Diálogo entre Ulisses e Circe, construído com base no livro de poemas “ IMAGENS” de Ana Luísa Amaral.
Ulisses, na ilha Aeaea, (Eana), olha absorto e esfíngico, o mar que se desdobra em ondas de espuma, a seus pés, e brilha, sereno, ao sol.
Circe, bela e lânguida, aproxima-se.
C. – Ulisses... que se passa contigo? Pareces tão longe... tão perdido nesse labirinto de anseios, de emoções, de sentimentos, só teu e que, ultimamente, guardas só para ti! Que tens?
U. – Nada!
C. – Nada? Estás estranho, Ulisses! Fala comigo desse mundo que não conheço mas, onde te refugias... Se é um sonho, partilha-o comigo! Se é um pesadelo, partilha-o também! Se é uma visão, deixa-me mergulhar nela, contigo...
U. – Não podes! Não quero falar, Circe! Talvez logo...amanhã! Agora, deixa-me só!
Furiosa, Circe, a rainha dos mil feitiços, dos venenos e dos medonhos encantamentos, volta-lhe, abruptamente, as costas e começa a afastar-se.
U. -- Volta, Circe! Fica!
C. – Olha para mim, Ulisses e deixa que o teu olhar, agora, fugidio
encontre o meu olhar, toma a minha mão, entra no meu leito e vem acalmar o teu desassossego, na maciez morna e acetinada do meu corpo...
U. – Não mais sedução, rainha feiticeira! Mais não! Não posso permanecer, aqui, nesta ilha contigo!
Não me devias ter obrigado, com as tuas artimanhas e feitiços de amor, a ficar aqui, tanto tempo!
C. – Porquê? Inventa desculpas, Ulisses mas, não negues que me desejas; não negues que sou, para ti, uma visão de beleza e de irresistível tentação!
Não negues, Ulisses, que no meu leito, te fiz sentir um homem viril, perfeito e, depois, saciado! Não negues que, perdido nos meus braços, viveste aquele arrebatamento mágico, único, aquela plenitude que quase faz doer, de tão intensa, aquele êxtase, quase divino, em que só o Olimpo parece ser o limite...!
U. – Fui fraco, sim, sucumbi, como um rapazinho tonto, aos teus encantos feiticeiros e entreguei-me, loucamente, a ti! Eu sei e lamento-o!
Não sou teu inimigo mas, não te amo, Circe e nunca te amei!
É Penélope, a minha mulher que, torpemente, traí contigo, que amo e sempre amei, com todo o meu coração!
Ela, sim é a minha visão de beleza, a luz pura, poderosa e constante que ilumina os recantos mais sombrios da minha alma!
C. – Que fui eu, então, para ti, Ulisses?
U. – Tu, Circe, foste, durante tempo demais, a luz baça, maligna mas sedutora e encantatória, ainda assim, que me fascinou e encandeou, na exaltação doida dos sentidos! Tu foste a teia sensual, pesada de erotismo e feitiçaria, que urdiste, para me me seduzir e onde elanguesci e, tragicamente, me deixei enredar e prender!
Mas o encanto quebrou-se, Circe! Terminou!
E, é neste mar, onde o meu olhar se deslumbra e se perde que vou
encontrar o caminho de volta ao aconchego sereno e casto do meu lar, o caminho de volta ao amor e ao perdão de Penélope!
E, longe, muito longe de ti, Circe!
Não peço mais nada à vida!
Nota: Neste diálogo teriam de, obrigatoriamente, constar as seguintes palavras e expressões, que são parte, em discurso directo, do livro " Imagens": não quero; um sonho; nada; não mais"; porquê?; entra; uma visão; nunca; volta; fica; toma; inventa; talvez; mais não; terminou; não posso; permanecer; inimigo; a luz.
MC
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