domingo, 28 de junho de 2009

A velha Senhora

A casa já era antiga.
A porta ficava à face da rua mas, para se ter acesso à casa, propriamente dita, entrava-se para um pequeno "hall" e subia-se um lanço grande de escadas.
Para evitar subir e descer a escadaria, sempre que alguém tocava à campainha, puxava-se, em cima, um fio, preso ao trinco.

Juliana tocou a campainha e, no cimo da escada, esperava-a a velha senhora que lhe arrendara um quarto, com direito ao uso da cozinha, por uma renda barata, a única que podia pagar, com o seu baixo salário.
Acabava de vir para Lisboa, para ingressar no seu novo emprego, numa Repartição Pública.
A velha senhora tinha um aspecto distinto: os cabelos muito brancos, a pele fina e rósea, como a de um bebé, uns olhinhos cinzentos, piscos, de míope, e um sorriso doce. Estava vestida de cinzento e cheirava bem, a rosmaninho e a alfazema.
Recebeu Juliana com simpatia e mostrou-lhe o quarto modesto, mas limpo e arejado, onde ela pousou os seus poucos pertences.
Eram já quase horas de jantar e Juliana sentia-se cansada, deprimida e ansiosa por se deitar. Foi, no entanto, à cozinha, a convite da dona da casa que lhe ofereceu chá, torradas e bolachas.
A bonomia da velha senhora que, sorrindo, a observava com os seus olhinhos piscos, de míope, acalmou, um pouco, o nervosismo de Juliana.
Ao deitar-se, sentiu, como nunca, umas imensas saudades dos pais!
“É curioso”, pensou, já meio adormecida, “ a casa parece que cheira, ligeiramente, a velas, a incenso e a flores murchas!”

No dia seguinte saiu cedo para o emprego e regressou tarde, era quase noite.
Quando se dirigia para o seu quarto, passou, por ela, no corredor, quase deslizando como uma sombra comprida, um velho encatarrado, alto e magro, com uma expressão severa, que pareceu não a ver.
Tinha um ar ausente e estranho! Juliana estremeceu mas cumprimentou-o, timidamente. Ele, silencioso e fugidio, como uma nuvem, desvaneceu-se no escuro, ao fundo do longo corredor, inundado do cheiro enjoativo e inusitado a velas e a incenso.

Juliana teve medo! Tentou acalmar-se e decidiu ir à cozinha, porque tinha de comer alguma coisa. Estava em fraqueza e a alucinar, pensou ansiosa.
A caminho da cozinha, espreitou para o que presumiu ser a sala de estar. Viu, na sala sombria e pesada, umas cinco ou seis pessoas, sentadas, sérias, caladas, com o olhar vago e os rostos sem expressão que, como o velho encatarrado, pareceram não a ver!
Juliana teve a sensação terrível de estar a observar um quadro de pessoas cegas, surdas e perfeitamente imóveis!Estavam, certamente, vivas mas, pareciam já mortas!
“Estarei a enlouquecer?”
Sentiu-se, subitamente, atravessada por uma corrente de ar gélido e espalhou-se, no ar, aquele cheiro assustador, a velas, a incenso, agora, com um traço do odor acre a podre e a dissolução!
Arrepiou-se, o coração bateu descompassado e, num susto, a suar frio, fugiu para a cozinha, acolhedora e morna.

Estava gelada, desorientada e nervosa!
A velha senhora entrou e Juliana perguntou-lhe se tinha outros hóspedes. Ela meneou a cabeça muito branca, olhou-a com os olhinhos cinzentos, piscos de míope e sorriu.
Juliana, pela primeira vez, achou-a estranha e sentiu-se pouco à vontade, sozinha, com ela!
Acendeu o fogão para aquecer a sopa que trouxera, colocou a sandes e o sumo na mesa, ansiosa por se despachar depressa.
Foi, então, que a velha senhora perguntou, com a sua vozinha baixa e doce:
“ Gosta de lírios roxos?”
“ Não, particularmente! Prefiro os lírios brancos”
“Aos mortos dão-se lírios roxos! Ficam-lhes tão bem, aos mortos, os lírios roxos!”
Juliana olhou para ela, atónita e sobressaltada. Teve a impressão de ver nos olhos piscos da velha senhora, um brilho maldoso, que a assustou.
Comeu rapidamente e foi para o quarto. Fechou-se à chave e procurou acalmar-se.
“ É velhota e não sabe o que diz! Mas, lá que o que disse é muito esquisito, isso é! Vou ter de ir embora! Não me sinto bem aqui!”
Havia, de facto, naquela casa, qualquer coisa de estranho, quase maligno que a perturbava e começara a assombrar-lhe os dias e as noites!

