Falei com ela na Segunda-feira.
Ainda não tinha quarenta e cinco anos e estava muito doente. Uma doença feroz
que, há muito tempo, a mantinha ali internada. Exausta, desligada e triste.
Como se, perdida num amargo, desamparado negrume, estivesse a desistir.
Nesse dia, surpreendeu-me. Pareceu-me
diferente. Com um brilhozinho nos olhos, disse-me que se sentia melhor e que,
talvez em breve, fosse para casa. Falou-me da alegria de voltar para casa e, no
rosto esquálido, perpassou uma breve cintilação de contida ansiedade. Voltar
para casa. Para a família, para o jardim, para o cão. Sorriu de leve e estendeu-me a mão magra e pálida.
Com as palavras sufocadas na garganta, obriguei-me, também, a sorrir e prendi-lhe a mão emaciada, nas minhas, como se a abraçasse. Na sua quase absoluta fragilidade, aquele era o abraço possível.
Na Quarta-feira, regressou a casa. Não à casa onde se
enleavam os laços e se atavam e desatavam os nós da sua vida; não, onde no
jardim nu, a terra pesada e escura se revolve e se prepara para uma profusa explosão
de veludo, de cor, e de perfume; não, onde o cão, ansioso, ainda a espera para, num abraço, lhe contar o
quanto as saudades dela o consumiram e doeram.
Mas, como previu, regressou a Casa.
No outro bolso, guardo as perdas. Em dezasseis anos, são já muitas, as perdas.
Sentidas, todas. Dolorosas, algumas.
Ela lá está, serena, aconchegada, no bolso da minha bata
amarela. Uma lembrança, cada dia, mais ténue. Um fio invisível, infinito, de
ausência.MC
1 comentário:
Texto esmagador, tão doloroso, como belo, como é a vida. De uma forma ou de outra, sempre regressaremos a casa, e não sózinhos, como pensávamos, podemos simplesmente estar no bolso de uma bata amarela de alguém especial que nos guardou. Obrigada pela partilha e um beijinho com saudades. Pi
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