segunda-feira, 6 de junho de 2016

Lavoisier e eu

Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.”
Lavoisier


É espantosa a facilidade com que entramos e saímos das gavetas mágicas do Tempo. Esta Lei de Lavoisier abriu uma gavetinha, há muito esquecida, e levou-me de volta, aos meus tempos de colegial travessa e curiosa.

Lembro-me, com uma extraordinária clareza, do impacto que esta Lei teve, em mim: a certeza de que eu nunca não me iria perder, só me transformaria numa outra coisa qualquer. Em quê? Em pó, esta ideia era-me familiar, sendo eu aluna, externa, no Colégio das Irmãs Doroteias: “és pó e em pó te hás-de tornar”; em cinza, mas aí passei adiante, porque ainda não tinha lido Florbela e não se falava em cremação; em húmus, em matéria orgânica, alimento para os vermes da terra, foi ideia que me nauseou e, não sei porquê, me pareceu muito injusta.

Atendendo à minha formação judaico-cristã, eu sabia que era corpo e espírito, este, sim, eterno e incorruptível. Resolvi esquecer o corpo que, para todos os efeitos, morria, e dirigi a minha atenção para outras duas hipóteses: Ir para o céu ou ir para o inferno.
Para o inferno, prometi a mim mesma, que não iria. Era refilona, mais tarde aprendi uma palavra mais sofisticada e muito mais do meu agrado: contestatária. Era, pois, contestatária, muito gulosa, de uma teimosia exasperante, muito faladora e, como dizia a Madre Martins, eu desestabilizaria tanto o inferno, que até o diabo não estaria para me aturar.

Lembro-me de, então, me sentir, envolta numa etérea aura de santidade e, ter como certa, a minha ida para o céu.
Um céu, que eu imaginava azul e enfeitado de fofas nuvens brancas, onde brincavam anjos. Um céu cheio de sol, palmeiras, música, livros, cães, muitos chocolates, kissangua de abacaxi e os biscoitos da minha mãe. E onde haveria mar e areia macia.

Quando, enfim, considerei o assunto arrumado, outra assustadora hipótese surgiu: a reencarnação.
Foi um susto!

Aterrava-me pensar que as moléculas do meu estimado eu, iriam separar-se, misturar-se com outras moléculas quaisquer, sabia lá eu vindas de onde e de quem, e renascer como outra criatura. Um ser desconhecido, que eu esperava, mal por mal, que fosse outra menina. Mas, seria ela inteligente, bonita, encantadora, como eu? Diziam que eu era inteligente, bonita e, aqueles que não me conheciam bem, até diziam que eu era seraficamente encantadora, não diziam?
E o meu pai seria o mesmo? E eu nasceria em África? E o meu velho e adorado cão, que morrera há uns largos meses, já teria reencarnado? Como pessoa?

Por altura dessas minhas graves, solitárias e inquietantes cogitações, uma amiga da minha mãe teve um bebé e foi, com espanto e muita desconfiança, que a minha mãe viu o meu inusitado interesse e enternecimento, para com o recém-nascido. Para meu desgosto, não lhe peguei ao colo, porque estava a dormir e, acordado, berrava como um cabritinho esfaimado…
Mas, lembro-me de ficar a olhar para ele, num comovido enlevo e pensar que o meu querido Piloto também ladrava que se fartava e adorava dormir…

Nunca resolvi este problema que me inquietou por uns tempos na minha tenra juventude.

Na verdade, continuo a espantar-me com a facilidade que temos de entrar e sair das gavetas mágicas do Tempo.
Hoje fui para o Passado, mas também gosto de viajar até ao Futuro, quando me dou ao trabalho de o imaginar. O que, nos tempos que correm, é tarefa quase impossível!! Tão impossível, como vacas esvoaçantes…

MC

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