aprendi a amar a música e, a encontrar nela, uma preciosa companhia nas horas de solidão, uma amiga fiel e sempre presente nos bons e nos maus momentos .
E, a teu lado chorei com Chopin, sorri com Mozart, enterneci-me com Puccini, emocionei-me com Beethoven e rezei com Bach!
Despertaste, em mim, desde muito cedo, o gosto pela leitura e, pelas tuas mãos, li algumas das obras mais marcantes da Literatura que, depois, comentávamos calorosamente. Tu, com um sorriso e o argumento certo. Eu, arrebatada e muito ciosa da minha opinião!
E, junto de ti, repousei com Antero, na Mão direita de Deus, calcorreei serras com Torga, amei perdidamente com Florbela, encantei-me com a profundidade de Somerset, assombrei-me com a magia de Mann e apaixonei-me, definitivamente, por Eça!
Através dos livros, eu ia descobrindo mundos novos, enquanto criava outros, nas histórias que inventava, que tu lias, orgulhoso, mas que eu, depois, sem tu saberes, rasgava.
Porque, tudo o que escrevo parece-me sempre tão tosco, tão incompleto, tão inútil ! Porque, nunca fui capaz de transpor para o papel, nem os pensamentos que brotam rápidos, em torrente incontida, do meu cérebro, nem os sentimentos, de choro e de riso, que correm à solta, em doido tropel, no meu coração!
Como acontece agora, que escrevo para ti, enquanto vasculho lembranças nos baús desbotados e poeirentos do Passado.
Contigo, surpreendi-me com os traços puros, clássicos, belíssimos de Botticelli, deslumbrei-me com a beleza voluptuosa, cheia de cor e de luz de Renoir e comovi-me com a delicadeza intimista, deliciosamente cândida e sensual de Fragonard.
Mas, também de ti vem esta atracção irresistível pelo mar, esta necessidade, quase primária, de o ver, de lhe sentir o cheiro a sal e a algas, de lhe escutar o ribombar assustador das vagas alterosas, em furioso turbilhão, quando está revolto, ou o marulhar terno, quase erótico, das ondas mansas a sussurrarem inconfessáveis segredos e a espreguiçarem-se, lânguidas, na areia húmida e lisa .
E, frente a essa massa de água, imensa, translúcida, magnífica, bordada de espuma e salpicada de luz, aprendi, contigo, a encontrar alento para o meu cansaço, paz para a minha ansiedade, inspiração para a minha vida !
De ti, ficou-me o desprezo pela hipocrisia, pela intolerância, pela mentira cruel, pela maldadezinha canalha, pela vingança aviltante, pelo queixume gratuito!
Em ti, encontrei sempre uma espantosa humanidade, um sentido de humor subtil, mas certeiro, uma inteligência viva, flexível, uma sensibilidade fina, requintada e o respeito discreto, compassivo, generoso pelos outros. Pelas dificuldades, pelas aflições, pelo sofrimento dos outros!
E, é por tudo isso que tantas vezes, como agora, é para ti que o meu pensamento voa, a minha alma se ajoelha, reverente, perante a tua e eu te agradeço e te bendigo! Tu foste, em cada um dos meus dias, a minha âncora, o meu porto de abrigo, a luz-guia dos meus passos ! Antes, agora, sempre!
Não foste um santo, um filósofo ou um poeta. Ou, talvez tenhas sido tudo isso, sem ninguém saber. Nem mesmo tu!
Esta noite sonhei contigo e fomos juntos, lá para onde só a alma e a memória podem ir, onde somos livres, o céu é sempre azul, as flores não perdem o encanto, nem o perfume e tudo tem a cor cristalina do teu espírito!
Nunca nos dissemos Adeus!
Adeus, diz-se quando o Amor acaba e o fim é, então, inevitável, definitivo, irreparável!
Nunca se diz Adeus, quando o laço visceral, feito de sangue e de afecto, permanece intacto e tu continuas comigo, pois, sobre o coração e o pensamento, ninguém,nada, nem mesmo a morte, tem qualquer poder !
Não se diz Adeus, quando sabemos que, em termos de Eternidade, vinte, trinta ou quarenta anos de separação, não são mais do que dois, três ou quatro segundos deste tempo que contamos!
Não se diz Adeus, quando o rasto claro, límpido, brilhante da tua luz é ainda o caminho que percorro!
E, porque uma noite destas talvez volte a sonhar contigo, agora e uma vez mais, digo-te apenas, até já, até logo, até sempre, meu querido!