No dia seguinte, jantou num barzinho e rezou para não encontrar a velha senhora.
Era ainda relativamente cedo para se deitar e decidiu escrever à mãe.
Estava, concentrada, a escrever, quando teve a sensação aterradora de não estar sozinha.
Cheirou-lhe a velas e, arrepiada, cheia de medo, olhou para trás de si. E viu, sentada na sua cama, uma rapariga alta, magra, de cabelos loiros, compridos, com o olhar vago e o rosto pálido, sem expressão e, exactamente, como as outras pessoas que tinha visto naquela casa, pareceu não a ver!
Quis gritar mas não conseguiu.
A rapariga levantou-se e, silenciosa, saiu do quarto. Como o velho, parecia que não andava, deslizava! Deslizava ou, pensou com terror, levitava!
“ Tenho de ir embora! Não posso continuar aqui!”
Preparou-se para dormir e, quando regressou ao quarto, viu, sobre a almofada, um lírio roxo!

Lívida, completamente fora de si, gritou, gritou muito alto, histericamente! Ninguém pareceu ouvi-la.
Em camisa de dormir, correu à procura da velha senhora que, com o seu imperturbável sorriso, a ouviu, aos gritos e atabalhoadamente, contar os sustos que apanhara e falar dos seus medos. Depois, foi calmamente, com ela, até ao quarto.
O lírio roxo tinha desaparecido!
A velha senhora olhou para ela, sem sorrir, com os olhinhos cinzentos, agora bem abertos, o olhar duro e frio como gelo e disse-lhe, com uma voz firme e irritada, que Juliana desconhecia:
“ Vamos lá, menina! Chega de disparates! Vê um velho que levita, no meu corredor, vê pessoas fantasmagóricas, reunidas na minha sala, vê uma rapariga, sentada na sua cama e agora vem com a história de um lírio roxo, pousado na sua almofada! Acalme-se, menina, e durma! Boa noite!”
Aturdida e humilhada, Juliana sentiu-se, de novo, criança e, obediente, deitou-se.

Às voltas na cama, decidiu ir embora. Era só mais uma noite, esta noite! Mas, a verdade é que se sentia só e encurralada, perdida!

Desejou, ardentemente, a reconfortante benção do sono que teimava em não vir!
Lembrou-se de rezar. Já não rezava há tanto tempo!
Procurou, nas recordações de infância, as orações aprendidas na catequese: Pai nosso que estais no céu... bendita sois Vós entre as mulheres... Anjo da Guarda, minha companhia... Santa Maria rogai por nós... perdoai as nossas ofensas ... seja feita a Vossa vontade...agora e na hora da nossa morte...
Pedaços soltos de orações há muito esquecidas, brotavam, em cascata da sua memória, num rebuliço caótico!
“Já não sei rezar!”, pensou, com desespero!
“Ajudai-me, Senhor!”
Exausta, adormeceu.

De madrugada, ainda a claridade não luzia nas frinchas das portadas da janela, Juliana acordou, num sobressalto!
O quarto estava gelado, cheirava fortemente a velas, a incenso e a flores murchas e sombras moviam-se pelos os cantos.
A opressão, no peito era tão forte que Juliana mal conseguia respirar! Era como se um elefante ali tivesse pousado a pata, para, ferreamente, a prender.
Paralisada de medo e de aflição, Juliana viu debruçado, sobre si, o rosto pálido da rapariga que a olhava, sem ver e cujos cabelos loiros pareciam roçar a sua face!
Aos pés da cama viu as cinco ou seis pessoas silenciosas, severas, o mesmo olhar cego e a mesma indiferença. O mesmo quadro vivo, (seria vivo?), que já a assombrara antes!
No canto esquerdo do quarto, viu, estarrecida, a velha senhora, com os seus cabelos brancos, o seu eterno sorriso e nos olhos cinzentos, um brilho metálico, maligno e, vagamente, trocista!
Com a garganta apertada num nó, grosso e forte, como deve ser o nó de um enforcado, sentiu-se ficar molhada e suja.
Urina quente e algo pastoso, sem ela saber como, tinham-se soltado, subitamente, de dentro de si!
Um cheiro horrendo, a urina e a fezes, inundou o quarto e misturou-se com o cheiro a velas, a incenso e a podre. Compreendeu o que se passara e, mesmo, naquele momento de extrema angústia, sentiu-se esmagada por uma tremenda humilhação!

A velha senhora foi-se aproximando. Também ela, agora, parecia deslizar, com um molho de lírios roxos, apertados contra o peito e os lábios semi abertos, não no seu sorriso doce mas, num arreganho medonho, donde escorria uma baba viscosa e esverdinhada, de animal danado!
Juliana não soube se ouviu a velha senhora dizer, com a sua vozinha baixa e doce ou, se foi na sua cabeça que ecoaram aquelas duas frases assustadoras, como um cântico sinistro e fúnebre:
“ Aos mortos, dão-se lírios roxos! Ficam tão bem, aos mortos, os lírios roxos!”


Nota: Esta é uma incursão num género que só aflorei no texto, "O gato".
Eu, "A desalinhada", dedico este conto(?) muito desalinhado e um bocadinho amalucado, aos meus queridos seguidores, com ternura, com muito afecto e com imensa gratidão por terem a gentileza e a pachorra de me lerem! Obrigada!


