quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade


Desejo, queridos Amigos, que o Novo Ano seja, para cada um de vós, um belíssimo presente a transbordar de grandes realizações pessoais e profissionais, embrulhado no papel sedoso e translúcido da Esperança, selado com Saúde, Coragem e Alegria e enviado, pelo Tempo, com sonhos de luz, sempre renovados.
Afinal, os que somos nós senão "o tecido de que são feitos os sonhos"?
Abraço grande.

MC

"Acordo ortográfico: donos da Língua" por Madalena Homem Cardoso, Público, 20.12.2013

Finalmente, os donos da Língua vão ser recebidos na Assembleia da República, hoje, às dez horas da manhã!
Imagino o senhor José, dono de uma mercearia numa ruela de um bairro popular de Lisboa, apenas com a antiga 3.ª classe, a acabar de escrever a última placa de cartão para a fruta... "Kiwi", já está. Nunca lhe ocorreria a necessidade de consultar um dicionário para escrever uma tabuleta para os caixotes acumulados à porta, emprestando o seu delicioso odor matinal à cidade.

Hoje, porém, recolheu tudo e afixou uma desculpa esfarrapada para fechar a loja. Nunca foi à Assembleia da República, mas o filho disse-lhe que viu no computador que vão discutir uma Petição para tirar Portugal desta coisa que pôs tantas pessoas a escrever mal, e que toda a gente pode entrar para ver o que é que os políticos vão fazer... O senhor José já está farto de ver aquele "direto" ao canto do televisor.

"Direto" não é correcto, não há direito...! É o "directo" que indica que se vai a "direito", e tudo vai torto se não percebem isto. E esse "acordo" não "está feito", não é um facto, é só um pacto infecto. "Directo" escrito "direto", de "jato", à brasileira, não tem jeito...
Disse-lhe o filho que viu no computador um filme que mostra como, no Brasil, não ligam ao "acordo", e agora andam a experimentar pôr "x" onde era "ch", pôr "k" onde era "qu", tirar os "h"... Eles que façam o que quiserem e chamem "Brasileiro" àquilo.

Como o "acordo" morreu no Brasil e cá é lixo tóxico, teve de ser incinerado. Disse-lhe o filho que vai haver uma manifestação, junto à Assembleia da República, enquanto lá dentro falarem da Petição e, depois, vai partir de lá, ao meio-dia e meia, uma marcha em direcção ao Terreiro do Paço. As pessoas vão lançar ao Tejo as cinzas dessa coisa, lá, na linda "sala de visitas" da Europa, e o senhor José não quer faltar.

Iremos finalmente regressar ao "Português que somos"? Iremos sim, mais tarde ou mais cedo, com maior ou menor dano, iremos sim.

Já aqui moramos há muitos séculos, no chão desta Língua Portuguesa que atravessou mares e se transformou, por cá e noutras paragens. Mas a que vive e respira connosco é nossa, e nós somos nela. Pensamos, logo existimos, em Português. Donos da Língua, donos de nós.


Versão de "O MOSTRENGO" (de Fernando Pessoa), dedicada ao "CONVERSOR" LINCE®:

O “conversor” Lince que eu não quis instalar

Varreu o ecrã, ergueu-se a voar;

À roda do texto veio três vezes,

Roubou três letras a chiar,
E disse: "Quem ousa desafiar

As minhas razões que nem eu entendo,
Meu lápis invisível infecundo?"

E ao leme da tecla eu disse, tremendo:

"Séculos de Língua Portuguesa no Mundo!"


"De quem são as letras de que troço?
De quem o linguajar que leio e ouço?"

Disse o “conversor” Lince, e arrotou três vezes,

Três vezes arrotou imundo e grosso.

"Quem vem escrever como não posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse

Instalado no medo, mas do nada oriundo?"
E ao leme da tecla tremendo, eu disse:

"Séculos de Língua Portuguesa no Mundo!"


Três vezes do teclado as mãos ergui,

Três vezes ao leme de mim escrevi,
E disse no fim de tremer três vezes:

"Tremo com fúria, sou mais do que eu:
O que este Povo escreve não é teu;

Mais que o raivoso Lince que me a alma pisa
Mutilando palavras furibundo,

Mandam as raizes que erguem a divisa,
Séculos de Língua Portuguesa no Mundo!"

 
(em descarada "parceria" póstuma "à revelia" com Fernando Pessoa)

 Madalena  Homem Cardoso, Público, 20.12.2013

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Natal

Litania do Natal

A noite fora longa, escura, fria.
Ai noites de Natal que dáveis luz,
Que sombra dessa luz nos alumia?
Vim a mim dum mau sono, e disse: «Meu Jesus.»
Sem bem saber, sequer, porque o dizia.
E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»
Na cama em que jazia,
De joelhos me pus
E as mãos erguia.
Comigo repetia: «Meu Jesus.»
Que então me recordei do santo dia.
E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»
Ai dias de Natal a transbordar de luz,
Onde a vossa alegria?
Todo o dia eu gemia: «Meu Jesus.»
E a tarde descaiu, lenta e sombria.
E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»
De novo a noite, longa, escura, fria,
Sobre a terra caiu, como um capuz
Que a engolia.
Deitando-me de novo, eu disse: «Meu Jesus.»
E assim, mais uma vez, Jesus nascia.

José Régio

Neste dia agreste, frio e chuvoso, desejo a todos os meus queridos Amigos, que por aqui passam e me lêem,  um Natal muito quentinho, a transbordar de luz e de doçura!
Abraço grande.

MC

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Pequenas divagações sobre esplendorosa Poesia...

Lembra-te de mim quando a ausência de nós dois escurecer o teu dia... Quando um eco de saudade "retroar" em ti, lembra-te que te amei e lê o que escrevi para ti...

