“A menina de lá”, conto de Guimarães Rosa, inserido na obra “Primeiras estórias”, termo criado pelo autor e, mais tarde, amplamente usado por outros escritores, nomeadamente, Mia Couto, é uma estória bonita e delicada, mas insólita, bizarra, carregada de originalidade!
A menina, “com os seus nem quatro anos” , franzina, sempre muito quieta, sentada a um canto, e cuja conversa ninguém parecia entender muito bem, é filha de um sitiante e de uma mulher sempre agarrada ao terço, mesmo quando se zanga e ralha.
A menina vive em Temor-de-Deus, por trás da Serra de Mim.
Chama-se Maria mas é sempre tratada por Nininha. Este diminutivo triplicado, reforça a sua fragilidade. É uma menina sensitiva, com o dom de ter contactos místicos e também dotada de poderes paranormais. Os seus desejos, por mais estranhos, realizam-se sempre: deseja ver um sapo, em tempo de seca e um sapo entra pela casa dentro, apetece-lhe "pamonhinha de goiaba" e logo aparece uma senhora com o doce.
Um dia, quando a mãe adoece, a menina diz que nada pode fazer mas abraça-a e, inexplicavelmente, a mãe fica curada.
Temos, desde o início da estória, a percepção de que a menina não pertence ao CÁ, (à terra, à proximidade), mas ao LÁ, (ao céu, ou a um mundo mágico, longínquo, divino), pela presença de palavras, deisticas no contexto em que são usadas, ligadas ao universo do mundo de LÁ: estrelinhas, lua, alturas, aves, mortos, saudades, milagre e, principalmente, arco-íris que é, aqui, uma palavra chave.
A menina tem uma relação forte com a água límpida e cristalina que fecunda e cria e não suporta águas poluídas.
Quando a menina deseja ver o arco-íris, faz chover.
A chuva chega e com ela o arco-íris que proporciona uma enorme alegria a Nininha. Ela diz a Tiântonia que quando morrer quer um caixãozinho cor-de-rosa, com enfeites verdes brilhantes. Há nas suas palavras uma premonição da sua morte ou, a expressão do seu desejo de partir para LÁ!
E, de facto, Nininha adoece e morre. E, os seus pais sabem que, com certeza e seja de que modo for, simplesmente porque demonstrou esse desejo, a menina será enterrada num caixãozinho bizarro, cor-de-rosa enfeitado de brilhos verdes!
O arco-íris poderá ser, simplesmente, entendido como um aviso de Deus de que a menina voltaria, muito breve, para o Seu seio. Na verdade, essa partida anuncia-se desde o início da estória: o dedinho dela quase alcançava o céu, iria visitar os parentes mortos, para não falar do próprio título do texto.
Nesta estória, toda revestida de simbolismo, a menina pode ser entendida como a “anima” de qualquer pessoa.
Se gostei desta estória? Mais do que gostei, esta estória encantou-me pela sua aparente simplicidade e imensa beleza e surpreendeu-me fortemente pela sua insólita originalidade!
Nota: Este e outros dois contos deste fantástico escritor, Guimarães Rosa, foram-me dados a conhecer pelo Professor, Dr. Arnaldo Saraiva, que também, embora brevemente, deu a sua abalizada opinião sobre eles.
MC
2 comentários:
Gostei muito da história.
Vou tentar encontrar o livro.
um beijinho e um Bom Domingo
Gábi
Olá, redonda!
O Professor deu-nos fotocópias dos contos, dada a extrema dificuldade para encontrar, cá no burgo, as obras de Guimarães Rosa. O que é lamentável! Vou tentar mandar vir estes contos do Brasil. Depois digo-te alguma coisa. Beijinhos.
A desalinhada
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