quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Brasil, sol, calor e reminiscências nossas...

Depois de uma ausência de semanas, aqui estou de volta ao aconchego de todos aqueles que me seguem aqui, nesta espécie de blog desalinhado e, generosamente, me lêem.

Neste espaço de tempo, recebemos o abraço fechado, misterioso, mas, ainda assim, pincelado de Esperança, de um novo Ano, o céu abriu-se, violento, e a chuva desabou, torrencial e gelada, sobre o cansaço de um povo já exausto, o mar galgou a terra, em ondas gigantescas, que varreram, sem misericórdia, tudo o que se atravessava no seu caminho, numa fúria devastadora.

Enquanto, por aqui, a Natureza se revoltava malévola e, sem piedade, destruía, passei eu doze maravilhosos dias no Brasil, no Estado da Bahia, na encantadora Praia do Forte, relativamente perto de Salvador, cidade, cujo Centro Histórico, iconizado no Bairro do Pelourinho, é conhecida além fronteiras, pela sua arquitectura colonial portuguesa e celebrizada, no Mundo, como a “Roma negra”, ou “Meca da negritude”, devido à forte influência africana, em termos culturais.
Surpreendeu-me, no entanto, que o monumento que deu o nome ao Bairro, o Pelourinho, tivesse sido erradicado. Sei que esta é uma reminiscência sangrenta, dolorosa e de uma desumanidade sem nome, mas... é História! E o Pelourinho, símbolo de tortura, e de morte era agora e tão só, um monumento histórico!
No entanto, numa janela, espreita uma imitação de Michael Jackson, ao lado da qual, desde que se pague, se podem tirar fotografias, porque nesse largo, em 1996, ao som de batuques de Olodum, o cantor dançou, cantou e interagiu com o grupo de percussão baiano, dando um verdadeiro show de talento e de simpatia. MJ gravou, nesse largo, o videoclip de "They don`t care about us".
Um momento histórico diferente, mas que se preservou...
 
Entristeceu-me ver vários edifícios de arquitectura colonial-portuguesa, ainda com uma traça lindíssima, abandonados a uma degradação confrangedora, o que dá à cidade de Salvador um toque triste de indecente decadência.

Ainda no centro histórico, na ladeira do Pelourinho, vi, de fora, porque estava fechada, a belíssima Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.
A construção desta Igreja deve-se à devoção e empenhamento dos escravos negros e alforriados, constituídos em Irmandade de N.S. do Rosário, tendo, por isso, sido um processo lento. Os irmãos da confraria eram obviamente pobres e pouco mais podiam doar, do que o seu trabalho, engenho e arte, nas suas suas horas livres.
Nos fundos da Igreja, existe um antigo cemitério de escravos, que descansam em paz sob a protecção da Senhora que honraram. Numa louvável preservação da história desta igreja, tão intimamente ligada aos negros, a liturgia religiosa faz, ali, uso de música inspirada nos terreiros de Candomblé.
Como eu teria gostado de ter assistido a uma dessas missas!!

Nascida e criada em África, estes dias foram, sobretudo, uma espécie de reencontro com o sol, o calor, a cor, a luz e até com alguns sabores da minha infância e juventude. E, também a alegria de um mar azul, de ondulação mansa e das areias brandas e douradas. E a elegância dos coqueiros esguios, alguns carregados de côcos verdes, pequeninos ainda, que o vento manso agita amorosamente com as suas mãos macias, de amante terno e lascivo.
Encantaram-me as noites, vestidas de negro e de prata, as estrelas tão grandes e brilhantes que pareciam, na sua fulgurante cintilação, estender os braços, umas às outras, sem, contudo, nunca se tocarem e sem ofuscarem o brilho fixo, mas precioso de Vénus. E as constelações, tão nítidas e cintilantes giravam, resplandecentes, nas altas esferas, cientes da sua grandeza.

Eram assim as noites da minha infância. No jardim cresciam dúzias de rosas chamadas Príncipe Negro, de caule esguio e pétalas aveludadas, que perfumavam intensamente, a noite serena e tépida. No negrume vasto da noite africana, o céu parecia a imensa copa de uma gigantesca árvore, densa e escura, pontilhada de estrelas brancas, tão grandes, tão brilhantes e, ilusoriamente, tão próximas, que eu pensava que, se fechasse os olhos com força, bastaria desejar muito, de todo o coração, para, em bicos de pés e estendendo os braços, tocá-las, acariciar a sua prata gelada de lua, com as pontas ardentes dos meus dedos.
Nunca desejei bastante.
Nunca as toquei.

Mas as noites de veludo negro bordado a prata, na Praia do Forte, não sendo os repositórios dos meus sonhos de menina, eram também belíssimas e traziam em si a promessa colorida, acalorada e feliz de dias de sol, e de lazer, enquanto o mar, mergulhado em trevas e num murmúrio doce, desmaiava na areia, num cansaço lânguido e, num abraço fundo e morno, lhe confiava mil segredos de luz e de sombra.

Por aqui, céu tem continuado a desfazer-se em chuva, num Inverno pesado, depressivo e longo, longo...
Um Inverno triste que nunca mais acaba, como esta gripe danada, que me inquieta há mais de uma semana.

MC

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