terça-feira, 18 de novembro de 2008

Em jeito de reflexão...

Talvez, a extensa carta que, no fim de carreira, escrevi aos meus Alunos, não faça sentido neste Blog, dedicado à Poesia. Se assim for, peço, desde já, desculpa mas, como já o disse, não sou, por natureza, politicamente correcta, sou, mesmo, um bocadinho desalinhada!

No entanto, dadas as circunstâncias, receio e lamento profundamente, que os Professores de hoje, atendendo à indisciplina, desmotivação e desvario que grassa na Escola Pública, não tenham condições para se  realizarem na nobre profissão que escolheram e não possam ter a alegria que eu tive, quando, no fim de uma carreira, muito gratificante e plenamente vivida e saboreada, pude escrever, aos meus Alunos, uma carta carregada de afecto e de orgulho! Pelo seu bom aproveitamento escolar, pela sua gentileza, pelo seu delicioso "saber estar", numa sala de aula!!

A avaliação não é uma descoberta importantíssima da Ministra!
Avaliada fui eu sempre e comigo, todos os Professores, todos os dias, em todas as aulas,  pelos mais argutos juízes: os Alunos e os seus Encarregados de Educação!Como avaliada tem sido, negativamente, mesmo muito negativamente e publicamente, a Ministra da Educação!Para meu desgosto, acredito piamente que o Primeiro Ministro, a Ministra da Educação e seus inefáveis Secretários, se lessem a carta, tão simples e clara que eu,  com o coração nas mãos, escrevi aos meus Alunos, não a entenderiam pois, o que lhes sobra, em doses industriais, em incompetência, autoritarismo, arrogância, prepotência e rudeza de atitudes e linguagem, falta-lhes, em igual medida,  uma sólida cultura, competência, sensibilidade, bom-senso, e elegância de trato e de discurso! Lamentavelmente!!!

Maria Celeste S. M. Carvalho
Professora Aposentada do Ensino Secundário.

domingo, 16 de novembro de 2008

Eu, vossa Professora, desejo-vos...

Meus queridos Alunos,


Depois de trinta e seis anos como Professora, chegou, no dia vinte e cinco de Setembro de 2007, o momento de vos deixar.A minha aposentação foi um grande turning-point na minha vida! Um turning-point desejado, necessário  e esperado que, no entanto, me deixou, plasmado na alma, aquele indefinido mas amargo travo de Saudade! De todos vós!

Hesitei muito antes de vos escrever esta carta. Porém, após todos estes meses, decidi "conversar" um bocadinho convosco, para vos desejar felicidades, para vos dizer que nunca vos esquecerei, para vos agradecer por terem dado tanto colorido e encanto aos meus dias, mesmo aos mais cinzentos, e para para vos chamar, mais uma vez, pela última vez, "meus"! Porque todos, e cada um de vós, foram, realmente, um pouco "meus"!

Ao longo dos anos, tantos anos, fui tendo notícias de alguns; perdi o contacto com quase todos mas, espero que estejam bem; outros perderam-se e perdi-os.Enquanto vos acompanhei, vi-vos crescer e cresci convosco; ensinei-vos e aprendi também; dei-vos afecto e recebi o conforto da vossa atenção e da vossa alegria.

No fim do ano lectivo, ofereciam-me, geralmente, uma rosa orvalhada de carinho  ou, um ramo de flores lindas, perfumadas e brilhantes, polvilhadas de ternura, que eu apertava contra o peito e salpicava com lágrimas de emoção e incontido orgulho!Pelo vosso aproveitamento escolar, pela vossa gentileza, pelo vosso delicado "saber estar"! 
Depois, à despedida, pediam-me, invariavelmente, que as guardasse, com o cartãozinho assinado por todos e davam-me, mesmo, algumas sugestões para melhor as secar, como se, nas suas pétalas secas, frágeis e amareladas, fosse possível eternizar aqueles momentos de doçura e encantamento, representativos de um período particularmente feliz e despreocupado da vossa Vida!

Na verdade, meus queridos, esse é o desejo ancestral e jamais realizado de todos nós: poder fazer parar o Tempo e o Mundo nas horas de mágica plenitude, quando o nosso coração quase explode de felicidade e alegria e o céu nos parece tão perto que quase podemos tocá-lo com a ponta dos nossos dedos!

