sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

O Portugal Paralelo ... Parte I

Na semana passada, o Primeiro Ministro deu uma entrevista a um canal de televisão, que me deixou suspensa entre uma enorme alegria e uma profunda depressão .
Sentada, comodamente, no meu sofá,( sou uma senhora de meia-idade e os meus ossos já me pedem certos cuidados e muito conforto), fui ouvindo as respostas do Primeiro Ministro, às suaves perguntas de dois, igualmente suaves e simpáticos , jornalistas que, reverencialmente, lhe davam todo o tempo que entendia, para dissertar sobre cada assunto, sem o interromperem !


Embalada pelas belas e assertivas palavras de Sua Excelência, esqueci o atraso de vida em que vivemos e senti-me transportada, por assim dizer, para um país maravilhoso, com excelente qualidade de vida e onde os dias decorrem, serenos e fartos, entre rosas e jasmim !
E, eu que sou uma incorrigível romântica, dei comigo a imaginar-me, qual princesinha de conto de fadas, a passear, saltitante, entre flores, nesse país seguro, radioso e dourado, onde a vida desliza, bonita, agradável e tranquila, sob a égide de um Primeiro Ministro que se auto-elogia, descaradamente, espalha glamour, assume-se competente e (muito importante!) reformador ! Entenda-se, extraordinariamente competente e profundamente reformador !

Naquela entrevista do meu contentamento, pelo menos, até então, o esforçado governante ía dizendo que a Economia está bem e florescente, com o investimento a crescer, alegremente e a olhos vistos, e o défice, (viu-se, claramente, que até lhe custou pronunciar tal palavra!), está controlado e a descer, acrescento eu, miraculosamente !
Neste momento da douta, mas familiar entrevista, confesso que me comovi e julguei mesmo ver naquele elegante senhor, que assim discorria, uma certa aura, quiçá, de santidade !

No país, dizia, já quase ninguém carrega, exausto, a cruz do desemprego e, assim, o pesado fardo de viver era coisa do passado, porque ele, o senhor que tão bem falava, tinha criado milhares de empregos, bons e seguros !
Por assim dizer, os empregos crescem como carnudos cogumelos e, para ser franca, fiquei com a horrível impressão que, só quem não gosta de trabalhar, é que está mal na vida e se queixa !

Ouvi-o dizer, com imensa alegria, que a Saúde, no país, é, agora, óptima, melhor do que nunca, com as excelentes medidas que têm sido tomadas .
Os Hospitais, quais hoteis de cinco estrelas, são numerosos, muitos mais do que seria, mesmo, necessário; os doentes são tratados com desvelo e carinho, por Médicos que têm ao seu dispor o melhor equipamento médico, da mais avançada tecnologia e nunca se cansam de falar com os doentes, numa linguagem que eles percebam, muito pacientes, compassivos e amáveis porque não trabalham demais ; as Enfermeiras, impecáveis nas suas batas brancas, andam, leves, pelas enfermarias, quais borboletas esvoaçantes, suavemente perfumadas, calmas, descansadas e sorridentes, porque, cada uma não tem de trabalhar por duas, mortas de cansaço !

Os centros de saúde, (há imensos !), são locais limpos, arejados, bem decorados, extremamente confortáveis onde até apetece estar ! Mas, os utentes são atendidos tão rapidamente por médicos serenos, bem-dispostos e que até olham para eles, que já se têm queixado de não lhes ser dado tempo suficiente, na encantadora sala de espera, para apreciar e gozar, devidamente, tão agradável e relaxante ambiente !

Em caso de acidente ou doença súbita está tudo muito bem organizado, a assistência é espantosamente rápida e muito eficiente ! As estradas, no primeiro caso, nunca ficam impedidas dias, manhãs, tardes ou noites inteiras, provocando filas quilométricas de carros e faltas ao emprego ou à escola!

O tempo, às vezes, enfurece-se mas, não há perigo de grandes inundações ! As ruas, os bueiros, as matas, as margens dos rios e das estradas estão sempre impecavelmente limpos ! E, o Ministro do Ambiente é um exemplo de dedicação, vigilância e competência !

Eu continuava a assistir, deliciada, à entrevista e perdi-me no tempo e no espaço ...

Foi, enfim, tempo de falar da Educação , tema que me é caro e, onde, fiquei a saber, têm sido tomadas medidas fantásticas e inovadoras ! Então, sim, nesse momento enterneci-me até às lágrimas, que, com a comoção, não consegui suster !
Há cada vez mais Escolas, com óptimas condições, para que os alunos não tenham de perder horas preciosas, percorrendo longas distâncias, onde se sintam felizes e seguros e tenham tempo para pesquisar, estudar, alargar conhecimentos e consultar grandes obras, literárias e científicas , que o Ministério da Cultura, generosamente, lhes põe à disposição, em qualidade e extraordinária quantidade !
Os Professores são tratados com todo o respeito, a mais elevada consideração e, porque não dizê-lo, com muito afecto pelos responsáveis da tutela que os admira, acarinha e apoia imenso !
Foi, neste emotivo momento, que, confesso, chorei !
As aulas, onde alunos, ávidos de aprender e saber sempre mais, são uma gratificante alegria e decorrem num ambiente sossegado, de muita atenção e profunda concentração !

Na dita entrevista, o Primeiro Ministro não mencionou a Justiça . Mas, compreende-se!
Num país assim, onde tudo funciona tão bem, não há crime, logo, não há criminosos ; não há corrupção, logo, não há corruptos nem negociatas escusas; não há raptores, logo, não há raptos; não há ladrões, logo, não há roubos; não há violadores, nem pedófilos, logo, não há violações ! Enfim, nesse país modelo, não há violência, nem pecado e são todos inocentes ! Por isso, essa coisa horrorosa que é a Justiça, a lembrar Tribunais, Prisões, Casas de Correcção, não interessa nada !


Quando, no entanto, me lembrei de pôr os óculos, olhei bem para a imagem no televisor e caí em mim, comecei a ficar confusa : o Primeiro Ministro que assim falava, assertivo e convincente, de um país tão maravilhosamente organizado, era Sócrates que conhecemos muito bem e cuja governação tem sido, de um modo geral e na realidade, um desastre de arrogância, precipitação e incompetência !

Mas, lembrei-me, de repente, que se diz haver mundos paralelos ! Até me recordei de ter lido, atentamente, uns artigos sobre esse assunto, de que gostei muito, mas, julguei, na altura, que nunca teria a sorte e a alegria supremas de me deparar com tal, (como direi ?), fenómeno !

Então, fez-se luz no meu espírito e, com a alma alvoroçada, percebi que Sócrates é o Primeiro Ministro de um Portugal paralelo a este, igualzinho a este, na forma , mas, um Portugal virtual e perfeito, só seu, feito por suas mãos e onde ele é o garboso, competente, humano e muito amado governante !


M.C.

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