M.C.

terça-feira, 11 de março de 2008

A "minha" África ... Parte I

África foi o meu berço, a minha escola, o meu primeiro amor!
Aí cresci como uma flor que desponta, estremece e desabrocha devagar, nas meias-tintas suaves das madrugadas, na luz forte e exausta dos poentes .
E, parte das minhas raízes ainda lá estão, na terra imensa, suada, sofrida: junto ao embondeiro gigantesco, sentinela imponente da savana africana; junto ao mar, enterradas na areia fina, translúcida e, talvez também, no coração da Ana, a ama-seca negra que me embalou, com doçura, nos braços roliços e macios e me contava histórias que eu escutava, ansiosa, com os olhos redondos de satisfação e de espanto !

A Ana que eu gostaria de ter guardado comigo, só para mim, até ao fim dos meus dias, mas que, por um desígnio mais forte do que todo o querer do mundo, também perdi .
Dela, ficaram, para sempre, docemente aninhadas no meu coração, a ternura, a alegria, as canções de ninar e o encantamento das pequenas histórias, onde a realidade ingénua da sua vivência, o místico e o fantástico se entrelaçavam numa harmonia perfeita e estranha, como se a Ana tivesse, em si, toda a força, todo o mistério e todo o fascínio de África!

África do sol quente, dolente e voluptuoso; do capim, descorado e ressequido e das árvores espectrais, erguidas para o céu, na época seca, como mãos descarnadas, implorantes, quase mortas . Mas, também África da vegetação luxuriante, plantas raras, únicas, de folhagem verde e macia, onde o cacimbo escorre, tranquilo e límpido como lágrimas de reconciliação .

África dos flamingos cor-de-rosa, toque de delicado romantismo nos mangais; dos pássaros de mil cores que cortam o espaço numa vibração de alegria e de plenitude; dos animais selvagens, senhores absolutos de uma terra que é sua, estampas de perfeição e imponência, que aí se criam e reproduzem, numa estonteante explosão de vida e de beleza.

África da espantosa riqueza do minério e das pedras preciosas; das extensas plantações de cana-de-açúcar, do algodão e do café que, em muitas zonas, se oferece espontâneo e farto, num esbanjamento de fidalguia abastada !

África das baías azuis, langorosas e doces como um regaço de mãe; das areias delicadas e douradas como carícias de criança; dos palmeirais esguios, lânguidos e ondulantes, que o vento agita mansamente, amorosamente, com requintes de amante !

África do cheiro consolado da terra depois da chuva . Chuvadas fortes, repentinas, benção do céu que fecunda e cria; das trovoadas violentas, assustadoras que atroam os ares e despertam, malévolas, os velhos medos de infância; dos poentes breves, mas intensos, clarões fortes, vermelhos, sanguinolentos como lagos incandescentes de amor, de ciúme e de traição

África do cantar monocórdico das cigarras; da alegria atrevida, provocante das acácias em flor; dos milhares de pirilampos, pequenos pontos de luz perdidos no escuro profundo de uma terra adormecida !

E, à sexta-feira à noite, no frenesim das batucadas que irrompem súbitas no ar, África estremece vibrante e ansiosa. Nas sanzalas, os corpos negros, elásticos, suados, agitam-se indomáveis, em frémitos de prazer e de paixão, à luz ardente das fogueiras, ao som agreste e exuberante dos batuques ! E, durante duas noites, a sanzala cuidada e pachorrenta, transfigura-se ao ritmo inquietante dos tambores, na sensualidade lasciva da dança, nas brigas violentas, em tremendas bebedeiras !

M.C.

segunda-feira, 10 de março de 2008

A "minha " África ... Parte II

África do andar lento e requebrado das negras, corpos sinuosos, indolentes, envoltos em panos coloridos, artisticamente traçados, carregando com naturalidade e alegria os filhos que criam livremente, sem pressas e sem angústia, confiantes na força de uma Natureza tantas vezes caprichosa e nem sempre compassiva, mas que respeitam e amam !

Mulheres que aceitam, submissas, o pesado fardo de viver, bebem aguardente de cana, que destilam em alambiques caseiros e saboreiam, vagarosamente, gostosamente, o tabaco ordinário e forte, que fumam com a ponta acesa dentro da boca .