Mas, aconteça o que acontecer, enquanto um só de vós se lembrar da Escola, dos colegas e de mim, voltaremos a estar juntos e vós sereis, de novo, adolescentes estuantes de energia e de Esperança e eu estarei lá, ao vosso lado, igualzinha à professora que trabalhou, riu e aprendeu convosco!
E, a rosa, orvalhada de carinho, continuará fresca, bonita , mais radiosa ainda, porque nimbada pelo brilho mágico que só a memória confere a tudo o que, enternecidamente, guarda!
É esse o poder espantoso do Amor, da Amizade e da Saudade, também!

Escrevo-vos hoje, meus queridos, para vos desejar o melhor e o mais belo de tudo!Todos sabemos, porém, que não vivemos num Mundo virtual de alegrias mil, num paraíso róseo de sonho e magia mas, num Mundo real, feito de dias de cansativa rotina, de momentos de fantástica felicidade e de horas de esmagadora tristeza!
Não quero com isto dizer que a vida seja simplesmente branca ou negra porque, é, no seu todo, um deslumbrante caleidoscópio de sentimentos e de emoções, um turbilhão  incandescente e tumultuoso, de encontros e de desencontros! Connosco e com os outros!

Mas, a vida é também desafio que devemos aceitar de coração aberto,como aceitámos a missão que nos foi destinada e nos é entregue no dia em que nascemos. Porque, estranhamente, os desafios com que a vida se entretém a pôr-nos à prova, são sempre, por um desígnio superior qualquer, à medida das nossas forças, como a missão, (ou, será destino?), que nos coube em sorte cumprir.

À medida que crescemos e crescemos enquanto vivemos, vamos compreendendo que o nosso percurso, na vida, é a subir. Por isso, meus queridos, o caminho é, aqui e ali, difícil, tortuoso, íngreme!
Às vezes, tropeçamos, desequilibramo-nos, caímos e vemos esfacelarem-se, no chão, algumas das nossas crenças e ilusões, alguns dos nossos projectos, algumas das nossas mais douradas aspirações!

Contudo, porque assim tem de ser, levantamo-nos, recolhemos nas mãos, manchadas de pó e de lágrimas, os pedaços rasgados dos nossos sonhos, curamos as nossas feridas e prosseguimos, sempre em frente, sempre a subir, hesitantes nas encruzilhadas, parando cautelosos à beira dos precipícios que aparecem, quando menos se espera.Para nos ajudar, nesses momentos de hesitação perante o desconhecido, de terror frente ao abismo, podemos recorrer às nossas referências, à nossa consciência, ao nosso bom-senso e, com alguma cautela, ao nosso coração!
Porque, meus queridos, nem sempre podemos "ir onde ele nos quer levar"!

Se é verdade, que a estrela que se esconde no nosso coração e nos guia, nunca empalidece, nem mesmo quando o corpo evidencia já sinais de decadência, também não é menos verdade, que este companheiro precioso que nos mantém vivos, nunca envelhece e conserva, ao longo da vida, o mesmo ímpeto, a mesma ousadia, a mesma irreverência, a mesma paixão da juventude.
E, é essa sua fogosidade apaixonada que pode ser perigosa! Em certas situações!

Um grande escritor inglês comparou a vida a um tapete que vamos tecendo dia a dia, hora a hora. Nele, a nossa vida seria, ponto a ponto, bordada, a sangue e a espinhos, a fios de luz e a rosas, e as pessoas que fossem cruzando o nosso caminho, nele deixariam as marcas de fogo ou de gelo, da sua bondade ou da sua perfídia, do seu amor ou do seu ódio, da sua amizade ou do seu despeito, da sua dedicação ou da sua indiferença.
Muitas vezes, tenho pensado que, quando eu tiver cumprido a minha missão,( ou, será destino?), e desdobrar, aos pés de Deus, o tapete que laboriosamente teci, muitos serão os motivos lindos, coloridos, luminosos e macios que todos vós, alunos meus, ali terão deixado gravados!

