terça-feira, 25 de março de 2008

A Escola, a Violência e o Fim!

O que se passou na Carolina Michaëlis, uma das mais conhecidas Escolas do País,e a que todos pudemos assistir, incomodados e aflitos, na televisão, foi uma situação de pungente terror, sórdida e aberrante !
Vimos, com horror, uma aluna(?), completamente transtornada, a esbracejar e aos gritos, agredir, fisicamente e verbalmente, a professora de Francês, por esta lhe ter tirado o telemóvel, que a rapariga usava, descaradamente, em plena aula.
A professora, pequena , frágil e já sexagenária , vendo aquele completo descontrolo e sentindo a sua integridade física ameaçada, ainda tentou alcançar a porta, em busca de socorro, o que a aluna, grande, pesada e possante, impediu, agarrando-a, puxando-a e arrastando-a pela sala, perante o gáudio de uma turma de jovens boçais e malévolos, que alarvemente, assistiam ao tristíssimo espectáculo e, estupidamente, incitavam a colega, enquanto um imbecil filmava, no cúmulo da excitação, o que se passava.

Pela sua ferocidade, a cena fez-me lembrar, nesse momento de terror e de estupefacção, a barbárie nas arenas romanas, onde cristãos inocentes eram lançados aos leões que os despedaçavam e devoravam, perante o riso grosseiro, os aplausos gratuitos, os gritos estridentes e a excitação quase orgásmica, de uma turba enlouquecida !

Foi terrífico o que se viu e, é,indescritivelmente degradante, o ponto a que a Escola Pública chegou e para o qual esta inqualificável Ministra da Educação tanto, mas tanto, tem contribuído com a sua patética política de azedume e rancor para com os professores e de facilitismo e total apoio aos "frágeis e melancólicos" alunos que infestam as escolas!
Este não é, desgraçadamente, um caso pontual, como a Ministra e o Governo querem fazer crer! Há que pegar o "touro" pelos cornos e assumir, claramente, que, todos os dias, professores são agredidos, fisicamente, verbalmente, com gestos e atitudes de desprezível baixeza!
Basta dizer que, em 180 dias de aulas, foram registadas 185 agressões a professores, por esse país fora, sem contar com aquelas que, por medo e por vergonha, os agredidos e injuriados, escondem, num recanto triste e bem escuro da alma.
Este caso que tanto nos indignou, tornou-se conhecido, porque, felizmente, alarve, ali presente, filmou, cheio de gozo, a cena nojenta, que uma aluna histérica protagonizou, e, com mais gozo ainda, tornou-a pública, na Net.

Gostaria muito de saber porque é que a Ministra se preocupa tanto com a avaliação rigorosa, até ao mínimo pormenor, dos professores, e , nunca pensou em se avaliar, honestamente, imparcialmente, a si própria; gostaria muito de saber poque é que a Ministra anseia, desesperadamente, que os professores sejam avaliados severamente e nunca pensou em avaliar as Direcções Regionais, os Conselhos Executivos e, já agora, as Associações de Pais !

A Ministra, só insiste na avaliação dos professores, mesmo feita de qualquer maneira, porque sabe que eles são o elo mais fraco e tinham sido, desde sempre, tratados pela tutela, de acordo com o seu estatuto, com gentileza, consideração e respeito e não com a arrogância e a rudeza que lhe são peculiares e de que parece fazer gala!
E, os professores, principais agentes do Ensino e sem os quais, NADA, se pode fazer na Educação, viram-se,de repente, totalmente desautorizados,insultuosamemte marginalizados e descredibilizados por uma Ministra irresponsável!

A Ministra não se avalia a si própria, porque se o fizesse, com um mínimo de imparcialidade, teria de assumir que não tem competência, sensibilidade e saber para exercer, com honra, tão nobre cargo !

A Ministra não avalia as Direcções Regionais porque elas são o manto sob o qual premeia a bufaria e pune a discordância, o biombo atrás do qual esconde a sua prepotência!

