quinta-feira, 19 de junho de 2008

O Portugal paralelo

Ouvir o Primeiro Ministro falar sobre o País, faz-me sentir suspensa entre
uma enorme alegria e uma profunda depressão.
Na verdade, embalada pelas suas belas e assertivas palavras, esqueço o
atraso de vida em que vivemos e sinto-me, por assim dizer, transportada para
um País maravilhoso, moderno, altamente competitivo, com excelente qualidade
de vida e onde os dias decorrem, serenos e fartos, entre rosas e vinho doce!
A Economia está bem e florescente, com o investimento, alegremente, a
crescer, e o d e éfice, ( palavra horrorosa! ),controlado e a descer!
Neste País do seu contentamento, já quase ninguém carrega, exausto, a cruz
do desemprego e, assim, o pesado fardo de viver é coisa dos anteriores
Governos, porque ele, o Primeiro Ministro tem criado, como prometeu,
milhares de bons e seguros empregos, que, nas as suas mãos, crescem como
carnudos cogumelos! Os salários e pensões estão, para alegria de todos,
muito acima da inflação que, surpreendentemente, também desceu!
A Saúde é, agora, óptima, com as excelentes medidas que têm sido tomadas!
Os Hospitais, quais hotéis de cinco estrelas, são numerosos e os doentes
tratados por Médicos que têm ao seu dispor o melhor equipamento médico, com
a mais avançada tecnologia, muito pacientes e serenos, porque não trabalham
demais, sem condições, dias a fio! As enfermeiras circulam,quais borboletas
esvoaçantes, pelas enfermarias, calmas e sorridentes, porque cada uma não
tem de trabalhar por duas, mortas de cansaço!
Os Centros de Saúde,(há imensos),são locais arejados e bem decorados, com
salas de espera encantadoras e confortáveis mas, praticamente,
desnecessárias, porque os utentes são atendidos rapidamente e com extrema
solicitude!
Em caso de doença súbita ou acidente, está tudo muito bem organizado, a
assistência é espantosamente rápida e muito eficiente! Ninguém morre à
espera de socorro e as estradas, no segundo caso, nunca ficam impedidas
dias, manhãs, tardes ou noites inteiras, provocando filas quilométricas de
carros.
Raramente há inundações ou incêndios porque as ruas, as margens dos rios e,
sobretudo, as matas e os bueiros estão sempre impecavelmente limpos!
Na Educação, são emocionantes as medidas fantásticas e inovadoras que têm
sido tomadas!
Há cada vez mais Escolas, modernas e confortáveis, para que os alunos se
sintam felizes e seguros e não tenham de perder horas preciosas de sono e de
trabalho, percorrendo, enjoados e vomitados, longas distâncias, de
camioneta!
Os Professores queixam-se sem razão, pois são tratados com todo o respeito,
a mais elevada consideração e, porque não dizê-lo, com muito afecto, pelos
responsáveis da tutela que os admira, acarinha e apoia imenso! Nas aulas, os
alunos, ávidos de aprender e saber sempre mais, não agridem, nem insultam os
professores, nem se desfazem e roubam uns aos outros, no recreio! Só em
casos muito, mesmo muito pontuais, sem qualquer importância!
O Primeiro Ministro quase não menciona a Justiça porque, realmente, a
Justiça quase não existe. Mas, de facto, num País onde tudo funciona tão
bem, onde não há violência, onde não há crime, onde não há corrupção e
onde são todos inocentes, a Justiça não é, sequer, precisa! Aqui,
encontra-se, quiçá, a razão para que, nas Esquadras, haja só um polícia!
Mas, este não é, infelizmente, o nosso País real, aquele onde, mergulhados
numa profunda depressão, esgaravatamos, com sacrifício, suor e lágrimas, o
pão nosso de cada dia!
Recordo-me de ter lido, há tempos, uns artigos muito interessantes, sobre a
existência de mundos paralelos.
Talvez, Sócrates seja Primeiro Ministro de um Portugal paralelo a este,
igualzinho a este na forma, mas, um Portugal virtual, criado por suas mãos e
onde ele é o garboso, competente e mui amado governante, um País fantástico
e perfeito que, em comparação com este Portugal pobremente vestido de
escuro, exasperado, esgotado e cada vez mais empobrecido, que é a nossa
triste realidade, é apenas mais uma trágica anedota, de muito mau gosto!

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