terça-feira, 13 de janeiro de 2009

DA HUMILDADE


“ A noite abre as flores em silêncio e deixa que o dia receba os agradecimentos” (Tagore )


Se me pedissem para dar uma forma visual, para ilustrar a Humildade, eu pintaria um lírio branco do campo. Um lírio roxo, não! A cor roxa significa luto, tristeza e lembra a Quaresma, e o sofrimento de Cristo.
A Humildade não tem, necessáriamente, de ser triste. Pelo contrário! É uma virtude delicada, positiva e enriquecedora, embora seja, talvez, uma das mais difíceis de pôr em prática.!
Na verdade, há situações na nossa vida, tão geladas, tão cinzentas e tão injustas, que nos perdemos, mesmo sem querer, da branda Humildade!
Todos sabemos como, instintivamente, rejeitamos uma crítica dura e, muitas vezes, sem sentido, a um trabalho feito com infinito cuidado e empenhamento; sabemos como é devastador ver um projecto, arquitectado com extrema dedicação, cair estilhaçado aos nossos pés e ser sumariamente, recusado; sabemos como dói que as nossas palavras sejam desvirtuadas ou escarnecidas ; sabemos como é arrasador sentir o trabalho de uma vida, desprezado, desvalorizado, e posto em causa, simplesmente, porque quem o avalia, não está à altura de o fazer!

Daí, dizer-se que a Humildade é coisa de Santo, pois implica aceitação sem reservas e, saber dar, de coração aberto, a outra face!

Não sei se será exactamente assim mas, pensando bem, o ser humano já deve trazer consigo, quando nasce, uma certa dose de Humildade pois tem, inevitavelmente, de aceitar as perdas e o sofrimento, como algo natural, que faz parte da vida e encarar as dificuldades como desafios, alguns bem penosos, que se empenha em vencer, para não soçobrar, liminarmente, na sociedade a que pertence! Para não sucumbir a um irremediável, excruciante desespero!
E, a constante percepção da fragilidade da sua condição humana dificilmente o deixa esquecer que, na vastidão incomensurável do Universo, é apenas um grãozinho de pó que o vento, um dia, levará consigo...

Eu gosto daqueles pequenos gestos, tantas vezes repetidos, feitos lírios do campo, de que poucos se apercebem mas, que estão lá, esguios e brancos, com o brilho suave do cetim, a enfeitarem –nos a vida! A nossa e a dos outros!
Gosto da humildade intelectual, delicada como a flor de cetim que se agita e ondula, na brisa suave do entardecer e nos permite dizer “não sei” , quando não sabemos, “ não fui eu que fiz”, quando não fizemos e nos leva a valorizar o talento daqueles que não gostam de nós e a quem nós, pessoalmente, também não apreciamos!

Creio, no entanto, que a grande dificuldade, na prática desta virtude, será, talvez, saber encontrar a sua justa medida! Santo, certamente, sabe e percorre, sem grandes tropeços, o caminho espinhoso da Humildade!
Mas, para o comum dos mortais esse caminho não é fácil e, a qualquer momento, pode resvalar para o terreno infecto da subserviência ou, descambar para o terreno lodoso e fétido da arrogância!

Na verdade, não será, talvez, difícil, no cruel jogo de interesses da vida, que o ser humano, quase sem se dar conta, dispa a veste branca e acetinada do lírio do campo e vista, acocorado, ou, com uma vénia servil, o fato horrendo e negro da subserviência!
O subserviente não tem coluna vertebral, é um títere nojento que, perdendo a sua independência e individualidade, verga-se, submisso, ao jugo de outros que se consideram seres superiores, aceitando-os, ele também, como tal! E, na sua condescendência abjecta, o subserviente rebaixa-se! Despersonaliza-se! Rasteja!

Por outro lado, se o ser humano que se diz humilde, ultrapassar certos limites, e não resistir a impor a sua vontade, conspurca o vestido branco, de cetim, dessa virtude que eu quis flor do campo, lança-o fora e enverga, com vaidade e orgulho, o atavio vermelho e áspero da arrogância, que, de mãos dadas com o egoísmo, a prepotência e a ignorância, é própria daqueles que recusam o enriquecimento que o contacto com os outros lhes pode proporcionar, e fecham-se num círculo tão pequenino, estreito e medíocre, como eles próprios, recusando aprender com a riqueza e a diversidade deste mundo variado e deslumbrante, onde vivemos!
Há, por exemplo, palavras de pretensa solidariedade e pedidos de desculpa que, escondidos sob a capa diáfana da humildade, mais não são do que arreganhos de malícia, de acinte, de insulto!

Quando é esta virtude de cetim , fugidia, branca e frágil, que está em estudo, é importante também, que se reflicta sobre aqueles que nos governam e nos gerem, uma vez que dependemos, em larga medida, da sua capacidade ou, incapacidade governativa!
Perante essa responsabilidade tremenda, penso, que a virtude principal de um governante é, exactamente, a Humildade!
Os verdadeiros governantes são aqueles que, com grandeza de alma e conscientes da sua transitoriedade nos cargos e da sua pouca importância, neste vasto e multifacetado mundo, se preocupam em ouvir, em compreender, em aceitar e em corrijir, quando percebem que estão errados.
Porque, essencialmente, nunca esquecem que ninguém é perfeito, que ninguém possui a verdade absoluta!
E, quando, na sua Sabedoria e Humildade, aceitam voltar atrás, seja no que for, acreditam que não estão a ceder, nem a perder a face, nem se estão a diminuir, nessa aceitação!
Pelo contrário, agigantam-se e, mais importante ainda, sabem que se tornam mais fortes, mais confiáveis, mais respeitados!
Se um governante, ou um qualquer superior hierárquico, quando fala, diz eu, eu, eu e persiste, teimosamente, cegamente, em manter as suas opiniões, porque, no seu juízo toldado pela ignorância, ceder é cair, ele ou ela descredibiliza-se, esvazia-se, como um saco inútil, cheio de ar e jactância e rapidamente cai no ridículo e torna-se passado!

Porque: “ Ninguém é tão grande que não possa aprender nem tão pequeno que não possa ensinar.”

Nesta reflexão sobre a Humildade, a virtude de medida difícil, que eu quis, com a aparência de lírio do campo, ataviada de branco e de cetim, e sem pretender ser aduladora, não resisto a perguntar:
Não estaremos nós, neste Atelier da Escrita, nesta sala, neste momento, a dar um fantástico exemplo de Humildade, quando lemos os textos, incompletos e toscos, que vamos escrevendo, esforçadamente, perante todos os outros participantes e, muito especialmente, perante um escritor de talento, experiente e arguto?
E, não será, também, um gratificante acto de Humildade, esse escritor galardoado, lido por esse mundo fora, escolher debruçar-se sobre esses textos, incompletos e toscos, escutá-los atentamente, comentá-los, apontando falhas e particularidades com a superior intenção, quero crer, de, corrijindo-os, nos ajudar a abrir novas perspectivas, no tortuoso, solitário mas arrebatador, caminho da escrita?

Dei a forma de lírio à Humildade, porque vejo, nesta virtude, a beleza, a graça e a simplicidade dessa flor do campo, branca e acetinada que, forte na sua fragilidade, enfrenta e resiste às intempéries e ressurge linda, delicada e graciosa, cada Primavera!

MC

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