MC/SC

O Anjo ganhou asas, o Rei reina na Eternidade!

No espaço de dois dias, tomei conhcimento da morte de Farrah Fawcet e de Michael Jackson.
Lamentei profundamente a morte de Farrah, pelo seu longo e vão sofrimento. Era uma conhecida de há muitos anos. Acompanhei, religiosamente, a série "Os Anjos de Charlie", com as minhas filhas ainda pequenas, e ela era, sem sombra de dúvida, o nosso Anjo preferido!
Um Anjo lindo, loiro, com cara de boneca e a transbordar glamour!
Teve, sempre a seu lado, na doença, o terno e dedicado companheiro, Ryan O`Neal. No fundo, ele retribuíu, com o seu amparo e carinho, o acompanhamento que ela lhe deu, quando, há uns anos, ele se debateu, corajosamente, com uma feroz leucemia!
Tudo indica que Ryan venceu! Farrah foi vencida!

O Anjo ganhou asas e partiu rumo ao infinito!
Que descanse, em Paz!

Michael Jackson não foi um cantor da minha predilecção mas, confesso que me maravilhei com o seu poder criativo, com o dançarino fantástico que era e, especialmente, com o "Thriller" que vi, vezes sem conta, sempre com o mesmo entusiasmo e o mesmo arrepio!
Michael Jackson, quer se goste ou não, é um nome incontornável no mundo da música!
Parecia ter tudo para ser feliz: Saúde, Família, Talento, Dinheiro, Glória e, no entanto, creio que nunca soube onde estava a Felicidade!
Brincou, despudoradamente, com a saúde e mostrou, sempre, ser uma pessoa inquieta, insatisfeita, solitária e torturada!
Se calhar, são, assim, os génios!
Michael Jackson foi amado e admirado e foi vilipendiado e esquecido!
Se calhar, é este o destino traçado aos génios!
Mesmo depois de morto, há um turbilhão maldoso e incandescente de polémica, à volta do seu nome e da sua vida!
Se calhar, é esta girândola de especulações, mais ou menos maldosas, que, na morte, espera os génios!

Que o Rei reine, em paz, na Eternidade! Quando o deixarem ter Paz!

Nota: Talvez pareça um pouco suburbano escrever sobre duas pessoas, tão distantes de nós. Faço-o porque, cada um, a seu modo, foi um pequeno marco, na minha vida e na vida das minhas filhas.

MC

quinta-feira, 25 de junho de 2009

É uma vergonha!

O assalto repentino do Governo, à TVI, via PT, com o dinheiro de todos nós, é uma vergonha e um crime contra a liberdade de Imprensa e de Informação.
Sócrates, todos sabemos, detesta a TVI, e transformou a estação e, especialmente, o "Jornal de Sexta", em inimigos figadais!
Será ridículo mas haverá, naturalmente, da sua parte, o desejo enorme e o projecto determinado de afastar um José Eduardo Moniz ganhador, da direcção da estação!
E, compreende-se porquê: é na TVI que se têm vindo a desmontar as “brilhantes reformas” deste governo; é na TVI que a incompetência, a falta de visão e a arrogância dos ministros têm vindo a ser expostas; é na TVI que a confusão e a corrupção no Freeport têm sido investigadas e discutidas; foi na TVI que o currículo manhoso e o curso, igualmente manhoso, de Sócrates, na Universidade Independente, foram postos, com fundamento, em dúvida!

E, acima de tudo, é tempo de eleições! Vozes contrárias à situação vigente, fervilhante de esquemas dúbios e de negociatas escusas, têm de ser silenciadas!!

A TVI tem desnudado, como nenhuma outra estação, a podridão do sistema e isso desagrada, pois com certeza, a um Primeiro Ministro que convive muito mal com a crítica, é arrogante e acintoso e prefere, claro, que lhe seja dado tempo de antena, como aconteceu na entrevista que concedeu à SIC, conduzida por uma delicodoce e irreconhecível Ana Lourenço!
O povo Português precisa da TVI! Porque é isenta e é a única estação televisiva que o Governo e o PS não controla!
É tempo deste povo, a que pertenço, sacudir a sua passividade bovina e reagir!
E, já agora, onde está o Presidente da República?

(Texto enviado, com alguns cortes, para o JN que, naturalmente, não o irá publicar...)

MC

segunda-feira, 22 de junho de 2009

O vestido novo

A menina irradiava alegria, como um pardal saltitante, em dia de primavera.
Tinha um vestido novo, amarelo, como um raio de sol e ía passear com o pai. Era bonito e elegante, o pai!
As amigas do irmão diziam que parecia um actor de cinema. Para ela, ele era, simplesmente o pai, o seu herói, o seu aconchego, a sua segurança!

