quinta-feira, 11 de abril de 2013

Pequenos textos, escritos em dias pequenos...

Perdeu-se no verde misterioso dos seus olhos, enxugou-lhe as lágrimas de sangue da sua mágoa em carne viva, enredou-se no marfim macio do seu corpo, e acabou, coração tumultuado no desconcerto do peito, só e perdido, no azul profundo, das suas noites inquietas...

Uma vida.
Perdeu o autocarro e chegou mais tarde, ele insultou-a.  Não comprou vinho para o jantar, ele bateu-lhe. Não conseguiu calar o choro do bebé, ele espancou-a. Foi despedida do emprego, ele matou-a.

 Não foi sonho. No jardim, na madrugada cristalina, um unicórnio prateado descansava, majestoso e pensativo, debaixo da velha magnólia florida.

No supermercado.
Encheu o carrinho com a sua fome. Pagou com a mão cheia de nada. Foi para casa, que não tinha paredes, não tinha telhado, não tinha nada. Não era casa, apenas um abrigo forrado de cartão, debaixo do velho e ruidoso viaduto.

 É cansaço, sim! Porque. Tu sabes que, se metade de mim é abrigo, a outra metade, é cansaço! Mas, se outra metade eu ainda tivesse, seria amor!

A vida é feita de encontros e desencontros. Talvez, um dia, me encontre, num desencontro teu ou tu me encontres, num desencontro meu... Ou, quem sabe, talvez continuemos, assim, eternamente desencontrados... Mas, apesar de tudo, ainda abraço cada dia, com a lembrança fugidia do brilho dos teus olhos e oiço a música da tua risada, a entoação da tua voz, em todos os sons do mundo.

 O arco-íris termina na tua alma, é aí que o procuro; A rosa só precisa desse vestido de seda que lhe fica tão bem, mas fica ainda mais bela quando se desnuda para ti; As folhas amarelas suicidam-se, para que novas folhas nasçam e vistam de verde e de brilho as tuas manhãs; O céu é uma igreja imensa onde rezas e te reencontras; Essa flor, que voa de pássaro em pássaro, chama-se coração, onde te acolhes e te aconchegas; Esse espaço não termina nunca! É infinito... Como esta saudade de ti.
( A propósito de um poema belíssimo de Pablo Neruda)

 A Primavera emigrou ou esqueceu-se que este é o seu tempo. O céu ainda não está azul, pontilhado, aqui e ali, por nuvens brancas como bolas de algodão... as arvóres, essas sim, fortes e decididas, estão esplendorosas, em flor... nos jardins, ainda não se anuncia a explosão de cor, perfume e encantamento, que nos embeleza os dias... o sol esconde-se, amodorrado  e aborrecido, no pingue-pongue da chuva que teima em envolver a terra, no seu manto cinzento e sombrio...

E, no silêncio lânguido da tarde, dei comigo a pensar que quase já não sei como se rabisca sol...

A vida não deve ser a preto e branco, aliás, nunca é a preto e branco. Tem de ser bem colorida, verde, azul, amarela, vermelha e roxa. Roxa, a vida, às vezes, é.  Os socalcos, as ravinas, os tropeços, as quedas, nas pedras do caminho, deixam sempre alguns arranhões, algumas nódoas roxas, nos nossos sonhos, na nossa alma...

Trilhamos o caminho, passo a passo; subimos uma escada, degrau a degrau; escrevemos o poema, palavra a palavra; construímos um amor, instante a instante; adormecemos uma saudade, lágrima a lágrima; bebemos a vida, gota a gota... E, é só gota a gota que matamos esta sede imensa de viver...

O mendigo era quase invisível no tumulto da rua.
Quando me debrucei para lhe dar uma esmola, ergueu o rosto para mim.
Nos olhos tristes, safiras ardentes. No sorriso leve, o esplendor do sol.
Ali, no atropelo da rua, um olhar, um sorriso, uma espantosa orgia de azul, uma inebriante bebedeira de luz.

A Primavera parece estar, enfim, quase a chegar. O céu está quase azul, pontilhado, aqui e ali, por nuvens brancas como bolas de algodão... as árvores, atrevidas e resplandecentes, estão já em flor... nos jardins, anuncia-se uma explosão de cor, perfume e encantamento... o sol está quase a envolver a terra, numa chuva, ainda tímida e amena, de ouro e de luz... E, eu estou quase feliz!

Às vezes, menos ainda do que uma sílaba, a falta que nos faz uma Letra inspiradora que nos conduza  ÀQUELA palavra, com asas, mágica, que quebre o feitiço que nos tolhe, que nos liberte e nos permita acabar o poema...

 Partiste.
Começo a esquecer o teu cheiro, o som da tua voz, o toque da tua pele. Começo a perder a tua face, o brilho dos teus olhos, o sabor dos teus beijos.
Mas, mesmo agrilhoada, na aridez agreste, turva, da tua ausência, eu ainda estou inteira.

MC

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