E, eles contribuirão, com a beleza pura do seu recorte, para a redenção de todos os pedaços negros, pantanosos, medonhos, dos meus desencontros comigo mesma, dos gritos mudos dos meus terrores, dos momentos amargos do meu desespero, das horas pungentes do meu cansaço!

Talvez, nesta dualidade de luz e de sombra, nesta certeza de que tudo o que fazemos tem um peso e será a medida justa da nossa salvação ou da nossa condenação, esteja contido o sentido da vida!

Desejo, meus queridos, que a nível profissional tenham sido e sejam sempre bem sucedidos,(alguns de vós, eu sei, são nomes já altamente credenciados nas profissões que escolheram); desejo que se realizem plenamente, se valorizem e se agigantem, moralmente, cada dia que passa! Confio no vosso sentido de responsabilidade, no vosso empenhamento, na vossa combatividade! Mas, também confio na vossa solidariedade, na vossa generosidade e sei, que quando descansarem, serenos e aconchegados no conforto doce e tépido das vossas casas e estenderem à vida as mãos cheias de tudo, não vão esquecer aqueles que, transidos de dor e de frio, arrastam o peso insuportável de uma existência cheia de nada!

Desejo, igualmente, que tenham encontrado ou, venham a encontrar, o Amor da vossa vida, na pessoa certa, que vos ame, vos acarinhe, vos aprecie e não traia nunca a vossa alegria, a vossa confiança, a vossa inocência!
Um Amor que percorra convosco o tal caminho sempre a subir mas que, amando-vos e amparando-vos, vos dê inteira liberdade para escolher e decidir, frente às encruzilhadas, e vos deixe crescer e voar livremente no azul infinito dos vossos anseios!

Mas, também vos desejo um Amigo, alguém que, em certos momentos, é mais precioso do que um Amante, pois o sentimento de posse que, por força da relação amorosa, lhe é inerente, pode fechar-lhe a alma, embotar-lhe os sentidos e, por isso, não compreender, não ver e, às vezes, mesmo sem querer, sufocar e destruír!
Um Amigo não é assim!

Um Amigo, meus queridos, é como um raio de sol que, atravessando o céu pesado, triste e escuro de uma manhã chuvosa de inverno, enche de luz e encantamento todos os recantos do dia e cobre, de ouro e de pérolas líquidas, as pedras do chão, a lama, as árvores!
Esta é a razão porque, hoje, desejo, ao vosso lado, alguém que saiba dar, sem nada pedir em troca, que repouse, apaziguado, na vossa paz e vos apoie, firme e ousado, nas vossas batalhas e nunca, mas nunca, faça perguntas!


As horas foram passando e um novo dia desliza, lentamente, ao encontro da noite que se esvai, para, num longo e silencioso abraço, a diluir, definitivamente, na sua claridade branca e fria.
E, esta hora de mansa quietude, suspensa, entre a noite e a madrugada, é o tempo certo para dar por terminada esta minha "conversa" convosco.

Gostaria, meus queridos, de vos ter escrito a mais bela carta, jamais escrita, de ter inventado, para vos dizer, as palavras mais bonitas, jamais ditas, de ter criado, só para vós, as imagens mais delicadas, jamais criadas.
Não fiz, naturalmente, nada disso!

Ao reler estas linhas, penso mesmo que, tendo divagado tanto, teria, afinal, bastado ter-vos dito que vos amei, ensinei e orientei, como se fossem, realmente, "meus", que vos amo e que quero, do fundo do meu coração, que se sintam sempre de bem convosco, com os outros, com a vida!

Quero, meus queridos, que sejam felizes e, talvez, muito mais do que isso, porque a felicidade também se aprende, que saibam ser felizes!

Vossa Amiga para sempre,

MC

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Eu já não sou eu...

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E me tiver perdido
Nas voltas que o tempo deu!

Procurei-me e não me achei...
Perdi-me no tempo voraz... ruim
Que, indiferente, passou...
A correr, veloz, por mim!

E a quem me perguntou
Não soube dizer quem sou...
Nem para onde devia ir.

Perguntei qual o caminho
De volta ao tempo...
Ao tempo em que eu era eu.
Mas, ninguém me quis ouvir...
Ninguém me viu...
Ninguém me respondeu.