Quando passaram pela casa do Luisinho, viu o pai dele no jardim. Era feio, vermelhusco e pançudo. Nesse momento, ria e a falava alto com a D. Berta que empurrava, docemente, o filho, no baloiço.
A menina teve muita pena do Luisinho que não tinha um pai que parecia um actor de cinema, bem parecido e charmoso. Devia ser triste, ter um pai feio, que não tinha um sorriso bonito e que não o levava a passear, como o dela!

“ Queres ir comer um gelado, princesa?”
“ Um gelado? Quero, papá! Que bom!”
Olhou orgulhosa e com ternura para o pai e lembrou-se, de novo, do Luisinho, mal vestido, despenteado, sem graça, a andar de baloiço, no jardim.

Na esplanada da gelataria, uma senhora morena, de cabelos compridos e óculos escuros, estava sentada a uma mesa. O pai corou ligeiramente, como um rapazinho e o seu rosto iluminou-se num enorme sorriso, ao vê-la. O pai beijou-a, levemente, no rosto e sentaram-se à mesma mesa.
Chamava-se Ângela.
Era simpática mas a menina não gostou dela! Na verdade, evitava encará-la . O grande decote , a saia muito curta e as suas risadas nervosas intimidavam-na! A mãe não era nada assim! Pior, no entanto, era o desapontamento, o enorme desapontamento, de não ter o pai só para si, nessa tarde de encantamento!
Calada, saboreou, devagar e gostosamente, o gelado de chocolate e de morango.
O pai conversava, ria gesticulava ligeiramente, tocando levemente, as mãos, os braços, o cabelo de Ângela, e parecia tê-la esquecido!
Cansou-se de estar, ali, como uma boneca, momentaneamente, deixada a um canto, e pediu para ir à papelaria que ficava mesmo ao lado. O pai autorizou de imediato e disse-lhe que, daí a pouco, iria buscá-la.
Ela lá foi, vaidosa, no seu vestido novo, amarelo como um raio de sol e, de novo, alegre, como um pardal saltitante, em dia de primavera.
Na papelaria, encantou-se com uns blocos pequeninos e coloridos que iriam ficar muito bem na sua colecção.
Decidiu ir ter com o pai.

A meio do caminho, estacou, quase sofucada de espanto e de angústia: o pai, de costas para ela, debruçava-se para a senhora morena, de cabelos compridos e, agora, sem os óculos escuros. De mãos dadas, os dois olhavam-se embevecidos, perdidos num mundo só deles, os rostos tão juntos que quase se tocavam e acariciavam, na cumplicidade amorosa de um beijo, em suspenso.
A menina sentiu os olhos alagarem-se de lágrimas, as pernas tremeram, como se fossem geleia, um nó esquisito apertou-lhe a garganta e, do estômago, subiu uma agonia azeda. Encostou-se a uma árvore, respirou fundo e o nó, forte como um garrote, desapertou-se num vómito que a aliviou mas, que lhe sujou o vestido novo, com salpicos grossos e viscosos.
Voltou à papelaria e, pouco depois, viu o pai, à porta, a sorrir.

A menina entrou no carro. Estava triste, aturdida e muito cansada! Não tentou, sequer, falar. Talvez para quebrar aquele silêncio pesado, que o incomodava, o pai disse-lhe que a Ângela era médica, como ele, trabalhavam juntos e eram amigos. O marido era deputado em Bruxelas e tinham dois filhos.
Silenciosa, sem o ouvir, olhou para o pai e achou-o diferente: não lhe pareceu assim tão bonito, o seu sorriso enjoou-a e, estranhamente, não se sentiu orgulhosa, nem feliz, nem segura, a seu lado!
Na verdade, nesse momento, detestou-o!

Quando passou pela casa do Luisinho, viu-o com o pai, feio, vermelhusco e pançudo, a manápula grande e peluda, pousada, ternamente, na nuca do filho.
E teve muita inveja do Luisinho! Sentiu uma inveja danada, que lhe oprimiu o peito e quase lhe estrangulou a respiração, daquele menino que tinha um pai que não parecia um actor de cinema mas ria, falava alto e brincava com ele, no jardim e não tinha uma amiga, morena e espaventosa, que se chamava Ângela.

Quando entrou em casa, correu para a mãe, abraçou-a e, num arroubo de ternura, disse-lhe baixinho:
“ És tão bonita, mamã! És a mãe mais bonita do mundo! Gosto tanto de ti!”
E foi para o quarto, o vestido novo, amarelo, já sem a luz e o brilho cintilante de um raio de sol, amarrotado, salpicado de vómito escuro e viscoso e a cheirar a azedo.
Antes de fechar a porta ainda ouviu a voz clara da mãe, a escorrer carinho, dizer:
“ Tens de levar a Ritinha mais vezes à gelataria, querido!”

A menina deitou-se na cama e aí ficou, muito quieta, atordoada, sem forças, como um pardal desorientado, cheio de frio, com uma asa, subitamente, ferida de morte, numa tarde de temporal.

MC

Eu, voluntária, me confesso...