A Ministra não avalia os Conselhos Executivos, geralmente, tão incapazes como ela,
porque eles são, na sua maioria, os seus pressurosos criados às suas ordens! Uns, porque concordam com esta política,(vá-se lá saber porquê!), outros, pequenos tiranetes, porque se sentem importantes e poderosos no cargo e outros, porque, simplesmente, não querem perder o "tacho"!

A Ministra tem conduzido a Escola Pública ou o que restava dela, para o caos mais completo e para o seu total descrédito e onde a palavra Ensinar já nem aparece, perdeu o sentido e a razão de ser!
O Estatuto do Aluno é uma vergonhosa resenha de facilitismo néscio, uma floresta de enganos para aqueles Pais que querem que os filhos aprendam e, realmente, se preparem para singrar num mundo difícil, cada vez mais competitivo e que não se compadece com a fraqueza de espírito e a ignorância !
É certo que para muitos, mas mesmo muitos pais, quanto mais fácil melhor, até porque esses já há muito se têm vindo a demitir da sua missão de pais, de formadores, de educadores dos filhos, com a desculpa esfarrapada de falta de tempo!

A crua verdade é que aluno que agora se matricule, sabe que, à luz da política de Ensino da "iluminada" Ministra, tem a passagem de ano assegurada: as faltas não contam, por isso, não é preciso ir às aulas pois a sua progressão é, por assim dizer, automática, na medida em que, há sempre o recurso a sucessivas provas de recuperação.
E, se nem assim o aluno não conseguir completar a escolaridade obrigatória, tem sempre, à mão, o recurso às Novas Oportunidades onde,na Junta de Freguesia, por exemplo, obtém facilmente e sem se cansar, o diploma do 12ºAno, em um ou dois meses !
Estar na sala de aula é, pois, para os alunos uma grande estopada a não ser que possam brincar, rir e "gozar à brava" e os professores, uns líricos, que ainda se dispõem a perder anos de vida, e a destruír a saúde para tentarem cumprir a missão, agora impossível, que sempre julgaram ser a sua: ENSINAR ! Mas, com as tais Novas Oportunidades, talvez não seja já prioritário APRENDER!

"Era o que faltava"- disse a inacreditável Ministra - "que os resultados dos alunos não contassem para a avaliação dos docentes !"
Pois é, com a massa crítica, no geral, pobrezinha que se tem e alunos da laia dos que vimos na televisão e são, infelizmente, a maioria e, a quem, uma ministra irresponsável ensinou a não OUVIR E RESPEITAR os professores, na medida em que, ela própria nunca os OUVIU, nem nunca os RESPEITOU, não é, definitivamente, possível Ensinar!
Dão-se notas, de preferência boas notas, para um lindo sucesso escolar ! E, para as estatísticas serem um êxito! Um enorme êxito na União Europeia!

Gostaria muito de saber que punição vai ter esta agressora imprevisível e perigosa que, por acaso e por azar, é aluna numa escola!

Gostaria muito de saber como vai a Ministra ou quem a representa, avaliar esta professora destratada, humilhada, arrastada pela sala de aula, perante os outros alunos e perante um país inteiro, estarrecido e mudo de espanto e revolta !

Gostaria muito de saber se os Pais da aluna vão ser confrontados com a péssima educação que deram à filha e se é assim, aos berros e empurrões, que o monstrozinho, que criaram, os trata, em casa!

Gostaria muito de saber como é possível a Ministra não ter vergonha de fazer de conta que nada se passou, desvalorizando tudo o que de grave, muito grave, vem acontecendo na Escola, tendo, a despropósito, feito mesmo uma comparação, sem nexo, entre a aplicação do Estatuto do Aluno, na escola, e os acidentes de viação e a aplicação do Código da Estrada!

Gostaria muito de saber o que é que esta Ministra pensa que pode ainda fazer sem os docentes que ela, definitivamente, perdeu porque, gélida, arrogante e rude, sempre os desautorizou, desmotivou e cuja voz não ouve, nem nunca ouviu!

Gostaria muito de saber como é que, ao fim de três anos, esta Ministra ainda não percebeu que, na Escola, os professores têm de ter autoridade, têm de existir regras de convivência bem definidas, a disciplina e o respeito são essenciais e é crucial uma liderança competente, imparcial, determinada mas humana e não lideranças incapazes de manter a ordem, entretidas com imbecis joguinhos de favorecimento e lobbies de amigalhaços e de oportunistas!