O poema levou-me no tempo
Perdi-me... Não sei onde estou!
E... no turbilhão sem fim
Das voltas que... o tempo deu
Perdi-me... da poesia
Que me amarrava... a mim.

E, sem alma...cega...vazia
Nas voltas que o tempo deu...
Perdi-me... não sei quem sou
Perdi-me...eu já não sou eu!

MC

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Desencontro

Revejo-te mas não te vejo,
Há quanto tempo é assim?
Diz-me, amor, porque não sei,
Como te perdeste...
De mim?


Sinto ainda a ternura
Das tuas mãos
Nas minhas...
No veludo das rosas, da pele
Na suavidade da seda
Na fuidez do cetim...

Reconheço o brilho dos teus olhos
Em todas as estrelas
Que brilham
Cintilantes e longínquas...
A fio de luz,
Bordadas...

Vejo o teu sorriso macio
Na doçura
Clara e húmida
Das serenas madrugadas...

Escuto a tua voz e o teu riso
Em todos os sons...
Harmoniosos,
Do mundo...
Na água saltitante dos rios...
Nos campos... na rua...
Na música... nas fontes...
No mar azul, profundo...

Revejo-te, escuto-te e sinto-te
Procuro-te...
Chamo-te...
Espero-te...
Nunca te encontrei...não te vi...
Diz-me, amor, porque deixaste
Que me perdesse...
De ti?


MC

terça-feira, 11 de novembro de 2008

O mar no seu lugar pôr um relâmpago

A Criação Poética

Cesare Pavese usou a expressão " O mar parece azeite" e Luís Miguel Nava escreveu o verso "O mar no seu lugar pôr um relâmpago".
São duas frases poéticas, a propósito das quais vou permitir-me divagar, com singeleza e humildade, porque a Poesia, no verdadeiro sentido da palavra, não habita em mim! Não sou poeta! Não é poeta quem quer, ou quem escreve muito, mas quem, como se fora um deus, tem essa chama mágica, esse dom precioso, dentro de si!
O poeta escolhe as palavras, brinca com elas, junta-as, separa-as, mistura-as, a seu gosto e nascem frases assim. como aquelas duas.
O mar, a mim, nunca me pareceu viscoso como o azeite, mas, talvez deslumbrante, como uma cascata luminosa, translúcida de espuma, encantador como um rebanho de carneirinhos brancos e azuis ou, aterrador como um abismo negro, insondável, medonho, em noite de temporal!
Eu nunca pensaria substituir o mar por nada, talvez porque o mar sempre fez parte da minha vida e tenho, por essa massa líquida, imensa e magnífica, com cheiro a sal e a algas, uma atracção irresistível!
Mas, se o fizesse, porque não substituí-lo por um vasto campo de miosótis, pequeninos e azuis, onde eu pudesse dançar descalça, ao som de uma melodia fantástica e única, que o mar tivesse composto e tocasse, onde quer que estivesse, só para mim?
Falando de criação poética, muitos poemas, partindo da fixação descritiva de um determinado aspecto da realidade exterior - a paisagem, o céu, o mar, as flores, os animais - desenvolvem-se num lirismo puro, através da análise de vivências, (experiências), sentimentos, emoções e ideias.
Fernando Pessoa, ortónimo, num dos seus belíssimos poemas sobre a impossibilidade de compatibilização entre o pensar e o sentir, (a dor de pensar), observa o gato que saltita na rua e "pegando" nele, segreda-nos, baixinho, essa dor que o consome:

Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.

Há na escrita poética uma abolição de espaço e de tempo, uma libertação do real e, sempre presente, o anseio do poeta tocar o infinito, o inefável, o indefinível e transcender-se, transcendendo, assim, a realidade.
Nesse sentido, a sintaxe rigorosa dissolve-se pois, a poesia tendendo para a musicalidade, para o ritmo, não pode ser espartilhada por regras, sejam elas quais forem!
A este respeito, Fernando Pessoa afirma: "A arte que se faz com a ideia, e portanto com a palavra tem duas formas - a poesia e a prosa.... Poesia e prosa não se distinguem, pois, senão pelo ritmo. O ritmo corresponde, é certo, a um movimento íntimo da alma ..."
No texto lírico, poético não existe uma história para contar, não é uma narrativa, nem o poeta pretende despertar, no leitor, o desejo de saber como vai acabar o poema.
Como Gomes Ferreira, singelamente, nos confessa, neste extracto de um bonito poema:

" Que bom não saber como um poema acaba!
(...nem que sol segreda
O fio de baba
dos bichos-da-seda).