No dia dezasseis de Junho, celebrou-se a festa do Voluntariado, do Hospital de S. João.
Recebi, nesse dia, o crachá comemorativo de dez anos, como voluntária, ao serviço do ser humano, em toda a sua dimensão e também, em toda a sua vulnerabilidade.
Dez anos! Tanto tempo! Tantos anos que passaram, a voar!
São, contudo, dez anos muito gratificantes e de uma imensa riqueza humana, no decorrer dos quais assisti a extraordinárias lições de vida, deparei-me com torres de coragem e de força, verdadeiramente fantásticas e recebi, em termos de humanitude, mais, muito mais do que dei ou, poderia dar!

Confesso, no entanto, que muitos foram os momentos que vivi, angustiada e emudecida, com um nó na garganta; muitas foram as mãos suadas, ardentes de febre ou, gélidas e trémulas que prendi, ternamente, nas minhas; muitas foram as lágrimas que recolhi nos meus dedos e guardei no mais íntimo de mim; muitos foram os desabafos, as angústias e os medos que ouvi desfiar, baixinho, como em confissão; muitas foram as histórias de sucessos inesperados e recuperações maravilhosas que inventei; muitas foram, pois, as mentiras brancas e suaves que menti; muitos foram os sorrisos que, alegremente retribuí; muitas foram as melhoras, os felizes regressos a casa que, jubilosamente, celebrei; muitas foram as surpresas tristes que me atingiram, em cheio, na alma, as perdas súbitas ou, já esperadas, a que, muda e vencida, assisti; porque muitas são as vezes que se faz sentir, implacável e majestosa, a aproximação da morte que ronda, ronda e fareja, maligna e incansável, o hospital!

O voluntariado, todos sabemos, não é uma floração dos nossos dias. Houve sempre pessoas que se preocuparam com os outros, pessoas generosas que souberam ver muito para além do seu umbigo e das pontas dos seus sapatos!
Houve sempre quem se debruçasse sobre o sofrimento dos outros e sobre ele derramasse o lenitivo terno do seu amparo, numa entrega muito especial!
Eu, modesta voluntária num hospital, confesso que não sou capaz dessa dádiva total! Perco-me por outros caminhos que me foram destinados percorrer!

Há outras formas de voluntariado como , por exemplo, na educação, na irradicação da pobreza, nas cadeias, no acompanhamento de idosos ou, de crianças.
O voluntariado, no verdadeiro sentido da palavra, não me é, também, desconhecido, na educação.
Foram alguns anos, exactamente sete anos, de trabalho duro, cansativo mas imensamente gratificante e rico, com alunos cegos.
Foram horas, muitas horas que alegremente e amorosamente lhes dei porque em todos e em cada um desses alunos queridos, encontrei um amigo para sempre e, com eles, aprendi que é possível transpor os maiores obstáculos e ultrapassar os mais espinhosos escolhos, quando acreditamos em nós, somos determinados e nunca desistimos dos nossos objectivos!

Confesso que é com um sorriso de comiseração que ouço dizer que o voluntariado é óptimo para ocupar o tempo e pode ser mesmo, uma distracção.
Não é! Desengane-se quem assim pensar! Quem não tem que fazer ao tempo e quer distraír-se, não serve como voluntário!
O voluntariado não é um passatempo e não distrai!
O voluntariado é uma labareda, um incêndio, perenemente insatisfeito, que desgasta, que devora de mansinho!

O voluntariado consome!

Como voluntária, confesso que me consome o sofrimento de quem se esvai no caudal tortuoso da doença; consome-me não encontrar as palavras certas para manter acesa a esperança, naquele que se inquieta e desespera; consome-me a aflição da minha incapacidade, quando alguém me estende a mão em busca de um auxílio que não está ao meu alcance, dar; consome-me ter de manter o sorriso, quando me apetece chorar porque deixou de haver razão para sorrir; consome-me ter de me limitar a segurar uma mão emaciada e ansiosa, quando me apetecia abraçar aquela dor e ajudar a carregar aquela cruz demasiado pesada para um ser humano só; consome-me não poder acalmar a impaciência de quem vê escorrer os dias, as semanas, os meses, sem se sentir melhorar; mas, sobretudo, consome-me o pânico, sem nome e sem tamanho de quem, imerso na escuridão profunda da doença, da fraqueza e da dúvida, se vai distanciando e perdendo lá longe, tão longe e tão só...; consome-me não ser capaz de romper essa escuridão espessa, pesada e fazer brilhar, de novo, a luz da esperança, a luz da confiança, a luz, forte e vibrante, do apelo da vida!

Eu, modesta voluntária num hospital, confesso a minha impotência, a minha insignificância e a minha ansiedade, perante o sofrimento e a morte!
Mas, também confesso o meu infinito deslumbramento, a minha humildade e o meu imenso respeito, perante as lições grandiosas de aceitação, de coragem, em lutas ferozes, sem tréguas, lições maravilhosas de espantoso valor humano, que tenho tido o privilégio de acompanhar!

MC

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Até logo Mãe!

