segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Até quando...?

Num país onde grassa a confusão e o desperdício, onde a corrupção alastra, onde o favorecimento e o nepotismo são já naturalmente aceites e onde o crescente empobrecimento da população é indesmentível, o discurso do Primeiro Ministro ainda surpreende pela rósea fantasia e destoa, brutalmente, da negra realidade!

Num país onde a Justiça se debate num caos assustador, onde o desemprego não pára de aumentar, onde é visível o abrandamento do crescimento económico, onde a despesa pública aumenta vergonhosamente e as contas derrapam com estrondo, onde a escola pública se desfigura e se desmorona e onde a insegurança se instala, o Primeiro Ministro relativiza, despudoradamente, a profunda crise que nos consome e entusiasma-se, gesticula, tem esperança e tem certezas!

Segundo ele e sob a sua sábia égide, o país cresce, equilibra-se, enriquece e afirma-se, aquém e além fronteiras!

O país vai-se afundando no pântano da pobreza, da intriga e da arrogância, vai-se dissolvendo entre os tentáculos da incompetência e do improviso, mas o Primeiro Ministro parece viver num outro Portugal de faz-de-conta, farto, limpo, organizado e florescente, um verdadeiro paraíso de bem-estar e de desenvolvimento, bem ao alcance das nossas mãos e, pelo qual, deveríamos, talvez, agradecer-lhe penhoradamente, mas que não é, seguramente, este nosso pobre, cinzento e esgotado Portugal, onde vamos, penosamente, sobrevivendo!

Até quando...?

MC

domingo, 8 de agosto de 2010

Guerra Junqueiro e a Pátria!

Este texto foi escrito pelo escritor português Guerra Junqueiro há 113 anos criticando a situacão política de Portugal no final do século XIX.
A sua pungente actualidade leva-nos a concluir, com mágoa, que Portugal é um país ESTAGNADO no tempo.
Continuamos a ser um povo bovinamente resignado, estupidamente passivo e aflitivamente medroso! E, continuamos, unanimemente, a abdicar! De tudo!

Até quando???


"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.

[.] Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.

A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.

Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."

Guerra Junqueiro, "Pátria", 1896

MC