terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Tricotando com palavras

Neste meu tricot, as palavras são os meus novelos e a esferográfica e depois, as teclas do computador, as minhas agulhas.

As palavras são preciosas, como jóias antigas! Mas, também são flexíveis e, deixam-se modelar, vestir, colorir e perfumar por aqueles que as amam e fazem delas, fonte inesgotável, de criação!
As palavras respiram a vida, tomam a forma, vestem-se da cor, compõem a música e exalam o perfume, que o Escritor quiser!
Mas eu, que não sou escritora, não sei se vou saber dar-lhes forma, vesti-las, perfumá-las e dar-lhes o tom certo!

Não sei, sequer, se vou saber tricotar com elas!

Hoje, apetece-me tricotar o mar, essa massa imensa, fantástica de água que exerce sobre mim uma irresistível atracção!

Como o tempo está escuro e feio, é o mar escuro e mau que, malha a malha, vou aqui, laboriosamente, tecer!

I

Na noite gelada e tempestuosa o mar é um abismo imenso, negro, rasgado por relâmpagos que ziguezagueiam e se despedaçam nas vagas encapeladas e violentas que batem fortes, em furioso turbilhão, contra as rochas e açoitam, endoidecidas, a areia serena e branda.
E, a música poderosa de Wagner, que traz consigo laivos de vermelho que lembram sangue e que lembram guerra, irrompe das profundezas desse abismo aterrador, com o cheiro a raiva, a vingança, a sal e a algas.
E eu tricoto esse mar com as palavras pesadas, assustadoras que são os meus novelos de escuridão e de pesadelo!
Foi muito penoso tricotar este mar, de vagas enormes, a ribombar, alterosas, e a contorcer-se enfurecidas, como serpentes poderosas, ressumantes de veneno!

Enganei-me no ponto e deixei caír malhas, como lágrimas.

Estou cansada e encolho-me, com frio, no meu vestido escuro, com laivos vermelhos
que lembram sangue e lembram guerra.

II

O tempo não muda e o mar reflecte o céu que continua cinzento e agora quase, mas quase, esverdinhado, viscoso e pardo. Este é o mar gélido, desolado dos náufragos, dos suicidas, do desespero e da loucura!
E, eu, no meu vestido preto, opaco e feio, tricoto este mar de infelicidade, de vidas violentamente interrompidas, este mar onde repousam sonhos em pedaços, projectos destroçados, farrapos de Esperança perdida!
Tricoto com os meus novelos cinzentos, baços e tristes e neles, agora, é Chopin que chora baixinho! E, as minhas lágrimas secas, febris, doentes, diluem-se no choro dorido da sua música e formam, juntas, um rio de revolta, de cansaço e de compaixão!
Cheira a velas e a flores murchas, informes, apodrecidas! Como os afogados, como os sonhos desfeitos, como os projectos, para sempre, apenas projectos, como os farrapos de Esperança destroçada!

Esgotou-me, tricotar este mar a cheirar a morte e a podridão!

Arranco de mim, este vestido preto, opaco e feio e guardo o meu tricot, de ponto incerto, à espera da luz, da cor, do calor do sol! E das risadas felizes da vida!

MC

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