Era a noite de Passagem de Ano.
Ana viu-se, mais uma vez ao espelho e sorriu, feliz, no seu vestido vaporoso em suaves tons pastel. Ía começar o novo ano, com cores bonitas, claras e radiosas que prenunciassem alegria e tudo de bom, nos próximos doze meses.

O Gustavo viria buscá-la dentro de um quarto de hora.

O penteado e a maquilhagem tinham ficado perfeitos, e o vestido, assentava-lhe como uma luva.
Estava bonita, envolta num delicado perfume, a rosas e a jasmim e emanava dela a luz radiosa da mulher que se sente bem consigo própria.
Uma nuvem, contudo, toldou-lhe o brilho do olhar e os traços do seu rosto endureceram ligeiramente, quando se lembrou da Mãe, no quarto ao lado.
Mas, que poderia ela fazer?

“Esta noite, entre todas as noites, tenho de sair e divertir-me! Esta noite, quero esquecer este pesadelo, este drama que me consome! Chega!”, pensou.

A mãe, quase inconsciente, jazia na cama. Não falava, não se mexia, era alimentada por sonda e só nos olhos grandes, escuros e ainda bonitos, se parecia concentrar o sopro de vida que ainda pulsava nela!
A senhora Irene, a empregada da casa, dissera-lhe, compungida e, talvez um pouco reprovadora, nessa manhã, que estava preocupada porque achava a mãe diferente.
Diferente, como? A mãe, há muito que estava sempre na mesma: imóvel, calada, sem reacção, como uma concha vazia.

Os hospitais não deviam mandar para casa doentes, no estado em que se encontrava a mãe.
Diziam que era para se sentirem mais confortáveis no aconchego da família e do lar! Mais confortáveis, como?
A mãe já não parecia sentir nada e ela, Ana, tinha um ritmo de vida que não se compadecia com o aconchego de alguém que já não interagia e parecia tão longe, tão perdida numa ausência triste e fria, sem retorno.

Na verdade, a senhora Irene lá ía cuidando, carinhosamente, da mãe e da limpeza da casa, com a ajuda do serviço de enfermagem domiciliário, todas as manhãs.
À noite, a doente tinha de ficar sozinha. Mas, eram só umas horas e, no estado, de quase completa apatia, em que a mãe se encontrava, não fazia diferença!

O Gustavo devia estar mesmo a chegar.

Não lhe apetecia ir ver a mãe antes de ir para a festa de Passagem de Ano.
Aquele quadro de sombria quietude e profundo silêncio, deprimia-a dolorosamente!
Hesitou à porta mas, num rebate de consciência, entrou, devagarinho, no quarto, o vestido comprido a roçagar mansamente.
A mãe, pequeno vulto, mal perceptível, sob as roupas da cama, olhou-a fixamente, os olhos grandes e escuros, brilhantes de febre ou, talvez de lágrimas.

Ela era uma lufada de vida, de cor e de beleza naquele quarto, mergulhado na penumbra, que cheirava a doença, a uma incipiente dissolução e a uma infinita tristeza!
Ana sentiu uma forte opressão no peito, como se uma presença poderosa dominasse, invisível e destruidora e acentuasse, malévola, o cheiro insidioso e fétido de decadência e de podridão.
Meio-agoniada, Ana levou, num gesto brusco, a mão perfumada ao nariz e a jarra esguia, pousada na mesinha de cabeceira, virou-se, a rosa branca que lá pusera essa manhã, caiu, algumas pétalas soltaram-se e a água ainda a gotejar, ía tornando maior a pocinha cristalina, que se formara, no chão.
Ana assustou-se, estremeceu e, num arrepio, recuou.

“Até logo, Mãe!”

E, sem tocar ou beijar o rosto branco e esquálido, saiu do quarto, quase a correr, porque não podia suportar a fixidez daqueles olhos grandes, escuros, misteriosos que lhe atravessavam a alma, como uma súplica, como uma despedida ou... como uma acusação!

E, porque já estava de saída, Ana não viu o movimento ténue, muito ténue da mão descarnada da mãe, como que a querer tocá-la ou prender-lhe o vestido, nem viu os seus lábios tentarem, angustiados, dizer o nome dela, nem viu as duas lágrimas grandes, grossas, como punhos, que escorreram daqueles olhos grandes e escuros e se perderam, desoladas, na almofada!
Ana também não a viu abrir a boca, no desesperado espasmo da falta de ar, nem ouviu o seu leve estertor, tão leve, como um adejar de pássaro aflito, nem viu o pânico estampado no rosto desfigurado da mãe, a enfrentar, na mais profunda solidão, o supremo mistério da morte!

Gustavo deu-lhe um toque para o telemóvel.

Ela aconchegou-se com um arrepio, no casaco de peles e correu ao encontro dele, como se fugisse da mãe, daquela agonia lenta e, talvez também, de si própria, com duas pétalas da rosa branca, ainda presas na orla do vestido, mas que acabaram por cair, desamparadas, na carpete da entrada, como lágrimas de adeus!