Gostaria muito de saber como é que esta Ministra ainda não percebeu que é, por inerência do cargo, a responsável máxima por tudo o que tem acontecido de deplorável na Educação e que já é tempo, há muito tempo, de se ir embora!

Gostaria muito de saber como é que a senhora ainda não se capacitou, ainda não compreendeu que chegou, decididamente, ao FIM! Se não soube ser Ministra com elegância e honra, que saia, ao menos, com um pouco de dignidade!

Gostaria muito de saber como é que o Primeiro Ministro, tão convencido e autoritário, mantém, num lugar chave do Governo, esta Ministra, cuja política educativa e postura, só o descredibiliza e ridiculariza perante um País assombrado!

Gostaria muito de saber quando é que Sócrates despe as roupinhas que usa para fazer jogging, veste-se, a rigor, de Primeiro Ministro e assume a responsabilidade de demitir uma Ministra,indiscutivelmente, acabada!

"É a hora!"


M.C.

terça-feira, 18 de março de 2008

Nunca te direi ... Adeus! Parte I

Esta noite, sonhei contigo.Estávamos de mãos dadas e, apesar da irrealidade do lugar, sem dimensão, nem tempo, eu distinguia, claramente, todos os traços do teu rosto.
Sobre nós, o céu parecia uma imensa árvore, densa e escura, pontilhada de estrelas brancas, cintilantes e tão próximas que, se eu quisesse, poderia tocar-lhes, prendê-las entre os meus dedos e deixar o seu brilho enfeitar o meu destino.
Foi numa noite assim, vestida de negro e de prata e já perdida na teia que o tempo, incansável, tece, que comparaste as estrelas a incontáveis grãos de luz e nós, enquanto seres mortais, a grãos de pó que o vento, um dia, levará consigo.
Falaste-me depois, pela primeira vez, da fragilidade da vida e de como é tudo tão
efémero, tão transitório que, o que pensamos ter, não chega, na verdade, a ser nosso.
Não somos donos de nada, não possuímos ninguém e, quando o fim se aproxima, tudo desaparece e, connosco, só fica o Amor. O que fomos capaz de dar e, talvez também, o que, em troca, recebemos.
No jardim, cresciam dúzias de rosas, de caule esguio e pétalas de veludo, que enchiam de perfume e de encanto, a tarde serena e quente. Dístraída, desfolhei uma que se abria púrpura e exuberante à luz incandescente, mas já cansada, do sol dormente e tu, com esse teu jeito de menino que nunca deixaste de ser,disseste-me que nada se destói na Natureza, sem perturbar o equilíbrio do Universo, tão forte, tão íntima, é a ligação entre tudo o que existe.
Não sei se, então, terei compreendido bem o sentido das tuas palavras, mas, nessa noite, adormeci, já suspensa, entre a incipiente consciência da delicada e perfeita harmonia da Criação e a noção pungente da minha fragilidade e da força destruidora que essa mesma fragilidade escondia .
Tinhas uns olhos lindos, que os óculos esbatiam, mas que mudavam de cor, não sei se conforme a maior ou menor intensidade da luz, se conforme o teu estado de espírito ou se, porque eram, simplesmente, assim .
Às vezes eram castanho-esverdeado, outras vezes, de um verde profundo e aveludado, como as folhas das árvores nas madrugadas macias e serenas, outras ainda, de um castanho tão claro e transparente que pareciam âmbar.
