domingo, 28 de agosto de 2011

Uma paixão revisitada...

Se uma brisa suave, se agitar à tua volta, tactear a tua pele e despentear o teu cabelo, não te assustes. É a minha saudade a beijar a tua alma e a acariciar o teu corpo...



Ele

...

Tinha-a visto hoje! Pela segunda vez, em onze anos, tinha-a visto, esta manhã! Ela saía da carrinha Volvo que conduzia, bonita, elegante, flexível, como a recordava! Mais mulher, talvez! Mas, também mais atraente!
Ela não o vira. Melhor assim! O coração dele disparara, num turbilhão de doidas emoções, como se uma rajada de vento o tivesse atingido brutalmente e as mãos, trémulas e suadas, atrapalharam-se, como se, de repente, não soubessem o que fazer com o volante!

Nunca a tinha esquecido, a imagem dela tinha permanecido gravada, no mais íntimo de si e essa secreta permanência dela, junto dele, dera-lhe sempre um certo conforto!
Tinha viajado muito mas, para onde quer que as suas atribulações o tivessem arrastado, ela estivera lá, no mais profundo de si e, por isso, nunca se sentira, totalmente sozinho. Porque, ... “ se a imagem do ser amado continuar viva no nosso coração, o mundo inteiro é a nossa casa.”

É estranho, pensou mas, nunca tinham sido namorados! Mas, tinham-se amado! Ele amara-a! Muito!
Ela era uma menina azougada, cheia de carácter e de energia e ele tivera de crescer muito depressa e aprender, antes de tempo, que a vida é feita de penosas cedências e de dolorosas opções! E, ele cedera! E optara! Talvez, aparentemente, pelo mais fácil, pelo mais agradável, pelo mais conveniente! Pelo que, mais tarde, o pudesse realizar plenamente, e fazer feliz, como homem, seguramente, não!

...

Recostou-se, mais fundamente, no sofá e recordou o momento em que o amigo de sempre lhe telefonou a dizer que ela tinha acabado de ter um acidente.
O dia ensolarado e luminoso tornou-se, então, subitamente sombrio, o coração bateu desorientado, como se tocasse a rebate, as pernas tremeram, de repente velhas e fracas e, em minutos, estava ao lado dela!

...

Viu-a sã e salva, o cabelo encharcado, ainda a tremer, como um gatinho assustado e perdido no jardim, em dia de chuva violenta e, lembrava-se bem, sorriu feliz! O dia, então, clareou, o sol cobriu de ouro, tudo em redor, e o peso na alma dissolveu-se, como um pedaço de gelo, em água quente.
Abraçou-a e respirou fundo! De alívio!

...

Entretanto, a vida dele tinha ficado num caos: o relacionamento dos pais quase em ruptura e as empresas de família, em queda vertiginosa, devido à cabeça doida do pai, com mulheres e jogo! A aflição e o desgosto da mãe era mais do que podia suportar!
Interrompeu o curso que nunca mais terminou, e deitou mãos a uma das empresas, com a ajuda do pai da, agora, sua mulher que, entretanto, decidira que ele seria seu marido, custasse o que custasse e a quem ele se submeteu, para poder suportar a casa, ajudar a mãe e permitir que as duas irmãs mais novas continuassem a estudar! Sem dificuldades!
Como se nada tivesse acontecido e a vida, sem um balanço, sem um tropeço, continuasse serena e deslizante, como um belo passeio, à beira- mar, em tarde amena, de verão!

...

O noivado e os preparativos para o casamento, passaram por ele, como um sonho, de que ele parecia não fazer parte!
Quando, enfim, acordou daquele sonho estranho e inquieto, daquele amontoado de cenas confusas, daquele pesadelo delirante, estava casado!

Vendi-me, fui um fraco e, no fundo, todos os que diziam que me amavam, quiseram que me vendesse, em seu próprio benefício, pensou com amargura!

Ele casou no Verão. No início desse ano ... mandou-lhe entregar, no escritório, duas dúzias de rosas chá! Sem cartão! Não era preciso! Ela sabia...!
Um mês depois, no dia dos Namorados, um dia que, afinal, não era deles, mandou-lhe, também e ainda assim, um precioso ramo de rosas, agora, vermelhas! Sem cartão! Não era preciso! Ela sabia...!

Ele nunca lhe falou das rosas. Ela nunca lhas agradeceu! Não era preciso! Eles sabiam...!

...

Um dia, pouco antes do casamento, encontraram-se numa estação de serviço, na auto-estrada.
Era uma estação prosaica, feia e triste. Um local de passagem, vazio, sem significado, mas que, a partir desse dia, passou a detestar!
Ali, afundado no sofá, lembrou-se, com angústia, da sensação de desamparo e de perda, quando a viu, do tornado violento de paixão e de mágoa que se apossou dele e fez desaparecer tudo, num louco rodopio, numa rajada de vento que a deixou, só a ela, à sua frente!

...

E abraçou-a! Apertou-a nos braços e aspirou, pela última vez, o perfume da pele dela! Com o coração desfeito, com a vida em farrapos, perdido num túnel frio, escuro, sem retorno e sem saída!
Separaram-se e, hoje, em onze anos, era a segunda vez que a via! Tentou respirar fundo, para aliviar a opressão que parecia esmagar-lhe o peito!
E, compreendeu, que o seu amor por ela, continuava vivo e infatigável, sempre renascido, como um braseiro que se reacende, vibrante, com uma rajada de vento!
Esfregou os olhos e, numa urgência, quis, plasmado em si, o aroma suave dela, dos cabelos revoltos dela, quis, desesperadamente, sentir o toque macio de pele dela, na sua, de mergulhar o olhar dele, turbulento e impaciente, no oceano azul, puro e sereno dos olhos dela!
Então, como a árvore que, sempre que chove, chora, também ele, porque a vira tão perto e a soube tão longe, como a árvore, fustigada pela chuva, chorou!

MC

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Alexandre O`Neill

No dia 21 de Agosto, há vinte cinco anos, morreu Alexandre O`Neill, um nome grande da nossa Poesia. E não só!
O`Neill escreveu Poesia, Prosa, fez traduções, Antologias de outros poetas e, não conseguindo viver só da sua arte, alargou a sua acção à publicidade.
É da sua autoria o famoso lema publicitário, "Há mar e mar, há ir e voltar.", por exemplo.

Com uns dias de atraso, é certo, aqui lhe deixo uma pequena homenagem, com este belíssimo poema de amor:

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O`Neill

MC

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O tempo e a vida

Vinícius de Moraes escreveu:

"Com as lágrimas do tempo e a cal do meu dia eu fiz o cimento da minha poesia."

Eu, humildemente, escrevo:

Com a poeira do tempo, que passa infatigável, a cal branca e áspera dos meus dias, o cimento amassado com o meu riso e as minhas lágrimas, com a minha alegria e o meu cansaço, eu vou edificando a minha vida. Num prado de luz e de sombra, onde florescem rosas e nascem cardos. Onde o vento sopra ora brando, numa carícia, ora tumultuoso, num desatino.


MC