Egoísmo/ Indiferença (Pecado Mortal)

MC

Lembro-me

A importância da comida na minha infância

Lembro-me de, na minha infância, a comida não ter, realmente, importância e as refeições serem, muitas vezes, um sacrifício.

Lembro-me de muito pequenina ainda, ter estado doente, não ter apetite mas, ser necessário que me curasse o mais rapidamente possível para poder embarcar para África e de o meu Pai me levar a passear e entrar em três ou quatro confeitarias, onde eu bebia um bocadinho de leite, em cada uma delas, e só ir para casa quando ele calculava que eu já tinha bebido um copo cheio.

Lembro-me de não gostar de sopa e quando todos acabavam o segundo prato, eu ainda estar com a sopa, à minha frente, a desafiar-me, maldosa, já fria e com uma crosta leve e desagradável de caldo coalhado!

Lembro-me do pirão, fuba, amassada com um pouco de água, na pedra, e do peixe seco, que a nossa lavadeira preparava com óleo de palma, extraído do dendém, e que eu adorava comer, como ela, com as mãos, as minhas pequeninas e sujas , às escondidas de todos. Felizmente, não existia a ASAE.

Lembro-me, do prazer imenso e da excitaçãozinha manhosa daquela secreta transgressão, a todas as regras de casa.

Lembro-me das magníficas muambas de galinha ou de peixe, com muitos mariscos mas que nunca me sabiam tão bem como o peixe seco e o pirão, amassado na pedra, da Averina.
Lembro-me das batatas doces que ela nunca se esquecia de assar para mim e nunca mais comi outras, tão suaves e saborosas.

Lembro-me de me lambuzar, consoladamente, com as mangas doces, carnudas, quase sensuais no aspecto e no gosto, que nunca se comiam à mesa porque não se deviam cortar com a faca mas, tirada a casca, saboreavam-se com os dentes bem enterrados no fruto, a polpa a desfazer-se na boca e o sumo espesso a escorrer, atrevido, pelo queixo abaixo e a perder-se, amarelo, no bibe branco. O caroço descarnado e róseo, ficava, depois, cheio de fios, como um sol, oblongo e radiante.

Lembro-me da delicada fruta pinha, a minha preferida, do perfumado abacaxi, do macio mamão, da doce e rosada papaia, dos exóticos maracujás, e das deliciosas goiabas.

Lembro-me de, no colégio, chamarmos “goiaba madura” à Madre Superiora, mas nunca percebi porquê. Eu, francamente, achei-a sempre mais parecida com uma suculenta papaia.

Lembro-me do Faustino, religioso convicto a quem eu dava os meus “santinhos” mais bonitos, para me deixar comer as batatas fininhas e estaladiças que ele ía, incessantemente, fritando para o jantar.

Lembro-me da minha satisfação por, com essa pequena, mas gostosa chantagenzinha, transgredir, mesmo só um bocadinho, a ordem, em casa.

Lembro-me do Chipeco, que me conhecia desde o berço e tinha chorado amargamente a morte da minha mãe, me levar, de vez em quando e certamente em memória dela,
ovos das galinhas que a mulher criava na sanzala e um pão de forma branco, macio e fofo, com sabor a ternura, um luxo a que ele próprio não se permitia, porque me achava magrinha e não queria que eu adoecesse, como tinha adoecido, a sua senhora dos olhos claros.

Lembro-me da minha eterna repulsa por ovos e por doces conventuais e de, um dia, à sobremesa de um almoço formal e elegante, serem servidos uns majestosos “papos de anjo”, verdadeira orgia de gemas de ovo e de açúcar, e só a atenção e a encantadora diplomacia do meu Pai, para com a dona da casa, me terem salvo da aflição de ter de comer uma daquelas bolas amarelas e pastosas, a nadar, petulante, numa calda fortemente açucarada.

Lembro-me da quissangua, o xarope, feito com as cascas e o centro do abacaxi, que se bebia dissolvido em água fresca, dos refrescos da Jomba, do creme-soda e do refrigerante de morango, ambos da Canada Dry, que eu gostava de beber, serenamente, ao fim da tarde.

Lembro-me do horror que era descascar laranjas com o garfo e a faca, sem perder a pose e sem o fruto, redondo e matreiro, fugir, aos saltos, do prato e rebolar, rebolar, imparável, pela mesa fora.

Lembro-me do bolo de côco que fiz, um dia, seguindo uma receita da revista brasileira, “ O cruzeiro” e de o meu Pai gostou tanto, que ficou baptizado com o nome de “O bolo do Pai”. Em casa, só eu o fazia porque não dei a receita a ninguém.

Lembro-me de não me apetecer comer, a meio da manhã, o lanche que levava para o colégio e deixá-lo escondido dentro da carteira, até que as freiras descobriram a minha farta despensa de fatias de bolo e de pães secos, duros e bolorentos e de o meu pai ter ficado aterrado com a ideia de a sua menina estar, manhãs inteiras, sem comer nada.