África da gente simples, alegre, dedicada, gente de pele negra mas onde pulsam corações lindos, puros e cristalinos, que enfeitaram, parte da minha vida, de sorrisos, de afecto e de luz ! E, todos e muitos são, permanecem nítidos, vivos na minha memória!
O Faustino, religioso convicto, a quem eu dava "santinhos" para me deixar comer as batatas estaladiças que ele ía, incessantemente, fritando para o jantar; a Averina, a nossa lavadeira, que adorava o chá da manhã e dizia que, quando eu fosse "grande", ficaria comigo para cuidar de mim e dos meus filhos; o Chipeco que me conhecia desde o berço e sempre que eu, já universitária, viajava até casa, em férias, ía visitar-me, abraçava-me, dizia que eu estava linda mas magrinha e, talvez por isso, oferecia-me, invariavelmente, ovos das galinhas que a mulher criava, na sanzala e um pão de forma branco, macio e fofo, com sabor a ternura; o Mussarilo, que adorava o meu pai, porque ele ajudava-o, muitas vezes, sobretudo, economicamente, e que insistia, teimosamente, em lavar-lhe o carro, todos os dias, e poli-lo até parecer um espelho ! O meu pai comovia-se e ficava um bocadinho embaraçado, mas sabia que essa era uma maneira delicada e, talvez a única que, na sua simplicidade, ele tinha, para lhe dizer quanto o estimava e lhe estava grato !

África dos grandes espaços abertos, imensos, impressão de infinito que nos conduz muito para além do trivial e do medíocre, dando-nos da vida e do universo que nós somos, perspectivas novas, mais amplas, mais humanas como se ali, o pensamento e o mundo adquirissem dimensões diferentes, maiores e mais profundas .

Estive, pela última vez, na "minha" África há muitos anos, tantos, que não os quero contar, poucos dias antes de partir rumo a uma Europa bem mais sofisticada, fria e cinzenta .

Nesse dia, frente a mim, resplandecia um pouco da África exuberante e misteriosa que amei apaixonadamente e que, para sempre, retenho na minha memória, nos meus sentidos, nas minhas veias, como parte integrante de mim, como uma marca de fogo, indelével ! E, essa terra vermelha, de contrastes vivos e bem marcados, que ainda vejo e guardo na minha alma, permanece bela e intacta, depurada de todo o Mal, pelo filtro mágico da distância e da nostalgia !

Contudo, não é sem espanto e mágoa que, em momentos como este, me vou dando conta do muito que já esqueci. Pedaços de vida que já não são meus, perdidos na névoa de um Passado, aqui e ali, já morto, porque, aqui e ali, já desvanecido pela erosão implacável do Tempo !
E, nas clareiras que os anos foram abrindo na minha memória, ergue-se, solitária e dorida, a Cruz negra da Saudade e florescem, cansadas, estranhas violetas, sem viço e sem perfume !

Naquele dia, há muitos anos, tantos, que não os quero contar, estendia-se frente a mim um pedaço da "minha" África, num deslumbramento de cascatas, vegetação e árvores altas, numa sinfonia de luz, de sons sussurrantes e de verdes de mil matizes, a mais bela e majestosa catedral, para o mais fantástico Te Deum.

Sem pressas, sem dramatismos, encerrou-se, então, suavemente mas para sempre, um ciclo precioso da minha vida. Foi o ponto final de uma Infância e Juventude sem história, porque dias felizes não têm história, vividos em Cinemascope e em Technicolor, porque tudo em África é, naturalmente, grande, colorido, luminoso !

Ali, há muitos anos, tantos, que não os quero contar, naquela hora singular, feita de encantamento e de lágrimas, a minha alma rasgou-se numa prece sentida, que era já um infinito adeus:"Domine, miserere nobis ! Domine, miserere me!"




PS- Dedico este post sobre a África que conheci, a todas as pessoas que nasceram e/ou viveram em Angola, a amaram como eu a amei, não a esqueceram como eu nunca a esqueci e jamais esquecerei ! Porque Angola e o seu povo serão sempre parte de mim !


M.C.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

O Portugal Paralelo ... Parte II

Nessa inacreditável entrevista que, não foi mais do que um confrangedor auto-elogio, Sócrates falou da óptima qualidade de vida, da organização e do avanço progressivo de um Portugal que ele diz governar, talvez paralelo a este Portugal onde tenho vivido e trabalhado e que, desgraçadamente, não é assim !

A Economia está débil e soçobrante . Espera-se mesmo um recuo até porque a conjuntura económica internacional não é favorável e, no estado, de quase ruptura, em que se encontra, não inspira confiança para o investimento, realmente, crescer e o país estagna !

Há já vinte anos que a praga do desemprego não atingia uma taxa tão alta, no país; empresas entram, sucessivamente, em falência, fecham e o desespero das famílias que sofrem este flagelo, está já no limite do suportável !
A pobreza acentua-se e o poder de compra tem baixado drasticamente, apesar das «óptimas» medidas que o Ministro, de sorriso alvar, tem tomado, para bem de todos nós !
E, para nossa vergonha, o nível de indigência nas crianças é dos mais altos da União Europeia .

