quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Já não havia eu...

O céu tão azul, tanto calor, tanta gente no barco…

Subitamente, senti-me cansada e levemente nauseada. O chão começou a afastar-se. E eu enfraquecida, sem me poder sentar.
Devagarinho, o chão afastava-se mais e mais. Os joelhos trémulos, as pernas moles a susterem, com dificuldade, o meu corpo.

E o chão cada vez mais longe. E já nem parecia chão. Parecia um lençol azul, ondulante de água a deslizar à minha frente, como um rio, a fluir, a fluir... Talvez aquela gente, tanta gente, que eu já não via, fizesse, agora, parte integrante da água inquieta e travessa…
Pontos de luz brilhantes mas desfocados dançavam à minha volta e eu sozinha, à espera... quieta, quebradiça, leve.


Depois um ar sem peso a envolver o barco. Depois já não havia barco. Depois já não havia água. Depois já não havia azul. Só eu a cair, lentamente a cair, num abismo fundo e a dissolver-me, sem pressa, não sei se no azul, não sei se na água, não sei se no escuro.
Depois, isso sei, depois, já não havia eu.

Uma pausa sem cor, sem som, uma pausa feita de nada, na minha vida. Uma suspensão fugaz no tempo que talvez me tenha levado para outro tempo, para outra dimensão... Não sei, não me lembro…

Acordei no chão, com a água a bater no barco, o sol a manchar de ouro, o branco do meu vestido, e a fazer-me piscar os olhos, e um zumbido, que me pareceu uma cacafonia de sons, longínqua e estranha.
Levantei-me, hesitante, aturdida, vagamente estremunhada, como se estivesse a acordar de um sono profundo, vazio, sem sonhos.

E, foi assim, que desmaiei, num vaporetto, em Veneza…

MC

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