quarta-feira, 29 de junho de 2011

Que parem os relógios, cale o telefone, ...

Diz-se que as pessoas nascidas sob o signo do Sol são bonitas, talentosas, estuantes de encanto e de alegria. São pessoas vibrantes, amadas por multidões e que brilham intensamente, com luz própria, como a Estrela que os rege! A sua passagem por este mundo é, porém, fugaz! Talvez porque os caminhos tortuosos, poeirentos, sombrios que nos são dados percorrer não suportem a sua intensa vibração e a sua luminosidade! Esplendorosa!

A sua partida é, geralmente, súbita, inesperada e deixa, naqueles que os rodeiam, os amam e os admiram, um desolado vazio, um doloroso espanto, uma saudade aturdida, que o rasto cristalino da sua luz ameniza e consola.

Resplandecem, certamente, noutras paragens.

Lembro, naturalmente aqui, o Angélico que nos deixou ontem, o Carlos Paião, o Francisco Adam, o Feher, mas também todos os jovens bonitos e promissores cujos sonhos a morte interrompeu estupidamente, impiedosamente!

Algumas destas estrelas fugazes tornam-se mitos. Estou a lembrar-me de James Dean, por exemplo.



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BLUES FÚNEBRES

Que parem os relógios, cale o telefone,

jogue-se ao cão um osso e ele não ladre mais,

que emudeça o piano e o tambor sancione

a vinda do caixão com seu cortejo atrás.

Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,

Escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.

Que as pombas guardem luto – um laço no pescoço –

e os guardas usem finas luvas cor-de-breu.

...

...

...

...

É hora de apagar estrelas – são molestas –

Guardar a lua, desmontar o sol brilhante,

De despejar o mar, jogar fora as florestas,

Pois nada mais há de dar certo doravante.


W. H. Auden (1907-1973) em Poesia Alheia, 124 Poemas Traduzidos, tradução e organização de Nelson Archer, Editora Imago, 1998.


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LISURA

Entras na morte,

como se entra em casa,

desvestindo a carne,

pondo teus chinelos

e pijama velho.

Entras na morte,

como alguém que parte

para uma viagem:

não se sabe o norte

mas começa agora.

Entras na morte,

sem escuros,

sem punhais ocultos

sob o teu orgulho.

Entras na morte,

limpo

de cuidados breves;

como alguém que dorme

na varanda enorme,

entras na morte.

Carlos Nejar , em Obra Poética, Nova Fronteira, 1980.

3 comentários:

SC disse...

Lindíssimo..adorei..uma homenagem muito bonita aos que os Deuses reclamam precocemente para o Olimpo..

A desalinhada disse...

Porque, estes jovens bonitos, talentosos, cheios de luz e que esbanjam charme, são os que eles amam mais! Tanto, que t~em pressa de os ter a seu lado, no Olimpo, como dizes!
Obrigada, querida, por me leres e pelas tuas palavras.

José Almeida da Silva disse...

Nestes momentos em que a morte é jovem, fica-nos o espanto de ser tão cedo. Para nós. A eternidade não tem tempo, não tem idade. Quem sabe, os que partiram tão cedo não estariam connosco apenas para completarem o seu "tempo"! Diante da Morte jovem, pensamos sempre de acordo com a nossa noção de tempo, e nunca no não-tempo. A Deus, cabe apenas abraçá-los, dar-lhes colo - o colo da bondade e da perfeição. Nós, como não compreendemos o mistério, ficamos aturdidos e sem saber o que fazer.

A Morte é uma oculta camada da Vida. Quando se torna visível pela sua acção, surpreende-nos sempre.

E não há palavras. As suas são justa homenagem, e inquietação! Bem haja, por elas e pelo seu significado.