Na Saúde, têm sido tomadas medidas que são um estrondoso desastre , com Hospitais, Urgências, Maternidades e Centros de Saúde a fechar, disparatadamente, sem, antes, haver o cuidado de serem criadas alternativas credíveis !
As pessoas , especialmente no interior, percorrem longas distâncias para terem uma razoável assistência médica num hospital ! Ou uma simples consulta num centro de saúde !
Muitos pais não sabem, sequer, dizer onde nasceram os seus bebés porque muitos partos acontecem nas ambulâncias, nas auto-estradas, no meio do nada, a caminho do Hospital mais próximo que fica, geralmente, a muitos quilómetros de distância !
O Serviço Nacional de Saúde tem sido, tragicamente, desmantelado e pessoas têm morrido, sem socorro e assistência atempada .
Os Hospitais que prestam serviço de urgência a zonas, agora, bem mais vastas, estão atulhados de doentes, macas polulam, pelos corredores e os Profissionais de Saúde, esgotados e saturados, nem sempre podem dar uma assistência razoável a todos !
Nas Urgências, há dias,( muitos dias), de caos absoluto e o trabalho lá dentro e a espera cá fora, arrasta-se por horas e horas de desespero e exaustão !

Se chove mais do que o normal, as inundações arrasam aldeias, vilas e a parte mais baixa das
cidades, destroem casas, ruas e pequenos negócios e os bueiros e caixas de saneamento, entupidos, vomitam, para a rua, com a água que se acumula, jorros de lixo !

Nas Escolas, neste país onde vivo, o caos é total e as medidas, tomadas por uma Ministra cretina mas prepotente, afrontam o Ensino e os Professores, que são tratados sem respeito, com rudeza e com um patético autoritarismo, pelos responsáveis da Tutela e aturam, nas aulas, garotos grosseiros, verdadeiros marginais provocadores e perigosos a quem, uma Ministra tonta e ignorante, aconchega e facilita a vida, para gáudio dos meninos e contentamento dos pais mais inconscientes !
Os Professores são insultados, provocados e agredidos , mas calam ! Calam por Medo, por puro Medo de represálias ! Porque ser Professor é, hoje mais do que alguma vez foi, um trabalho sem rede, sem qualquer apoio da Tutela e, em muitas escolas, vergonhosamente, sem a solidariedade e o amparo dos Conselhos Executivos e de alguns colegas sem Ética!
Porque o que move este tipo de gente, é estar com o Poder !
Os alunos raramente são castigados e responsabilizados pelas suas palavras ordinárias ou actos menos próprios, para não ficarem traumatizados, para agradar aos pais e porque há sempre maneira de culpabilizar o Professor ! E, um bode expiatório dá, sempre, muito jeito !

Era, neste « jardim à beira mar plantado», muito necessária uma Justiça que não tivesse dois pesos e duas medidas, conforme as pessoas envolvidas, uma Justiça correcta, imparcial e rápida, com tribunais que não fossem um poço, sem fundo, de atraso e incompetência , porque a violência, a corrupção e o crime vão grassando, impunes!

Este, sim, é o País onde realmente vivemos, o chão difícil que pisamos, decerto, muito parecido, na forma, com o país das mil maravilhas do Primeiro Ministro, o tal Portugal paralelo, mas, muito diferente no conteúdo, na sua crua e feia realidade !
Como não posso estar nesse país paradisíaco, qual Alice no país das maravilhas, que Sócrates diz, nas loas que faz a si próprio, governar com tanto êxito e onde é um Primeiro Ministro muito competente e humano, senti-me invadida por uma tremenda depressão e apeteceu-me chorar !Contudo, quando começava a verter as primeiras lágrimas, lembrei-me de um artigo que li , há tempos e que dizia que o choro faz mal à saúde e à beleza : os olhos ficam vermelhos e papudos, estraga e mancha a pele, envelhece e torna feio o rosto mais bonito !
Ao contrário, dizia, ainda, o artigo, o riso descontrai, combate o stress, rejuvenesce, esbate as rugas e dá um brilho especial ao olhar, tornando qualquer pessoa mais bonita e atraente !
Assim sendo e porque gosto muito de parecer bem, decidi que, realmente, o melhor era rir, rir muito, das grandezas e melhorias bacocas de um governante, pateticamente, vaidoso !
Já passaram uns dias, e, sempre que me lembro, da diferença entre o Portugal onde esgravatamos o pão nosso de cada dia e o Portugal fantástico que o Primeiro Ministro governa, ainda me rio, para ... não chorar ! De raiva !

O Portugal paralelo onde Sócrates é um espectacular Primeiro Ministro, será, um dia, um belo destino de férias, quiçá, para requintadas elites !

Para já, em comparação com este Portugal vestido pobremente de escuro, exasperado e esgotado, que é a nossa triste realidade, é, apenas, mais uma anedota infeliz e de muito mau gosto !!!

M.C.