sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O Outono


Outono!
Qualquer coisa lilás,
Schumann em violino,
Ângelus tangido em lentidões de sino...
Preguiçoso torpor de um fim de sono.
Espelho de água quieta dos canais!
Cá dentro, a idade,
restos de sonho e de mocidade;
trechos dispersos
de velhas ambições falhas na vida,
parcelas de antigas ilusões
que ainda, a custo, concentro
e invoco até agora!
Lá fora, a descida.
O crepúsculo inócuo destes dias,
a tristeza das folhas amarelas,
e a cantar sobre estas ruínas frias,
a monótona toada de meus versos.
Desce, Poeta!
A descida é suave...
Não te demanda rigidez de músculos
e nem exige que teu passo apresses...
A natureza é quieta,
da ingênua quietação de um sonho de ave,
e há paina nos crepúsculos...
No outono a luz é um eterno poente,
que mais à calma que ao rumor se ajeita;
Brilha, tão de manso e calma,
que até parece unicamente feita
para o estado d'Alma
de um convalescente.


Mário Pederneiras
(Rio de Janeiro 1867-1915)


 

 
O Outono que, dizem,  mais do que uma estação do ano, é um estado de alma, é a gestação delicada, mansa, amena do tempo mais tumultuado do ano. O Outono. É a sonata melancólica suave e mágica que prepara a sinfonia grandiosa, gélida, agreste do Inverno.

Mas. Esse é o tempo de doce quietude, de cores opulentas, pedaços dourados, vermelhos amarelos em forma de folhas a esvoaçarem num sopro e a atapetarem, num deslumbre de cor, o chão duro e nu. Agora.  Esse tempo de luz macia, coada e morna está a chegar ao fim, para dar lugar à chuva intempestiva, ao frio, à nudez esquálida das árvores, ao cinzento monótono dos dias.

Não. Não gosto do Inverno gélido, escuro, chuvoso e lamacento, com o granizo,, a bater, violento, nas janelas e a acordar, malévolo, os medos ancestrais, que já nascem connosco!

Não. Não gosto dos meses velhos e revelhos, longos, espalhados, num desconsolo entediado, em dias soturnos, curtos, mas intermináveis...

 Contudo.  Sei que o Inverno é também tempo  da natureza se preparar, presa no negrume que me pesa, para uma explosão de beleza e de luz. Mesmo assim. Dá-me a sensação deprimente de ausência, de perda, de infinita solidão! Que só a longínqua Primavera redime...

MC

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O rosto ao espelho


Retrato

"Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?"


 

 Em que espelho perdi o meu rosto macio, inocente, onde brilhava, radiosa, a esperança, Mãe? Onde está esse rosto liso, puro e confiante, que cabia, perfeito, na seda das tuas mãos? Talvez. Intocado no espelho dos teus olhos claros, Mãe! Agora. Eternizado, no teu espírito transparente, cristalino, o meu rosto de menina, parte da minha alma, pedaços do meu coração... No entanto. Neste espelho onde me vejo não tenho o olhar vazio, nem o lábio amargo, nem as mãos paradas, sem força, mortas. Não. Estou viva, Mãe! Quero o meu olhar com a  claridade verde e translúcida do campo, nas serenas madrugadas de verão, quero os meus lábios com a doçura de mãos que se entrelaçam, quero o meu coração vibrátil, como um braseiro latente, que uma lufada de vento transforme, assim de repente, em chama alta.  As minhas mãos secas, magras e nervosas, essas,  buscam, infatigáveis,  as palavras que me fogem, que se escondem e não se juntam com a harmonia, a beleza, a melodia que anseio. Porém. Não te aflijas, Mãe! Pelo menos. Sei em que espelho ficou perdida, a minha face. Perdida, não! Imutável, aconchegada, perfeita.

MC