sábado, 1 de maio de 2010

A menina de lá

“A menina de lá”, conto de Guimarães Rosa, inserido na obra “Primeiras estórias”, termo criado pelo autor e, mais tarde, amplamente usado por outros escritores, nomeadamente, Mia Couto, é uma estória bonita e delicada, mas insólita, bizarra, carregada de originalidade!

A menina, “com os seus nem quatro anos” , franzina, sempre muito quieta, sentada a um canto, e cuja conversa ninguém parecia entender muito bem, é filha de um sitiante e de uma mulher sempre agarrada ao terço, mesmo quando se zanga e ralha.
A menina vive em Temor-de-Deus, por trás da Serra de Mim.
Chama-se Maria mas é sempre tratada por Nininha. Este diminutivo triplicado, reforça a sua fragilidade. É uma menina sensitiva, com o dom de ter contactos místicos e também dotada de poderes paranormais. Os seus desejos, por mais estranhos, realizam-se sempre: deseja ver um sapo, em tempo de seca e um sapo entra pela casa dentro, apetece-lhe "pamonhinha de goiaba" e logo aparece uma senhora com o doce.

Um dia, quando a mãe adoece, a menina diz que nada pode fazer mas abraça-a e, inexplicavelmente, a mãe fica curada.

Temos, desde o início da estória, a percepção de que a menina não pertence ao CÁ, (à terra, à proximidade), mas ao LÁ, (ao céu, ou a um mundo mágico, longínquo, divino), pela presença de palavras, deisticas no contexto em que são usadas, ligadas ao universo do mundo de LÁ: estrelinhas, lua, alturas, aves, mortos, saudades, milagre e, principalmente, arco-íris que é, aqui, uma palavra chave.
A menina tem uma relação forte com a água límpida e cristalina que fecunda e cria e não suporta águas poluídas.
Quando a menina deseja ver o arco-íris, faz chover.
A chuva chega e com ela o arco-íris que proporciona uma enorme alegria a Nininha. Ela diz a Tiântonia que quando morrer quer um caixãozinho cor-de-rosa, com enfeites verdes brilhantes. Há nas suas palavras uma premonição da sua morte ou, a expressão do seu desejo de partir para LÁ!
E, de facto, Nininha adoece e morre. E, os seus pais sabem que, com certeza e seja de que modo for, simplesmente porque demonstrou esse desejo, a menina será enterrada num caixãozinho bizarro, cor-de-rosa enfeitado de brilhos verdes!

O arco-íris poderá ser, simplesmente, entendido como um aviso de Deus de que a menina voltaria, muito breve, para o Seu seio. Na verdade, essa partida anuncia-se desde o início da estória: o dedinho dela quase alcançava o céu, iria visitar os parentes mortos, para não falar do próprio título do texto.
Nesta estória, toda revestida de simbolismo, a menina pode ser entendida como a “anima” de qualquer pessoa.

Se gostei desta estória? Mais do que gostei, esta estória encantou-me pela sua aparente simplicidade e imensa beleza e surpreendeu-me fortemente pela sua insólita originalidade!

Nota: Este e outros dois contos deste fantástico escritor, Guimarães Rosa, foram-me dados a conhecer pelo Professor, Dr. Arnaldo Saraiva, que também, embora brevemente, deu a sua abalizada opinião sobre eles.

MC

2 comentários:

redonda disse...

Gostei muito da história.
Vou tentar encontrar o livro.
um beijinho e um Bom Domingo
Gábi

A desalinhada disse...

Olá, redonda!
O Professor deu-nos fotocópias dos contos, dada a extrema dificuldade para encontrar, cá no burgo, as obras de Guimarães Rosa. O que é lamentável! Vou tentar mandar vir estes contos do Brasil. Depois digo-te alguma coisa. Beijinhos.
A desalinhada