Apesar de, é bom sentir o coração em chamas. Apesar de, ainda aconchego este coração incendiado, no desconcerto do peito. Apesar de, guardo a tua lembrança, num recanto de sombra da minha memória. Apesar de, a claridade da manhã rompe o véu infinito da noite. A vida vale a pena ser vivida inteiramente, intensamente, apesar de...

Quando a manhã afaga o meu rosto, despenteia os meus cabelos, é a delicadeza de Deus a tocar a meu dia...

Tu és a ausência mais funda, eu sou a alma mais solitária, mais nua, mais fria... Tu, a ausência... Eu, a solidão...

Como todas as vidas, a minha vida tem sido vendaval desfeito e brisa branda; tem sido onda gigantesca e renda ondeada a desmaiar, lângida, na areia; tem sido jardim incandescente e terra árida, queimada; tem sido luz e tem sido sombra e, ainda hoje, não sei por onde vou, mas, sei, que não vou por aí, por onde queres que eu vá...

Na frecura leve, intocada de cada madrugada, eu renasço, eu estremeço, eu volto a ser inteira...

Os poetas entendem os idiomas das árvores; os poetas sabem de todas as canções do vento, que as folhas cantam só para eles; os poetas guardam, na alma, todos os perfumes do Sol, todas as carícias da chuva branda, mas é com as suas lágrimas, com o seu sangue e no tumulto das suas emoções, que eles escrevem a sua Poesia...
E, eu... eu sou o passarinho à toa que esvoaça, feliz, um pouquinho entontecido, na luz bendita, dos seus poemas...

Há caminhos que só a alma conhece, que só a alma trilha, sem tempo e sem distãncia...

Como foi possível, Florbela, não gostares do sol, tu que tinhas, arrecadada em ti, toda sua luz de ouro, toda a cintilação das estrelas, todo o brilho, toda a incandescência desse teu génio singular? Como foi possível deixares-te enredar no negrume triste da noite mais densa, quando tu, Florbela, foste, na vida, um luzeiro imenso, amotinado, ardente? Essa borboleta doida, estranha, que te inquietava, Florbela, era talvez esse teu coração a bater, em sobressalto, como haste quebradiça, no desacerto do teu peito...

Em todas as vidas, como em todas as conchas vadias, que as ondas rendadas levam, há um interior escondido que nos silencia e nos aquieta...

Os flamingos, no seu voo alto e livre, carregam consigo o Sol e bordam, com os seus fios de ouro, o tempo, esse tecido invisível, subtil, perfeito, que nos submete e aprisiona...
 
Coração que nunca endurece é coração de santo; temperamento que nunca pressiona é temperamento de anjo; toque que nunca magoa só o toque da Tua Mão...
Mas, Tu estás sempre tão distante... tão ausente...

Eu sou a árvore nua e ressequida e tu a chuva mansa que a renova e a faz florir...

É bom voltar ao lar, ao anoitecer, quando nesse lar bate aquele imenso coração que nos ama, nos acolhe, nos conforta, nos aquece...
 
MC

domingo, 8 de dezembro de 2013

Nelson Mandela - Uma vida pela Liberdade e pela Igualdade Racial!

Nelson Mandela foi um lutador, um resistente! Recorreu à violência, sim, contra a infâmia do apartheid! Pagou muito cara a sua rebeldia e temeridade: sofreu e esteve preso 27 anos.
Quando o libertaram e teve o poder nas mãos, perdoou, perdoou, inteiramente, de todo o coração, por humanidade e por uma arrasadora bondade, sem nunca ...ter querido ajustar contas com os seus opressores, por tantos anos de vida perdidos, na prisão.
Mandela soube ver, nos outros, os seus irmãos, filhos da mesma Nação, fosse, qual fosse, a cor da pele! E, não sendo fácil a negociar, era intrangisente e duro, sabia ceder e sabia fazer a outra parte ceder! Mandela soube, acima de tudo,  dar sinais de perdão e de confiança. O seu sorriso largo, aberto, a sua arma mais valiosa!

Mas na reconciliação e no fim pacífico do nefando apartheid, que eram dados como impossíveis,  não pode ser esquecido que Mandela teve, a seu lado, a mão forte, a liderança e a coragem política de De Klerk! Foram os dois, lado a lado, que negociaram e fizeram a grande viragem, na África do Sul, um feito primoroso, de grande magnitude, na política!
Há ainda muito para fazer e, creio, não se poder dizer que a África do Sul seja um paraíso de anti-racismo, mas os alicerces foram lançados bem fundo e têm vindo a consolidar-se.

 Contudo, quando Mandela entendeu que era tempo de deixar o cargo, mostrando, assim, que o país poderia seguir sozinho, pelo caminho da coexistência pacífica e o respeito entre brancos e negros, da tolerância e do progresso, soube sair serenamente, porque, na sua  grandeza, como Homem e como político, nunca se considerou imprescindível,  insubstituível!
Se, este Homem foi grande, corajoso e temerário na guerra contra o racismo, foi muito maior na bondade, na reconstrução da dignidade da África do Sul,  na Paz!

Mas, Mandela, para além da sua extraordinária humanidade, ou talvez por isso mesmo, não foi propriamente um santo, foi sempre um lutador, um rebelde, um inconformista e um inovador! É desta massa que são feitos os grandes Homens, os maiores Estadistas!
Nelson Mandela é um  extraordinário  Herói africano, que mudou o curso da História, mudou o seu país e mudou o Mundo! Para muito melhor!

Obrigada, Tata Madiba!
Descansa em Paz!
Que os homens, no teu País e no Mundo, saibam compreender e respeitar o teu pensamento, o teu espírito!

MC