sexta-feira, 1 de novembro de 2013

2 cães, 4 gatos e a loucura do Governo, Vasco Pulido Valente, Público, 01/11/2013


 
Como costumam dizer os vigaristas da nossa política, sou insuspeito nesta matéria: não gosto de gatos, nem de cães. Mas também não gosto que o Estado se intrometa na minha vida ou na vida dos portugueses. Descobri esta semana com espanto que a sra. ministra da Agricultura resolveu legiferar sobre o número de animais que um cidadão pode ter em casa. "Animais de companhia", bem entendido, a quem já foi dedicado um "Código do Animal de Companhia" e agora uma lei muito "trabalhada" durante sete anos (não exagero) pela Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária, a mesma - presumo - que há meses deixou vender carne de cavalo por carne de vaca. A loucura da administração pública está inteiramente à solta, perante a equanimidade e deleite deste liberalíssimo Governo.

O cidadão comum fica, como de costume, perplexo. Para começar, não sabe o que são, ou não são, "animais de companhia". Uma galinha, por exemplo, é um "animal de companhia"? E um peixe, um periquito e um canário? Se a Direcção-Geral de Veterinária se resolvesse dedicar à regulamentação do caruncho ou da pulga, do rato e do mosquito, que transmitem doenças, talvez se percebesse. Assim, não. Só lhe interessa o cão e o gato. Daqui em diante, a lei não autoriza mais do que dois cães por apartamento a cada residente em Portugal ou, em alternativa, quatro gatos. A minha inexperiência neste domínio não me permite justificar a preferência que os gatos receberam, tanto mais que o cheiro a gato é particularmente repugnante. Mas suponho que os técnicos se guiaram sobretudo pelo volume. Do elefante não autorizam mais do que uma pata, para os guardas-chuvas.

Embora excêntrico e risível, o episódio do "animal de companhia" merece comentário por duas razões. Em primeiro lugar, porque o Estado continua impenitente a invadir a privacidade do cidadão anónimo. Com dois propósitos principais: justificar a sua existência e criar a necessidade de mais funcionários (neste caso de inspectores das condições de vida do "animal de companhia", que os "companheiros" tratam mal). E, em segundo lugar, como em princípio uma política séria e relevante custa dinheiro e uma simples proibição aparentemente não custa, é mais fácil que o Governo aprove a proibição do que a política séria: a sra. Cristas com certeza que nem percebeu o que se passava nas catacumbas do seu ministério. E anda por aí Paulo Portas, com o seu ar mais solene, a pregar a reforma do Estado.

Vasco Pulido Valente, Público,  01/11/2013

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