segunda-feira, 26 de abril de 2010

Canção do exílio

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Coimbra – julho de 1843

(DIAS, Gonçalves. Canção do Exílio. In: FACCIOLI, Valentim; OLIVIERI, Antônio Carlos. Antologia da Poesia Brasileira: Romantismo. 9.ed. São Paulo: Ática, 1999. p.26.Série Bom Livro)

Nota - Lanço aqui este belíssimo poema, a propósito de um conto delicioso "A menina de lá", do escritor brasileiro Guimarães Rosa

MC

Egipto

Nunca aqui registei qualquer nota acerca das viagens que tenho feito, muitas delas a países africanos porque, tendo nascido em África, tenho uma irremediável atracção por esse continente de profundos e dolorosos contrastes, mas transbordante de amplitude e de beleza!
Não resisto, porém, a escrever sobre a minha última viagem, que mais não foi do que um vertiginoso mergulho nas fascinantes História e Cultura do antigo Egipto!

Delicioso e memorável, foi o Cruzeiro ao longo dessa maravilhosa fonte de vida, o mítico Nilo, bordejado de espessa vegetação que, dizem, se tem vindo a estreitar, mercê do paulatino e terrivel avanço do deserto.

Adorei visitar o Egipto que conhecia da História. O Egipto dos deuses poderosos, dos faraós magestáticos, das misteriosas pirâmides, para cuja construção não foi ainda encontrada uma explicação cabal!
Sente-se apenas que, ali, algo de aparentemente impossível, se tornou realidade!
E não sei descever a emoção que cresceu dentro de mim, quando me aproximei daqueles mastodontes de pedra, símbolos colossais do engenho, da força e do penoso sacrifício de um povo!
Senti-me pequenina e frágil, perante a esfinge estática, impenetrável, carregada de mistério e de segredos milenares; prendi a respiração, de espanto, em Abu Simbel, um complexo arqueológico, na Núbia, constituído por dois grandes templos escavados na rocha, hoje de frente para o maior lago artificial do Mundo, perto da fronteira com o Sudão e mandados construír pelo faraó Ramses II, em homenagem a si próprio e à sua esposa preferida, a sua amada rainha Nefertari.

Luxor é outro incontornável ponto de referência no Egipto. Luxor moderna cresceu a partir de Tebas, a antiga capital do Império Novo.
O Nilo separa Luxor em duas partes: a margem ocidental consagrada aos vivos e onde se encontram os mais importantes templos consagrados aos deuses da mitologia egípcia: o templo de Luxor e o templo de Karnak, o maior dos templos do antigo Egipto, em cujo interior ainda se preservam os colossos, gigantescas estátuas que encarnavam o génio do faraó.

Na margem ocidental, consagrada aos mortos, encontram-se: o Vale dos Reis, a principal necrópole do real império Novo do antigo Egipto, onde repousa Tutankamon, entre outros faraós; o Vale das Rainhas, onde se destaca o túmulo da rainha Nefertari, esposa querida de Ramses II e o Templo Mortuário da rainha Hatshepshut, que governou, como um autêntico faraó e considerada a primeira mulher chefe do Governo, na História; por último, lá está também o Vale dos Nobres.

Enorme foi o sobressalto entre o turbilhão de gente e de trafego desordenado nas ruas e a amálgama de cor e de luz que é o Cairo moderno e o deslumbramento que é o Cairo velho, com as suas ruas estreitas, as mesquitas, as madraças, onde as crianças decoravam, ( decoram ainda?), o Corão, os bazares antigos e o Khan el Khalili bazar imenso e incrivelmente apinhado de gente, numa trementa e contínua algazarra.

Estonteante é o museu do Cairo! Ali, está à vista de todos, a espantosa sabedoria, a capacidade de criar beleza e a engenhosa inteligência do povo egípcio! Fiquei, francamente, com a estranha e viva impressão que eles, a milhares de anos AC, criaram tudo, quando vi as camas e o trono desdobráveis, as sandálias tão parecidas com as modernas havaianas, os preservativos, toscos é certo, que já usavam, as roupas interiores das damas, e tantos outros exemplos de artefactos e vestuário que hoje continuamos a considerar necessários, no nosso dia a dia, e que eles já tinham criado!

Depois, foi o descanso em Sharm El Sheihk, aos pés do Mar Vermelho, que se oferece numa longa extensão de água rasa, cristalina, até atingir a profundidade azul forte, mas sempre borbulhante de vida e de cor, sob a luminosidade forte e o calor de Amon Rá! A prática de snorkeling é, aqui, um enorme prazer e uma contínua e deslumbrante descoberta de rara beleza!
Ali ao lado, está o Monte Sinai a recordar-nos Moisés e o penoso êxodo de um povo eternamente marginalizado e sacrificado! A propósito, recordo o crime hediondo de Set, que matou o seu irmão Osíris, de que o crime bíblico de Caim, milhares de anos depois, é afinal, uma réplica quase perfeita. Só que Abel não teve, como Osíris, uma esposa amante e fiel, Ísis, que o procurou, lutou desesperadamente por ele até ter um filho seu, Hórus, o deus-falcão!

No Egipto, de facto, parece não haver fronteiras rígidas que separem os deuses do homem. As feições dos deuses que conhecemos, são as feições do homem ou dos animais que os rodeiam, no céu ou na terra. As suas mãos são invisíveis e infinitas como invisiveis e infinitos são os raios do sol. E sente-se, com respeito, que a Água e o Fogo cósmico, o Nilo e o Sol, a essência divina e a essência humana estão ali presentes, em todos e em cada torrão do solo egípcio.

MC