quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Pranto de Belisa pela morte de seu marido e seu amante

Belisa, com um braçado de rosas vermelhas, ajoelha-se junto ao túmulo de Perlimplim. Vestida de negro, esguia, pálida, com o rosto sulcado de lágrimas, acaricia devagar a pedra branca e fria.
Num entorpecimento até aí desconhecido, mergulhada na estranheza funda da tragédia que a atingiu, Belisa sussura, como se Perlimplim a pudesse ouvir, frases soltas, desgrenhadas, impetuosas e talvez sem sentido, porque tecidas de amargura e de espanto e temperadas de paixão:


Choro, Perlimplim, a tua morte inesperada, a tua partida violenta e súbita deste mundo, a tua irremediável lonjura de mim.

Choro, Perlimplim, por não ter percebido, em ti, o homem apaixonado que eras. Limitei-me, na minha fria insensibilidade, a ver em ti, apenas o homem velho, inexperiente com mulheres e um pouco ridículo que estavas longe de ser, e que aceitei, leviana, por marido.

Choro, porque não soube escutar, nem compreender, nas tuas palavras encobertas numa desajeitada ligeireza, numa triste conformação e talvez numa dolorosa vergonha, a cintilação da tua inteligência, da tua generosidade e do teu amor por mim!

Mas também choro, Perlimplim, porque não me apercebi da tua astúcia, da urdidura manhosa que teceste à volta deste meu coração doido!

Choro, Perlimplim, o jovem belo e sedutor que me cortejava e coloria os meus dias, embuçado na maciez erótica da sua capa vermelha, e por quem, me apaixonei perdidamente! Um jovem sedutor que afinal eras tu, mas que mataste quando, insano, te mataste, com o precioso punhal cravejado de esmeraldas ardentes.

Choro, Perlimplim, a morte do sonho, do meu sonho febril, da desmesura da minha estranha fascinação! Por ele! Pelo desejo quase doentio da proximidade dele, dos lábios dele presos nos meus, das mãos dele a tocarem a minha pele, do meu corpo entrelaçado no dele!

Choro, a loucura doce e excitante de um deslumbramento que eu nunca tinha sentido, mas que tu destruíste com o teu punhal cravejado de esmeraldas, cujo fulgor devia ser de esperança, de luz, de vida e não de escuridão, de violência, de morte!

Choro, Perlimplim, a Belisa jovem, ardente, maliciosa, apaixonada, confiante na vida e no amor, que morreu com o jovem embuçado que a seduziu com o fogo do seu desejo nunca apaziguado, e também contigo, coração calado, mas braseiro infatigável, incêndio de labaredas altas, já que um era o outro, jogo de sombras enganosas que não entendi, mas cujo fim me deixou afogada neste fremente desespero de alma perdida, abandonada!

Choro, a floresta de enganos em que me enredaste, traindo-me, destroçando-me! Talvez sem maldade, talvez, apenas porque, num desalento, te perdeste, inconformado, no imparável declínio da vida!
Foste presença generosa e foste esquivo! Foste luminoso e foste turvo! Foste lírico e foste trágico!

Choro, Perlimplim, porque não vi o brilho sereno da tua alma, não pressenti o teu amor por mim e considerei-te velho, confuso e tonto. E tu eras muito mais do que isso! Mas cega, desnorteada, no negrume profundo da teia viscosa que teceste, não te vi! Talvez por isso, continuei a procurá-lo, a ele, louca ilusão, quando te tinha, coberto de sangue, a morrer, nos meus braços!

Choro, por ti, por ele, por mim! Por ti, porque, apesar do teu ardiloso embuste, que desfizeste com a lâmina afiada e fria do teu punhal cravejado de esmeraldas, foste na minha vida, uma cintilante chuva de estrelas numa noite escura e sem luar! Por ele, que nada mais foi do que uma iridescência de ti, uma transparência de ti, uma sombra fugidia de ti que, no entanto, amei! Por mim, porque, na turbulência do meu corpo fremente de desejo e na imprudência do meu coração insensato, na verdade, nunca te conheci! Jurei querer-te e respeitar-te e nunca te quis e nunca te respeitei! Traí-te, Perlimplim!

Choro, porque me sinto vazia e só! Não sei, verdadeiramente não sei, por quem bateu este meu coração alucinado, não sei, verdadeiramente não sei, por quem choro! Estranho-me, desconheço-me, desgosto-me de mim!
Fui tola; fui leviana; fui patética! E nunca te pedi perdão, nem te disse que te perdoo!

Choro, porque não posso aproximar a minha alma da tua, tu que podias ter sido o outro lado de mim, no caminho da vida! E é a chorar, Perlimplim, que te digo adeus! A ti e a ele! A ele, que eras tu!

Belisa levanta-se. As rosas vermelhas são uma mancha vibrante de luz e de cor, na pedra branca e fria.
Uma tristeza infinda ensombra-lhe o rosto bonito e no olhar vago e sombrio nada parece fazer sentido.


NOTA: Este texto foi escrito a propósito da peça de Frederico Garcia Lorca " Amores de Perlimplim com Beliza em seu jardim."