Um dia, perguntei-te de que cor eram os teus olhos.
Meio-divertido, meio-surpreendido com a pergunta, disseste que os teus olhos eram da cor que eu os via, como, aliás, tudo à minha volta. Explicaste-me que, pela força das minhas emoções, com a minha alegria luminosa e radiante, com a minha tristeza sombria e gelada, assim eu coloria ou escurecia cada um dos meus dias. Era como se, ao projectar-me em tudo ao meu redor, eu tivesse, sem saber, o poder de recriar o mundo, embelezando-o ou desfigurando-o, o poder supremo de pintar a minha vida da cor que eu escolhesse, da cor que eu mais gostasse!
E, nessa noite, adormeci feliz, cheia de esperança num mundo que eu iria pintar de de azul, verde, branco e amarelo. E de todas as outras mil cores possíveis!
Muitas vezes, perdida no escuro, afogada nos velhos medos e pesadelos ancestrais que já nascem connosco, eu chorava baixinho e sufocava, na almofada, o terror, sem nome e sem tamanho, de te perder! Porque perder-te, seria o fim, trágico e definitivo, do meu pequeno mundo de afectos e seria perder-me!
Uma noite, pressentindo-me a solidão e as lágrimas, abraçaste-me e prometeste que nunca me deixarias enquanto eu não fosse suficientemente forte para prosseguir sem ti! Foste ousado na promessa que não sabias se irias cumprir, mas , eu suspirei de alívio e, como sempre, descansei em ti.
E, quando, por fim, adormeci, aconchegada na ternura morna dos teus braços, o meu coração batia, já, ao ritmo sereno do teu, de novo compassado, seguro, confiante.
Contaram-me um dia, uma história complicada, daquelas de grande elevação moral, que não me convenceu pelo exagero, pela pieguice avulsa e, talvez também, por uma certa incongruência.
Mesmo assim, perguntei-te o que era aceitar, perdoar e resignar-se.
Muito sério, disseste-me que aceitar podia ser uma opção profundamente dolorosa, esgotante, mesmo violenta; perdoar podia ser tremendamente difícil, porque esquecer era, às vezes, impossível; resignar-se podia ser estagnar, desistir, quase deixar-se morrer, crucificado na agonia lenta da desesperança e do desalento.
Inclinavas-te perante o dom sublime do perdão e compreendias a aceitação e a resignação perante o abismo insondável da Morte, mas nunca, perante as vicissitudes da vida, perante a injustiça, perante a prepotência!
Depois, olhaste para mim com esses teus olhos tão verdes e brilhantes como folhas tenras e orvalhadas, nas madrugadas suaves e transparentes e pediste-me que nunca me resignasse!
Não me lembro já o que prometi, mas, se por temperamento, não me rendo, nem me resigno facilmente, o facto é que já senti, no mais profundo de mim, a verdade crua das tuas palavras, na violência da aceitação, na incapacidade exasperante do esquecimento, na dificuldade extrema do perdão e na tristeza, na infinita tristeza da resignação !
Ensinaste-me sempre a ver o Mundo como um filme fantástico, de largos horizontes e em deslumbrante colorido.Talvez por isso, nunca tive da vida, das pessoas, dos sentimentos, uma imagem linear, cinzenta e entediante .


