segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Clarice Lispector e eu

“Sou composta por urgências: minhas alegrias são intensas; minhas tristezas, absolutas. Me entupo de ausências, me esvazio de excessos. Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos"

Clarice Lispector



Contaram-me que nasci com morte aparente. Foram muito longos os minutos de reanimação e de angústia, até que eu respirasse, sôfrega, a vida!
Contaram-me que, depois de tanto tempo, quando aquele corpinho cinzento e flácido, irrompeu num choro ainda tímido e meio engasgado e ter adquirido uma cor rosada, natural, minha Mãe, lavada em lágrimas, disse que eu devia ter uma missão especial para cumprir.
Logo no primeiro instante, lutei desesperadamente contra a morte e agarrei-me, com coragem e força, à vida! E, comecei por ganhar!

Se tinha uma missão especial, para cumprir, não sei, não dei por nada...

Como Clarice Lispector, sou composta por urgências. Todos somos!

Não sei se todas as minhas alegrias são intensas. Mas vivo-as todas com o entusiasmo e o encantamento, de uma criança a brincar, deliciada, na terra e a sujar-se, despreocupada e feliz, no jardim!
As minhas tristezas, sim, são sempre intensas, profundas. Por isso doem! Tanto!
Excessos? Não me lembro de excessos mas, às vezes, sei que sou excessiva. Sobretudo no desapontamento, na mágoa! Contudo, se tive excessos, o tempo desvaneceu-os! O tempo levou-os! Como desvanece tudo! Como leva tudo!
Raquel de Queiroz escreveu uma frase que li há muito tempo e que nunca esqueci: “As estrelas são grãos de luz e nós, seres mortais, grãos de poeira que um dia o vento, levará consigo.” O vento e o tempo, quando for tempo...

Como Clarice, também não caibo na estreiteza do preconceito, da crueldade avulsa, da maldadezinha canalha, da intolerância criminosa, da maledicência matreira, que destrói reputações e vidas.

A vida vai-se contando pelo que se ganha e pelo que se perde.
Como Clarice, olho para trás e também eu vejo abrir-se, diante de mim, um vasto campo de ausências. Dolorosas! Algumas, tão profundamente sentidas, que nunca lhes disse adeus. Apesar da ausência, nunca as admiti como ausências! Ainda espero que regressem! Um dia...
Por isso, há despedidas que não fiz. Porque não se diz adeus quando o laço visceral feito de sangue e de amor, permanece intacto! Porque não se diz adeus quando o rasto da sua luz ainda é o caminho que percorro.

Um caminho a subir, aqui e ali difícil, sinuoso, íngreme e às vezes, tempestivo. Tropecei, escorreguei, esfolei o coração, como, quando criança travessa esfoleava os joelhos, e vi esfacelarem-se no chão alguns dos meus sonhos, algumas das minhas crenças, algumas das minhas esperanças e ilusões.

Houve dias sombrios, de vendaval à solta, de chuva violenta. Mas, mesmo incerta e temerosa, segui sempre em frente! Não há luz, sem que haja sombra! É a noite da vida! A noite, a escuridão que também somos. Que eu sou!
Mas a vida tem sido boa, generosa e muitos, tantos, têm sido os dias inundados de sol, de riso, do calorzinho aquietante e doce dos beijos, dos abraços macios, das palavras ternas! É o dia da vida! É o dia, a luz que somos. Que eu sou!
E, talvez devido à generosidade, à bondade, à imensa doçura que recheiam a minha vida, mesmo nos pedaços mais tortuosos e mais escuros do meu percurso, encontrei sempre uma árvore forte e frondosa para me amparar, vi florescerem rosas e o ar rescendeu, sempre, a pão, a tomilho e a alecrim!

Aprendi, aprendemos todos que a Felicidade não é permanente! A Felicidade está nas pequenas coisas. Pode estar, simplesmente, nuns minutos, numa hora, num dia, plenamente, radiosamente, vividos; pode estar no arroubo de um amor, julgado perdido; no instante fugaz mas perfeito de dois olhares que se cruzam e se dissolvem na mesma luz; na esfuziante alegria de um reencontro, há muito tempo adiado; numa notícia boa, ansiosamente esperada; num abraço apertado, tão desejado!

Nunca cedi facilmente! Lutei para viver, desde o primeiro instante e vivo apaixonadamente cada um dos meus dias. Amo desmesuradamente, as duas mais belas e mais preciosas dádivas que me foram concedidas: as minhas filhas! E agradeço tudo o que me foi dado construir! Mas, não posso dizer, como Clarice, que só vivi, só vivo nos extremos. Ou talvez tenha sido, mesmo, nos extremos que tenho vivido, sei lá...

Não sei se escrevi tudo isto porque a Clarice Lispector se atravessou, outra vez e de repente, no meu caminho, ou se escrevinhei estas linhas porque, simplesmente, hoje é o dia dos meus anos...

MC

3 comentários:

José Almeida da Silva disse...

Qualquer que tenha sido o motivo que desencadeou o fulgor desta prosa poética, o certo é que valeu a pena tê-la escrito. É forte, é luz na sombra, é dia iluminado e sagrado como o do seu nascimento.

Bendito seja quem assim escreve!

Parabéns, duplamente.

A desalinhada disse...

Muito obrigada, querido Amigo! Os seus comentários deixam-me num engasgo de emoção tão grande que nem sei o que escrever! Abençoado quem motiva assim e dá força para continuar! Especialmente, sendo o Poeta, que é!!!
Como vê, somos os dois de Setembro, o mês dourado! Gente boa! Abraço.

A desalinhada disse...
Este comentário foi removido pelo autor.