domingo, 29 de abril de 2012

Se eu fosse flor...

Se eu fosse flor, seria papoila. Rubra, esguia, vibrátil.
Pétalas macias, sedosas. Singelas.
Hastes quebradiças a balançar, arrebatadas, ao vento.
Papoila a crescer, a esmo, em todos os cantos. E a insinuar-se, atrevida, nos loiros trigais.

Seda e linho.
Vermelho e ouro.
Sangue e lume.
Sol e Lua.

Mulher.
Amante e amiga.
Amada... talvez.
Tenho segredos. Como nuvens brancas, de Verão.
Recantos de silêncios... com a leveza do vento brando, com a fúria da tempestade desfeita..
Espaços infinitos de azul, onde vagueiam sonhos.
Tenho canteiros de risos e socalcos de dor. E lagos de lágrimas.
E prados verdes de Esperança... Com cheiro a lavanda e a tomilho.

A papoila rubra, com estames longos, como cílios, também tem um segredo.
Pecaminoso. Letal.
Que esconde, amarfanhado, numa inquietude.
Coração de rubi. Aflito.
Segredo, mistério... só revelado, quando colhida.
Corola cortada, esmaecida, seda preciosa, esfiapada.
Papoila rubra, gelo e incêndio, usa veneno, em vez de perfume.

Se eu fosse flor, seria papoila. A balançar, arrebatada, ao vento.
Rubra e vibrátil.
Lume e sangue.
O meu veneno?
Serias tu.

MC

domingo, 22 de abril de 2012

Lua adversa

Um lindíssimo poema que foi a mola impulsora de um texto que escrevi, à toa, num desacerto de palavras desavindas, um amontoado frases sem sentido, sei lá...
Estaria eu, talvez, numa fase adversa da lua? Cecília Meireles, perdoa-me!


LUA ADVERSA

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...

Cecília Meireles




Também eu tenho fases! Como a Lua!

Tenho fases de recolhimento.

E, como se fosse uma flor, resguardada na sombra de botão cerrado, meu coração imobilizado no peito, fecha-se numa quietude sem graça, sem perfume e sem cor. Botão melancólico, contido.
Anunciação. Pressentimento.
Sou água e sou braseiro amortecido.
“ Fase de andar escondida.” De ti.

Aí sou tímida Lua Nova.


Tenho fases de revelação.

Flor que floresce devagarinho, ansiosa, palpitante de vida. Temerosa, talvez.
Grávida de cor, de perfume, de beleza. Flor que não se vê. Ainda...
Um rasto de luz, tímido e suave.. Apenas promessa. Compromisso, não.
Espreito o mundo. Onde estás...?
Sou leite e sou brasa incendiada.
Avalanche de sonhos, nas asas da Esperança.
“Não me encontro com ninguém.” Ainda...

Aí sou expectante Quarto Crescente.


Tenho fases de completude.

Flor radiosa, vibrante e delicada.
Flor de cetim, toque de veludo, esplendorosa de cor, perfumada.
Aí, “fase de vir para a rua”.
Tanta vida para viver.
Coração em sobressalto! De encantamento, de sonhos sonhados acordada, vindos de mansinho, nas asas diáfanas, verdes, da Esperança.
Verdes, como os teus olhos. Verdes, como os meus olhos.
Sou sangue e sou lume.
“ Fase de ser tua.”

Ai sou fulgurante Lua Cheia.


Tenho fases de esgotamento.

Flor cansada, lassa, corola amachucada, tombada num mole aveludado, emurchecido.
Coração tumultuado.
Já não guardo o teu perfume, começo a perder-te o rosto.
“Perdição da minha vida. Perdição da vida minha”.
Foram-se os sonhos nas asas da descrença.
Sou linfa e sou cinza.
“E roda a melancolia no seu interminável fuso”
Fase de “ser sozinha.”

Aí sou turvo Quarto Minguante.


Mas, na volta da Lua, não tarda, sou de novo Lua Nova, depois Quarto Crescente, e voltam os sonhos nas asas da Esperança sempre renascida, a seguir, sou, outra vez, Lua cheia, incandescente, brilhante... E, também sobressalto. Desacerto.
O turvo Quarto Minguante ? Não sei. Esqueci-o...





Aqui fica outro poema dedicado à Lua e suas fases.



LUA

Tens fases, és como a Lua,
quando iluminas a minha noite,
feminina, sedutora,
e te descobres,
te mostras nua,

Minguante, quando choras,
quando me esqueces,
quando entristeces,
quando foges do meu desejo,

Crescente, quando sorris,
quando me enlouqueces, ,
quando envaideces,
quando entro nos teus lábios,
és lua cheia num beijo...

JOSÉ GABRIEL DUARTE, in NO OUTRO LADO DE MIM (a publicar)

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Também eu te procuro...

A leitura deste belíssimo poema de Eugénio de Andrade, levou-me a escrever este pequeno e desatinado texto tão ao contrário de mim...


Procuro-te


Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te.

Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas"



Também eu te procuro...


Procuro-te no brilho líquido do teu olhar, que não ilumina, nem se dissolve no meu; procuro-te na incandescência lânguida do teu corpo, onde não ardo, não me queimo e não percorro; procuro-te no aconchego macio do teu abraço, que não me abraça e não me trespassa; procuro-te no teu cheiro doce, amadeirado e lascivo que lembro, mas que não sinto; procuro-te na doçura húmida dos teus lábios, que não adoçam, nem humedecem os meus; procuro-te nas palavras mansas, mel e canela, que não dizes; procuro-te na cascata de riso que não ris; procuro-te nas mãos fortes mas suaves, onde as minhas se aninhavam numa modorra lassa; procuro-te nas manhãs transparentes, perfumadas de erva-doce, de rosas e de jasmim; procuro-te nos dias cinzentos, que uma chuva miudinha enreda e entristece; procuro-te nas noites claras deitadas nuas, à luz leitosa, fria, lívida da lua; procuro-te nas noites escuras, tenebrosas, assombradas de medos e de fantasmas medonhos...

Procuro-te, na inquietude deste desconcerto em que me perco; procuro-te, perdida no avesso de mim; procuro-te, perdida no desacerto de um eterno desencontro...

Procuro-te, nesta saudade pungente, atordoada, de ti, que nunca foste, mas mesmo assim, magoa e dói...

MC

domingo, 8 de abril de 2012

A Procissão

Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o solidó.
Quando o regente lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.

Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes machados,
E os capacetes rebrilham ao sol.

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!

Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos.
E o mais pequeno perdeu uma asa!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu!

Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.

António Lopes Ribeiro

Páscoa feliz e muito docinha, meus queridos Amigos!

MC