Lembro-me de, desde então, ter começado a dar o lanche aos filhos das lavadeiras do colégio que criaram um “roulement”, muito deles, e de eu me sentir muito contente comigo própria, pela minha astúcia e, sobretudo, por ter descoberto uma solução, fantástica e absolutamente inócua, para não ter de comer, sem me apetecer.

Lembro-me da minha deliciosa despreocupação e maravilhosa serenidade quando lia, escrevia ou ouvia música, na varanda sombreada pela luxuriante buganvília roxa, enquanto ía comendo os “areados” e os “digestivos”, feitos em casa.

Lembro-me de nunca me ter lembrado do flagelo da fome e da pobreza mais extrema, na “minha" África, por não ser, então, uma terra devastada, submersa num mar amargo e pútrido de sofrimento, de guerra e de morte mas, ao contrário, ser uma terra abençoada, rica, e farta para todos e de eu, na minha inocência, partir do princípio que era assim, em todos os cantos mundo e de que, assim iria ser, para sempre!

Lembro-me da noite em que eu e o meu irmão resolvemos fazer um bolo de chocolate que ficou muito bonito, tufado e apetitoso e depois, para completar aquela obra de arte, termos decidido cobri-lo com chantilly. A minha receita, para a cobertura, era bater, energicamente, manteiga com açúcar.

Lembro-me de nunca termos conseguido fazer o chantilly, a cozinha ter ficado num tremendo caos, o bolo ter continuado castanho, depois de um desperdício atroz de energia, de manteiga e de açúcar e, de no dia seguinte, parecermos dois “zombies”, enjoados e meio-doentes, por tanto termos provado a mistura.
Mas, como nos divertimos, nessa noite, enquanto todos dormiam!

Lembro-me de, dois dias antes do meu irmão falecer, termos recordado, as mãos esguias e emaciadas dele, presas nas nas minhas, essa noite de travessura, de caos na cozinha, de risos, de chocolate, de manteiga e de açúcar e de ter sido essa, a última vez, que o brilho dos seus olhos e a doçura do seu sorriso encheram de luz, todos os recantos do meu coração.

Nota: Este texto foi, humildemente, escrito ao jeito do livro “ I remember” de Joe Brainard, de 1970, uma pequena mas encantadora jóia literária, em termos de originalidade.

MC

" Endimião " - Keats

No poema "Endimião" de Keats, podemos ter uma ideia do sofrimento dos homens transformados em animais, pela feiticeira Circe.
Os versos, abaixo, terão sido ditos por um rei transformado, pela deusa, em elefante:

"Não lamento a perda da coroa que perdi
A falange que outrora comandei
E a esposa ou viúva que deixei.
Não lamento saudoso, minha vida
Filhos e filhas, na mansão querida.
Tudo isso esqueci, as alegrias
Terrenas dos velhos dias olvidei
Outro desejo vem muito mais forte.
Só aspiro, só peço a própria morte
Livrai-me deste corpo abominável
Libertai-me da vida miserável
Piedade Circe! Morrer tão somente!
Sede, deusa gentil, sede clemente!"


Circe, figura lendária da mitologia grega, é retratada como filha de Hélio, deus-sol e da ninfa Pérsia.
Por ter envenenado o marido, o rei dos Sámartas, foi obrigada a exilar-se na ilha de Ea, no litoral oeste de Itália.
De Circe, emanava uma luz ténue e fúnebre. Essa luz identifica Circe como a " Deusa da Morte". Ela era também associada aos voos mortais dos falcões, pois, como eles, ela circundava as suas vítimas para depois as enfeitiçar.
O grito do falcão "circ-circ" é considerado a canção mágica de Circe que controla, tanto a criação, como a dissolução.
Circe era considerada a deusa da Lua Nova, (a Lua Negra), do amor físico, da feitiçaria, dos encantamentos, dos sonhos precognitivos, das maldições, das vinganças, da magia negra, da bruxaria, dos caldeirões.

Ulisses e os seus homens estiveram "prisioneiros" na ilha de Circe cinco anos de boa vida. Apesar de tudo, as saudades de Ítaca, de Penélope e de Telémaco eram imensas, falaram mais alto e Circe compreendeu que Ulisses, triste e saudoso, tinha de voltar ao seu lar.

Quando Ulisses iniciou a viagem de regresso a casa, Circe aconselhou-o a cobrir com cera, os ouvidos dos seus marinheiros, para que não ouvissem o canto sedutor das sereias, ninfas marinhas, com o poder de os enfeitiçar e de os fazer sentir, irresistivelmente impelidos, a atirarem-se ao mar, onde morreriam afogados.
Circe aconselhou Ulisses a amarrar-se, a si mesmo, ao mastro do navio, para não ser, ele também, vítima desse canto enfeitiçado e enlouquecedor!

( Algumas notas, ainda a propósito do livro "Imagens" de Ana Luísa Amaral).