quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Mãe- África

PRELÚDIO



Pela estrada desce a noite

Mãe-Negra, desce com ela...



Nem buganvílias vermelhas,

nem vestidinhos de folhos,

nem brincadeiras de guisos,

nas suas mãos apertadas.

Só duas lágrimas grossas,

em duas faces cansadas.



Mãe-Negra tem voz de vento,

voz de silêncio batendo

nas folhas do cajueiro...



Tem voz de noite, descendo,

de mansinho, pela estrada...



Que é feito desses meninos

que gostava de embalar?...



Que é feito desses meninos

que ela ajudou a criar?...

Quem ouve agora as histórias

que costumava contar?...



Mãe-Negra não sabe nada...



Mas ai de quem sabe tudo,

como eu sei tudo

Mãe-Negra!...



Os teus meninos cresceram,

e esqueceram as histórias

que costumavas contar...



Muitos partiram p'ra longe,

quem sabe se hão-de voltar!...



Só tu ficaste esperando,

mãos cruzadas no regaço,

bem quieta bem calada.



É a tua a voz deste vento,

desta saudade descendo,

de mansinho pela estrada..


ALDA LARA
de Poemas, 1966





PRESENÇA AFRICANA


E apesar de tudo,

Ainda sou a mesma!

Livre e esguia,

filha eterna de quanta rebeldia

me sagrou.

Mãe-África!



Mãe forte da floresta e do deserto,

ainda sou,

a Irmã-Mulher

de tudo o que em ti vibra

puro e incerto...



A dos coqueiros,

de cabeleiras verdes

e corpos arrojados

sobre o azul...

A do dendém

Nascendo dos braços das palmeiras...



A do sol bom, mordendo

o chão das Ingombotas...

A das acácias rubras,

Salpicando de sangue as avenidas,

longas e floridas...



Sim!, ainda sou a mesma.

A do amor transbordando

pelos carregadores do cais

suados e confusos,

pelos bairros imundos e dormentes

(Rua 11!... Rua 11!...)

pelos meninos



de barriga inchada e olhos fundos...



Sem dores nem alegrias,

de tronco nu

e corpo musculoso,

a raça escreve a prumo,

a força destes dias...



E eu revendo ainda, e sempre, nela,

aquela

Longa história inconsequente...



Minha terra...

Minha, eternamente...



Terra das acácias, dos dongos,

dos cólios baloiçando, mansamente...

Terra!

Ainda sou a mesma.



Ainda sou a que num canto novo

pura e livre,

me levanto,

ao aceno do teu povo!

ALDA LARA
Benguela,1953 (de Poemas,1966)

Sem comentários: