terça-feira, 11 de março de 2008

A "minha" África ... Parte I

África foi o meu berço, a minha escola, o meu primeiro amor!
Aí cresci como uma flor que desponta, estremece e desabrocha devagar, nas meias-tintas suaves das madrugadas, na luz forte e exausta dos poentes .
E, parte das minhas raízes ainda lá estão, na terra imensa, suada, sofrida: junto ao embondeiro gigantesco, sentinela imponente da savana africana; junto ao mar, enterradas na areia fina, translúcida e, talvez também, no coração da Ana, a ama-seca negra que me embalou, com doçura, nos braços roliços e macios e me contava histórias que eu escutava, ansiosa, com os olhos redondos de satisfação e de espanto !

A Ana que eu gostaria de ter guardado comigo, só para mim, até ao fim dos meus dias, mas que, por um desígnio mais forte do que todo o querer do mundo, também perdi .
Dela, ficaram, para sempre, docemente aninhadas no meu coração, a ternura, a alegria, as canções de ninar e o encantamento das pequenas histórias, onde a realidade ingénua da sua vivência, o místico e o fantástico se entrelaçavam numa harmonia perfeita e estranha, como se a Ana tivesse, em si, toda a força, todo o mistério e todo o fascínio de África!

África do sol quente, dolente e voluptuoso; do capim, descorado e ressequido e das árvores espectrais, erguidas para o céu, na época seca, como mãos descarnadas, implorantes, quase mortas . Mas, também África da vegetação luxuriante, plantas raras, únicas, de folhagem verde e macia, onde o cacimbo escorre, tranquilo e límpido como lágrimas de reconciliação .

África dos flamingos cor-de-rosa, toque de delicado romantismo nos mangais; dos pássaros de mil cores que cortam o espaço numa vibração de alegria e de plenitude; dos animais selvagens, senhores absolutos de uma terra que é sua, estampas de perfeição e imponência, que aí se criam e reproduzem, numa estonteante explosão de vida e de beleza.

África da espantosa riqueza do minério e das pedras preciosas; das extensas plantações de cana-de-açúcar, do algodão e do café que, em muitas zonas, se oferece espontâneo e farto, num esbanjamento de fidalguia abastada !

África das baías azuis, langorosas e doces como um regaço de mãe; das areias delicadas e douradas como carícias de criança; dos palmeirais esguios, lânguidos e ondulantes, que o vento agita mansamente, amorosamente, com requintes de amante !

África do cheiro consolado da terra depois da chuva . Chuvadas fortes, repentinas, benção do céu que fecunda e cria; das trovoadas violentas, assustadoras que atroam os ares e despertam, malévolas, os velhos medos de infância; dos poentes breves, mas intensos, clarões fortes, vermelhos, sanguinolentos como lagos incandescentes de amor, de ciúme e de traição

África do cantar monocórdico das cigarras; da alegria atrevida, provocante das acácias em flor; dos milhares de pirilampos, pequenos pontos de luz perdidos no escuro profundo de uma terra adormecida !

E, à sexta-feira à noite, no frenesim das batucadas que irrompem súbitas no ar, África estremece vibrante e ansiosa. Nas sanzalas, os corpos negros, elásticos, suados, agitam-se indomáveis, em frémitos de prazer e de paixão, à luz ardente das fogueiras, ao som agreste e exuberante dos batuques ! E, durante duas noites, a sanzala cuidada e pachorrenta, transfigura-se ao ritmo inquietante dos tambores, na sensualidade lasciva da dança, nas brigas violentas, em tremendas bebedeiras !

M.C.

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