M.C.

Nunca te direi ... Adeus! Parte II

Um dia, ao entardecer, quando o céu e a terra se fundem, na labareda incandescente e lasciva do sol poente, perguntei-te como seria o Amor se tivesse cor . Eu imaginava-
-o de um cor-de-rosa doce, delicado, encantadoramente romântico,mas tu pensavas que deveria ser vermelho vivo, forte, fulgurante, porque esse é um sentimento feito de pura emoção, intenso, impetuoso, avassalador e as cores suaves não lhe ficam bem .
No Amor, dizias, é sim ou não, é ganhar ou perder, é tudo ou nada, sem meias-tintas, sem meias-palavras, sem meios-termos!
E, nessa noite, adormeci agitada e um pouco ansiosa. Assustava-me a possibilidade de, um dia, amar e ser amada assim. Inteiramente, apaixonadamente, irremediavelmente!
Hoje, muitos anos passados, tantos, que já lhes perdi a conta, acredito que, partilhar com alguém um Amor com essa verdade, essa entrega, essa força arrasadora, possa ser, só por si, a justificação de toda uma existência!
Contigo, aprendi a amar a música e, a encontrar nela, uma preciosa companhia nas horas de solidão, uma amiga fiel e sempre presente nos bons e nos maus momentos .
E, a teu lado chorei com Chopin, sorri com Mozart, enterneci-me com Puccini, emocionei-me com Beethoven e rezei com Bach!
Despertaste, em mim, desde muito cedo, o gosto pela leitura e, pelas tuas mãos, li algumas das obras mais marcantes da Literatura que, depois, comentávamos calorosamente. Tu, com um sorriso e o argumento certo. Eu, arrebatada e muito ciosa da minha opinião!
E, junto de ti, repousei com Antero, na Mão direita de Deus, calcorreei serras com Torga, amei perdidamente com Florbela, encantei-me com a profundidade de Somerset, assombrei-me com a magia de Mann e apaixonei-me, definitivamente, por Eça!
Através dos livros, eu ia descobrindo mundos novos, enquanto criava outros, nas histórias que inventava, que tu lias, orgulhoso, mas que eu, depois, sem tu saberes, rasgava.
Porque, tudo o que escrevo parece-me sempre tão tosco, tão incompleto, tão inútil ! Porque, nunca fui capaz de transpor para o papel, nem os pensamentos que brotam rápidos, em torrente incontida, do meu cérebro, nem os sentimentos, de choro e de riso, que correm à solta, em doido tropel, no meu coração!
Como acontece agora, que escrevo para ti, enquanto vasculho lembranças nos baús desbotados e poeirentos do Passado.
Contigo, surpreendi-me com os traços puros, clássicos, belíssimos de Botticelli, deslumbrei-me com a beleza voluptuosa, cheia de cor e de luz de Renoir e comovi-me com a delicadeza intimista, deliciosamente cândida e sensual de Fragonard.
Mas, também de ti vem esta atracção irresistível pelo mar, esta necessidade, quase primária, de o ver, de lhe sentir o cheiro a sal e a algas, de lhe escutar o ribombar assustador das vagas alterosas, em furioso turbilhão, quando está revolto, ou o marulhar terno, quase erótico, das ondas mansas a sussurrarem inconfessáveis segredos e a espreguiçarem-se, lânguidas, na areia húmida e lisa .
E, frente a essa massa de água, imensa, translúcida, magnífica, bordada de espuma e salpicada de luz, aprendi, contigo, a encontrar alento para o meu cansaço, paz para a minha ansiedade, inspiração para a minha vida !
De ti, ficou-me o desprezo pela hipocrisia, pela intolerância, pela mentira cruel, pela maldadezinha canalha, pela vingança aviltante, pelo queixume gratuito!
Em ti, encontrei sempre uma espantosa humanidade, um sentido de humor subtil, mas certeiro, uma inteligência viva, flexível, uma sensibilidade fina, requintada e o respeito discreto, compassivo, generoso pelos outros. Pelas dificuldades, pelas aflições, pelo sofrimento dos outros!
E, é por tudo isso que tantas vezes, como agora, é para ti que o meu pensamento voa, a minha alma se ajoelha, reverente, perante a tua e eu te agradeço e te bendigo! Tu foste, em cada um dos meus dias, a minha âncora, o meu porto de abrigo, a luz-guia dos meus passos ! Antes, agora, sempre!
Não foste um santo, um filósofo ou um poeta. Ou, talvez tenhas sido tudo isso, sem ninguém saber. Nem mesmo tu!
Esta noite sonhei contigo e fomos juntos, lá para onde só a alma e a memória podem ir, onde somos livres, o céu é sempre azul, as flores não perdem o encanto, nem o perfume e tudo tem a cor cristalina do teu espírito!
Nunca nos dissemos Adeus!
Adeus, diz-se quando o Amor acaba e o fim é, então, inevitável, definitivo, irreparável!
Nunca se diz Adeus, quando o laço visceral, feito de sangue e de afecto, permanece intacto e tu continuas comigo, pois, sobre o coração e o pensamento, ninguém,nada, nem mesmo a morte, tem qualquer poder !
Não se diz Adeus, quando sabemos que, em termos de Eternidade, vinte, trinta ou quarenta anos de separação, não são mais do que dois, três ou quatro segundos deste tempo que contamos!
Não se diz Adeus, quando o rasto claro, límpido, brilhante da tua luz é ainda o caminho que percorro!
E, porque uma noite destas talvez volte a sonhar contigo, agora e uma vez mais, digo-te apenas, até já, até logo, até sempre, meu querido!


