terça-feira, 5 de abril de 2011

Aguarela

Hoje o dia amanheceu radioso, como uma aguarela! Vestiu-se com as cores claras da Primavera, enfeitou-se de ouro, deixou a brisa branda despentear-lhe os cabelos e despertou a terra, ainda estremunhada, com o brilho da sua luz!

E, nesse abraço luminoso e morno, o meu coração, cheio de alegria e de esperança, bate muito, bate forte, bate assim, como se eu fosse, de novo, menina: tic-tac, tic-tac, tic-tac!

Como quadros impressionistas, coloridos e leves, vieram até mim, numa torrente de ternas recordações, os passeios à beira-mar, as corridas com os meus cães, o baloiço, os livros, os beijos, as palavras soltas, os risos, e os divertidos piqueniques da minha meninice.

Este dia de Primavera condiz com a gloriosa beleza da “Aguarela” de Cesário, onde, eternizado, com palavras e rimas, ainda decorre, numa tarde como esta, um delicioso piquenique, com um burrico manso, um granzoal azul, o cheiro doce do melão, dos damascos, do pão de ló e da malvasia, e o precioso detalhe e a graça de um decote atrevido, enfeitado de renda e de papoilas rubras.



Naquele “pic-nic” de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão de bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, indo o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos
E pão de ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

Cesário Verde


MC

2 comentários:

Elza disse...

Lindo este pic nic de burguesas em forma de poema em forma de aguarela. Assim como a sua alegria Celeste ao sentir o calor do Verão finalmente a fazer estalar a pele. Um beijinho!

redonda disse...

Gosto muito deste poema de Cesário Verde e foi bom lembrá-lo aqui :)
beijinho
Gábi