Apenas palavras que se buscam no papel
Com astros dentro famintas de encontrar."

O carácter não narrativo e não discursivista do texto lírico acentuou-se sobretudo com o movimento literário - o simbolismo.
A Poesia simbolista é uma arte subjectiva e fragmentária, que, como a música sugere,
não diz!
Ao som plangente do seu "Violoncelo", pareceu-me sentir Camilo Pessanha guardar, num suspiro triste, pesado de lágrimas, a sua profunda mágoa e o seu aterrado espanto pela perfeita actualidade do seu poema, datado do fim do século XIX, no País, decadente, quase em ruptura, em que hoje vivemos! Ou, será: em que hoje temos de sobreviver?
Pois, como escreveu José Augusto Saraiva, "...das arcadas do violoncelo emerge um choro convulsivo, que é justamente uma elegia pela pátria amortalhada... este poema, de 1900, é um requiem por Portugal...,na curva mais funda da sua decadência".
Neste belíssimo poema, Pessanha recorda-nos a simbologia da passagem das águas do rio e o som choroso, nostálgico do violoncelo!

Violoncelo

Chorai arcadas,
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...

De que esvoaçam,
Brancos os arcos...
Por baixo passam,
se despedaçam,
No rio, os barcos,

Fundas soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas(ouçam)!
se se debruçam,
Que sorvedouro!...

Trémulos astros...
Solidões lacustres...
- Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!

Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
- Chorai arcadas,
Despedaçadas, do violoncelo.

Contudo, para se escrever um poema, tem de se ter experiência, lembranças que se esqueceram mas, que retornam, cristalizadas em nós. O poema não é só sentimento, emoção! É trabalho, aperfeiçoamento e busca.
Como Rainer Maria Rilka afirma num texto admirável e muito belo: " ...Ah, os poemas são tão pouca coisa quando os escrevemos cedo. Devia-se esperar e acumular sentido e doçura ao longo de toda uma vida...Pois os versos não são só sentimento (esses têm-se cedo que baste),- são experiências. Por causa de um verso, tem de se ver muitas cidades, pessoas e coisas, tem de se conhecer os animais, tem de se sentir como os pássaros voam e de saber os gestos com que as pequenas flores se abrem pela manhã...Tem de se ter lembranças de muitas noites de amor..., de gritos de trabalhos de parto e de mulheres que dão à luz, leves, brancas, adormecidas e se fecham....E também não chega que se tenha lembranças. Tem de se poder esquecê-las... Porque as próprias recordações não são nada.Só quando se tornam sangue em nós, e olhar e gestos, já sem nome e impossíveis de distinguir de nós mesmos, só então pode acontecer que, numa hora muito rara, desponte no meio delas a primeira palavra de um verso e delas se desprenda."

E, a propósito de duas frases poéticas "O mar parece azeite" e " O mar no seu lugar pôr um relâmpago", o que eu divaguei, os caminhos que trilhei e o que eu gostei de escrever este texto, com Pessoa, com Rilka, com Gomes Ferreira, com Camilo Pessanha, a meu lado! Tão extenso e tão incompleto...
Foi, também, privilégio meu, ter junto a mim, bem ao alcance da mão, o precioso apoio
do Professor Doutor Vitor de Aguiar e Silva, de quem tive o imenso gosto e a honra de ter sido aluna!

" O mar parece um imenso oleado, ondulante e pardo " e "O mar no seu lugar pôr incontáveis cerejeiras em flor e uma fonte´imensa de água e de luz"! Um mar só meu, muitas, muitas cerejeiras perfumadas, em flor, e uma fonte magnífica, só minhas! Para me encantar, para me libertar, para me encontrar e nunca, nunca mais me perder! De mim!

MC