M.C.

terça-feira, 11 de março de 2008

A "minha" África ... Parte I

África foi o meu berço, a minha escola, o meu primeiro amor!
Aí cresci como uma flor que desponta, estremece e desabrocha devagar, nas meias-tintas suaves das madrugadas, na luz forte e exausta dos poentes .
E, parte das minhas raízes ainda lá estão, na terra imensa, suada, sofrida: junto ao embondeiro gigantesco, sentinela imponente da savana africana; junto ao mar, enterradas na areia fina, translúcida e, talvez também, no coração da Ana, a ama-seca negra que me embalou, com doçura, nos braços roliços e macios e me contava histórias que eu escutava, ansiosa, com os olhos redondos de satisfação e de espanto !

A Ana que eu gostaria de ter guardado comigo, só para mim, até ao fim dos meus dias, mas que, por um desígnio mais forte do que todo o querer do mundo, também perdi .
Dela, ficaram, para sempre, docemente aninhadas no meu coração, a ternura, a alegria, as canções de ninar e o encantamento das pequenas histórias, onde a realidade ingénua da sua vivência, o místico e o fantástico se entrelaçavam numa harmonia perfeita e estranha, como se a Ana tivesse, em si, toda a força, todo o mistério e todo o fascínio de África!

África do sol quente, dolente e voluptuoso; do capim, descorado e ressequido e das árvores espectrais, erguidas para o céu, na época seca, como mãos descarnadas, implorantes, quase mortas . Mas, também África da vegetação luxuriante, plantas raras, únicas, de folhagem verde e macia, onde o cacimbo escorre, tranquilo e límpido como lágrimas de reconciliação .

África dos flamingos cor-de-rosa, toque de delicado romantismo nos mangais; dos pássaros de mil cores que cortam o espaço numa vibração de alegria e de plenitude; dos animais selvagens, senhores absolutos de uma terra que é sua, estampas de perfeição e imponência, que aí se criam e reproduzem, numa estonteante explosão de vida e de beleza.

África da espantosa riqueza do minério e das pedras preciosas; das extensas plantações de cana-de-açúcar, do algodão e do café que, em muitas zonas, se oferece espontâneo e farto, num esbanjamento de fidalguia abastada !

África das baías azuis, langorosas e doces como um regaço de mãe; das areias delicadas e douradas como carícias de criança; dos palmeirais esguios, lânguidos e ondulantes, que o vento agita mansamente, amorosamente, com requintes de amante !

África do cheiro consolado da terra depois da chuva . Chuvadas fortes, repentinas, benção do céu que fecunda e cria; das trovoadas violentas, assustadoras que atroam os ares e despertam, malévolas, os velhos medos de infância; dos poentes breves, mas intensos, clarões fortes, vermelhos, sanguinolentos como lagos incandescentes de amor, de ciúme e de traição

África do cantar monocórdico das cigarras; da alegria atrevida, provocante das acácias em flor; dos milhares de pirilampos, pequenos pontos de luz perdidos no escuro profundo de uma terra adormecida !

E, à sexta-feira à noite, no frenesim das batucadas que irrompem súbitas no ar, África estremece vibrante e ansiosa. Nas sanzalas, os corpos negros, elásticos, suados, agitam-se indomáveis, em frémitos de prazer e de paixão, à luz ardente das fogueiras, ao som agreste e exuberante dos batuques ! E, durante duas noites, a sanzala cuidada e pachorrenta, transfigura-se ao ritmo inquietante dos tambores, na sensualidade lasciva da dança, nas brigas violentas, em tremendas bebedeiras !

M.C.

segunda-feira, 10 de março de 2008

A "minha " África ... Parte II

África do andar lento e requebrado das negras, corpos sinuosos, indolentes, envoltos em panos coloridos, artisticamente traçados, carregando com naturalidade e alegria os filhos que criam livremente, sem pressas e sem angústia, confiantes na força de uma Natureza tantas vezes caprichosa e nem sempre compassiva, mas que respeitam e amam !

Mulheres que aceitam, submissas, o pesado fardo de viver, bebem aguardente de cana, que destilam em alambiques caseiros e saboreiam, vagarosamente, gostosamente, o tabaco ordinário e forte, que fumam com a ponta acesa dentro da boca .

