quarta-feira, 25 de março de 2009

Eu, preguiçosamente, a espreguiçar-me ao sol...

O dia está radioso!
O sofá de veludo azul onde, preguiçosamente, me estendo, está inundado de sol.
Estico os meus braços esguios e, as minhas unhas pintadas, brilham suavemente como pedacinhos de nácar.
Estendo as pernas compridas e rebolo, na maciez azul do veludo, o meu corpo voluptuoso, que se expande, num suspiro de intenso prazer!
O sol beija o meu corpo e arranca mil reflexos de oiro,da minha pele, sedosa e macia. Dizem que sou bela! Sei que sou bela e com a vivaz sensualidade que perpassa no quadro “ Olympia”, de Manet!
A luz é intensa e semi-cerro os olhos claros, de um verde tenro e líquido, pontilhados de oiro!
Há pó no ar. Franzo o nariz, pequeno diamante negro e abro a boca, onde brilham os meus dentes, pequeninos e brancos, como pedrinhas de sal, num bocejo de puro gozo, de deliciosa preguiça!
Uma noite, ao serão, ouvi alguém falar de um livro "Oblomov, o magnífico preguiçoso"
de um escritor russo, Ivan Goncharov!
Simpatizei logo com esse Oblomov! Eu sou como ele, uma magnífica e adorável preguiçosa!

Eu sou, aliás, neste momento, a imagem viva da preguiça, a espreguiçar-se, preguiçosamente, ao sol!

Hoje tenho um laço de seda verde, ao pescoço! Adoro a cor verde! Fica-me bem e condiz com os meus olhos!
Daqui a pouco, ele chega. É baixo, careca, e desinteressante. Dizem que é irascível, agressivo e detestável!
Comigo, não! Comigo é terno, sereno e paciente!
Às vezes aborrece-me de morte! Outras vezes, enfurece-me! Como no dia em que, por exemplo, a brincar, ousou pôr, a meu lado, um rato preto de borracha. Delicada, como sou, fugi espavorida, arrepiada quando vi o rato! Tenho horror a ratos!
Eu não sou como essas vadias que andam nas ruas, pelas madrugadas! Eu sou uma menina, respeitável e esplendorosa!

Ele deve estar mesmo a chegar. Que maçada! Sinto-me tão bem, nesta preguiça mole e gostosa!
Quando abrir a porta, vai começar a gritar: Nini, Nini! Que nome ridículo! Chamar-me Nini, a mim, descendente de reis! Eu deveria ter um nome nobre, assim como, Sofia, Letízia, Constança, sei lá...!
Detesto que me chame Nini! Detesto que me chame bichaninha! Detesto! Detesto!
Ah! Que sol tão bom, tão suave!
Como é delicioso preguiçar-me, num sofá de veludo azul, onde posso espetar e polir as minhas unhas cor-de rosa!
Sinto-me bem! Sinto-me bela e absolutamente perfeita, a rebolar-me, feliz, nesta preguiça branda!

Chegou! Já o ouço aos gritos: Nini! Nini!
Se ele pensa que vou levantar, para ir, a correr ter com ele e interromper, assim de repente, este doce enlevo de sossego e de paz, está muito enganado!
Ele é que tem de vir ter comigo e esfregar-me a barriga! Por acaso, hoje, apetece-me imenso que me acaricie a barriga! Que é cor-de-rosa e macia!
Depois de me maçar com os seus cumprimentos, o ritual é sempre o mesmo: bebe o seu whisky de malte e eu bebo também umas gotinhas, desde que seja Glenrothes. Adoro este whisky! É bom e doirado como o sol!
Em seguida, abraça-me! Mas, se amarrota ou, tira do lugar, o meu laço de seda verde, dou-lhe uma arranhadela, na careca! Não, dou-lhe duas arranhadelas, na careca!
Preciso de ir ao instituto de beleza e se o magoar muito, ele leva-me lá mais depressa!

Lá fora, dizem, ele é agressivo e intratável. Até me contaram que confessou, aos gritos, na Assembleia da República, que é uma assembleia muito importante, que gosta de malhar à direita e à esquerda! Mas, cá em casa, sou eu que malho nele, quer dizer, sou eu que lhe dou unhadas e o esgatanho! Quando me aborrece ou, como daquela vez em que me assustou, de morte, com o rato preto de borracha!

Mas, não posso exagerar! A Teté, a minha querida amiga, está tão infeliz, tão magrinha, até envelheceu. O senhor lá da casa era banqueiro, não sei que tipo de bancos fazia, foi à falência e ela, coitadinha, nunca mais comeu filet mignon, nem pescada fresca! Nem parece a mesma!
Este, por enquanto, está no Governo, ouvi dizer que é responsável pela Defesa. O que ele defende, eu não sei, nem interessa nada! O que eu sei é se vai governando e está tudo bem cá em casa!
É que eu sou esquisita! Como membro da mais depurada realeza, sou alérgica a sardinhas e a carapau! Só como carne, se for filet mignon e peixe, só se for suave e carnudo e não tiver espinhas!

“Então, Nini, não vens ter com o papá?”
E, pegou-me ao colo! Adoro ser preguiçosa e odeio que me incomodem, quando descanso! Tirou-me do sol e eu dou-lhe uma unhada!Não, dou-lhe duas unhadas!
“Vá lá, Nini, trouxe-te o teu perfume, um patê francês, que mandei vir, especialmente, de Paris, para ti e arranhas o papá? Menina ingrata!
Por falar em arranhar, amanhã vais ao “Poupée Beauté”, para te tratarem e pintarem as unhas e escovar essa pelagem maravilhosa que está um pouco baça. E, como te sinto muito tensa, Nini, vou marcar-te uma semana no “Ronron`s Spa”. Precisas de umas massagens com óleos relaxantes, uns tratamentos com pedras quentes e uma pequena dieta de desintoxicação! Que dizes, gatinha querida?”

Estou sem fala! Estou entalada de comoção!

“Então, Nini, nem sequer te ouço um Miau de agradecimento?”

Ele ensandeceu! Tanto malhou à direita, tanto malhou à esquerda, que enlouqueceu! Eu, uma gata de raça nobre, eu, uma felina da mais pura linhagem, eu, uma tigreza elegante, requintada, fina, com sangue real persa a correr-me nas veias, soltar um suburbano Miau?
Mas, enfim, enquanto este careca insignificante se vai governando no Governo e vai malhando nos outros, a verdade é que, a mim, enche-me de mimos, e trata-me com todos os cuidados e a veneração a que tenho direito, como a princesa persa que sou! E, simplesmente, adora-me!

A vida é bela!

É claro,que não vou, jamais, soltar um mísero Miau! Mas, para lhe agradar, sussuro-lhe, mesmo junto da possidónia orelhinha, um chic, doce e encantador Miôôôô...

MC
( A Preguiça - Pecado Mortal)

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