África da gente simples, alegre, dedicada, gente de pele negra mas onde pulsam corações lindos, puros e cristalinos, que enfeitaram, parte da minha vida, de sorrisos, de afecto e de luz ! E, todos e muitos são, permanecem nítidos, vivos na minha memória!
O Faustino, religioso convicto, a quem eu dava "santinhos" para me deixar comer as batatas estaladiças que ele ía, incessantemente, fritando para o jantar; a Averina, a nossa lavadeira, que adorava o chá da manhã e dizia que, quando eu fosse "grande", ficaria comigo para cuidar de mim e dos meus filhos; o Chipeco que me conhecia desde o berço e sempre que eu, já universitária, viajava até casa, em férias, ía visitar-me, abraçava-me, dizia que eu estava linda mas magrinha e, talvez por isso, oferecia-me, invariavelmente, ovos das galinhas que a mulher criava, na sanzala e um pão de forma branco, macio e fofo, com sabor a ternura; o Mussarilo, que adorava o meu pai, porque ele ajudava-o, muitas vezes, sobretudo, economicamente, e que insistia, teimosamente, em lavar-lhe o carro, todos os dias, e poli-lo até parecer um espelho ! O meu pai comovia-se e ficava um bocadinho embaraçado, mas sabia que essa era uma maneira delicada e, talvez a única que, na sua simplicidade, ele tinha, para lhe dizer quanto o estimava e lhe estava grato !

África dos grandes espaços abertos, imensos, impressão de infinito que nos conduz muito para além do trivial e do medíocre, dando-nos da vida e do universo que nós somos, perspectivas novas, mais amplas, mais humanas como se ali, o pensamento e o mundo adquirissem dimensões diferentes, maiores e mais profundas .

Estive, pela última vez, na "minha" África há muitos anos, tantos, que não os quero contar, poucos dias antes de partir rumo a uma Europa bem mais sofisticada, fria e cinzenta .

Nesse dia, frente a mim, resplandecia um pouco da África exuberante e misteriosa que amei apaixonadamente e que, para sempre, retenho na minha memória, nos meus sentidos, nas minhas veias, como parte integrante de mim, como uma marca de fogo, indelével ! E, essa terra vermelha, de contrastes vivos e bem marcados, que ainda vejo e guardo na minha alma, permanece bela e intacta, depurada de todo o Mal, pelo filtro mágico da distância e da nostalgia !

Contudo, não é sem espanto e mágoa que, em momentos como este, me vou dando conta do muito que já esqueci. Pedaços de vida que já não são meus, perdidos na névoa de um Passado, aqui e ali, já morto, porque, aqui e ali, já desvanecido pela erosão implacável do Tempo !
E, nas clareiras que os anos foram abrindo na minha memória, ergue-se, solitária e dorida, a Cruz negra da Saudade e florescem, cansadas, estranhas violetas, sem viço e sem perfume !

Naquele dia, há muitos anos, tantos, que não os quero contar, estendia-se frente a mim um pedaço da "minha" África, num deslumbramento de cascatas, vegetação e árvores altas, numa sinfonia de luz, de sons sussurrantes e de verdes de mil matizes, a mais bela e majestosa catedral, para o mais fantástico Te Deum.

Sem pressas, sem dramatismos, encerrou-se, então, suavemente mas para sempre, um ciclo precioso da minha vida. Foi o ponto final de uma Infância e Juventude sem história, porque dias felizes não têm história, vividos em Cinemascope e em Technicolor, porque tudo em África é, naturalmente, grande, colorido, luminoso !

Ali, há muitos anos, tantos, que não os quero contar, naquela hora singular, feita de encantamento e de lágrimas, a minha alma rasgou-se numa prece sentida, que era já um infinito adeus:"Domine, miserere nobis ! Domine, miserere me!"




PS- Dedico este post sobre a África que conheci, a todas as pessoas que nasceram e/ou viveram em Angola, a amaram como eu a amei, não a esqueceram como eu nunca a esqueci e jamais esquecerei ! Porque Angola e o seu povo serão sempre parte de mim !


M.C.